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Saúde

Luto requer reavaliação, acompanhamento da saúde mental e conhecimento dos direitos, diz especialista

Além dos impactos na saúde física e mental, o luto pode desencadear uma crise de identidade

Agência UniCeub

12/10/2025 11h34

luto laço preto

Foto: Freepick

Por Eduardo Naoum

Perdas permanentes ou temporárias geram a resposta do luto, uma impacto emocional, social, espiritual, de ajustamento a uma perda significativa. Especialista no tempo, a psicóloga Keyla Cooper pondera que o luto gera como impacto imediato uma reavaliação do que somos e pensamos.

Ela explica que a maioria dos pesquisadores desse assunto não assume luto como um processo definido por fases. Nem toda perda vai gerar luto, mas aquelas perdas que nos constituem, vão gerar esse processo de adaptação.

“Essa perda significativa pode ser em decorrência de qualquer vínculo que foi rompido. Então, não necessariamente a gente vai falar somente de luto por morte, e também não necessariamente a gente vai falar de luto por perda de pessoas”, disse especialista.

Perda redefine o que somos

Além dos impactos na saúde física e mental, o luto pode desencadear uma crise de identidade, especialmente quando a perda rompe um vínculo que estruturava a rotina e o senso de ‘quem somos’.

Isso é comum na perda de um parceiro de vida, de um sócio, ou mesmo de um amigo muito próximo com quem se tinha uma convivência diária. A ausência física transforma o ambiente e obriga a uma reavaliação de nós mesmos.

Como questiona a Keyla Cooper, a perda de um vínculo intenso nos força a um questionamento existencial “Quantas pessoas precisam estar vivas para você ser quem você é?”.

A psicóloga usa uma metáfora para ilustrar a dor da ausência no dia a dia “Será que faz sentido eu continuar trabalhando com uma cadeira vazia, que para todos do lado de fora vai ser uma cadeira vazia, mas para mim vai ser uma cadeira muito cheia?”.

A perda de um emprego, que definia um processo identitário, ou a perda de um animal de estimação também podem gerar um processo de luto no indivíduo. Porém, a legislação brasileira não está de acordo com o que pensam os especialistas no assunto.

Direitos

O Artigo 473 da CLT garante 2 dias de ausência remunerada para funcionários em caso de falecimento de cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou dependente econômico. Servidores públicos e professores regidos pela CLT têm direitos diferentes, com prazos maiores, como 8 e 9 dias, respectivamente. 

A legislação trata a perda como um evento pontual e restrito a um círculo familiar específico, enquanto a psicologia a define como um processo profundo, individual e duradouro, que não se limita a laços de sangue. A dimensão temporal dessa divergência é um dos pontos mais críticos, como detalha a especialista.

“O DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) que é onde temos os estudos estatísticos mais recentes, determina que o processo de luto chamado ‘normal’, é de um ano. Então, em 12 meses, a tendência da grande maioria das pessoas é a manifestação da dor emocional… Então, veja bem no que eu estou falando, dentro de um processo de uma perda muito significativa, a manifestação da dor emocional tende a diminuir no primeiro ano da dor, do primeiro ano do luto.”, explica Cooper.

Sentimento da perda

O luto se manifesta de formas que vão muito além da tristeza, afetando a cognição, o comportamento e até a saúde física. O impacto da perda se estende à nossa capacidade cognitiva.

De acordo com Keyla Cooper, o luto sobrecarrega o cérebro a tal ponto que a pessoa experimenta uma fadiga mental constante. Atividades que antes eram feitas no “piloto automático” passam a exigir um esforço consciente e exaustivo, pois a clareza de pensamento e a concentração são diretamente afetadas. 

Um dos sintomas mais comuns do luto é uma espécie de “névoa mental”, conhecida pelo termo em inglês brain fog. Segundo a especialista, o raciocínio fica mais lento e a capacidade de concentração diminui, o que torna até mesmo tarefas automáticas, como dirigir ou falar ao telefone, muito mais desgastantes e cansativas.

Também é comum vermos uma desconexão com o mundo, provocando um intenso isolamento social, como aponta a especialista. Ela explica que, para quem sofreu uma grande perda, observar o mundo continuando sua rotina normalmente pode gerar um estranhamento profundo. Atos cotidianos perdem o sentido, e a pessoa se sente deslocada da realidade compartilhada pelos outros.

“Eu vou ao mercado, que é uma experiência mundana, e eu me sinto alienígena, fora dessa experiência, porque algo muito grave me aconteceu, e o mundo continua normalmente.” explica Keyla. 

A dor da perda pode, literalmente, adoecer o corpo. O luto não é um processo apenas psicológico, ele tem consequências físicas mensuráveis. Ela comenta que esse “choque no sistema” pode desregular o organismo, piorar condições de saúde já existentes e aumentar a incidência de problemas cardíacos.

“O luto está absolutamente associado à nossa saúde. Está correlacionado com agravo de condições crônicas, maior índice de infarto… Porque, justamente, é um choque no sistema.”

Adaptação

Apesar do sofrimento intenso, a jornada do luto não se trata de apagar a dor, mas de ressignificá-la. Com o suporte de vínculos sociais e rituais que marcam a despedida, é possível transformar a relação com a memória de quem partiu, permitindo uma vida funcional. Contudo, quando essa ressignificação não ocorre e a dor permanece paralisante, isso impede o indivíduo de se reconectar com a vida.

“Existe uma sintomatologia semelhante entre luto e depressão, mas não são os mesmos processos. No luto, eu estou elaborando, eu estou reorganizando, eu estou aprendendo a viver sem um objeto de amor. Na depressão, eu estou vazio… A pessoa enlutada tem momentos em que ela consegue se distrair, que ela consegue rir, que ela consegue se divertir, que ela consegue sentir gosto pela vida. E a pessoa depressiva, não.” disse Cooper.

Uma parte importante para superar o luto é a rede de apoio de amigos e familiares, mas muitas vezes não sabemos como de fato ajudar quem está passando por esse processo. “É sempre importante a gente perguntar antes de fazer (…) Existe algo que eu possa fazer por você? E, às vezes, esse algo não é no sentido emocional, às vezes, esse algo é no sentido prático. Um ‘eu sinto muito’ sincero é melhor do que os ‘meus pêsames’.”

“Pesar não é sinônimo de fracasso. No seu dia, se você só deu conta de levantar, tomar banho e comer, já é muito para quem está passando por isso”, afirma a especialista.

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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