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Saúde

Infraestrutura: 27% das escolas brasileiras não são acessíveis para PCDs

São mais de um milhão de alunos com deficiência matriculados no ensino básico, mas acessibilidade ainda é um problema enfrentado por eles.

Agência UniCeub

14/06/2023 13h55

Atualizada 19/06/2023 14h22

Foto: Freepik

Com mais de um milhão de alunos com deficiência matriculados no ensino básico, escolas brasileiras ainda não os incluem quando se trata de infraestrutura. 

São 47.933 instituições de ensino que não possuem qualquer tipo de item de acessibilidade, como: rampas, corrimões, elevadores, pisos táteis ou sinais sonoros. Esse número corresponde a 26,9% do total de escolas brasileiras.

Os dados são de análises do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

Censo Escolar 2022 trouxe um resultado positivo nas matrículas de pessoas com
deficiência no ensino básico em escolas comuns. 

Em comparação com o ano anterior, na educação infantil, o número de crianças com deficiência cresceu 63,56%. 

No ensino fundamental, 8,84%, e no ensino médio 17,49%. Apesar de o aumento percentual ser menor no ensino fundamental, a quantidade de alunos matriculados nesse segmento é muito maior. De um ano para o outro, foram matriculados 74.262 novos alunos com deficiência.

Fonte: Censo Escolar MEC/Inep. Gráfico: Maria Tereza Castro.

No Brasil, são 1.220.697 crianças e adolescentes com alguma deficiência inscritos no
ensino básico. Isso inclui pessoas com: deficiência intelectual, física, auditiva ou
múltipla, autismo, surdez, baixa visão, cegueira, surdocegueira e altas
habilidades/superdotação.

A partir da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência,
realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 2008, PCDs passaram a ter
direito de estudar em escolas e classes comuns. A Convenção foi o resultado de uma
longa luta relacionada à inclusão social e educacional das pessoas com deficiência,
além do incentivo à igualdade de oportunidades e respeito às diferenças.

“A criança com deficiência, assim como qualquer outra criança, se desenvolve
atravessando a experiência de aprendizado mediado com a cultura […]  é somente na
escola regular que ela terá desafios operacionais complexos, que são os provocadores
do desenvolvimento em parceria com uma situação social ideal e o processo de
mediação simbólica”, explica o psicopedagogo mestre em educação especial, Pedro
Lucas Costa, que possui uma atuação extensa na área de inclusão escolar.

Inclusão?

A acessibilidade nas escolas não cresceu na mesma proporção que as matrículas. Ainda
conforme o INEP, 26,9% das escolas de educação básica ainda não têm nenhum
recurso de apoio a pessoas com deficiência
, como elevadores, rampas, banheiros
específicos, dentre outros. Mesmo entre as escolas que possuem alunos com
deficiência matriculados, 19,4% também não têm nenhum desses recursos.

Fonte: Microdados do Censo Escolar 2022 MEC/Inep. Gráfico: Maria Tereza Castro.

Esse cenário foi vivido intensamente durante a maior parte da vida escolar do filho da tradutora Nara de Araújo, André, que tem deficiência física e hoje cursa o ensino superior. Ela conta que ele estudou em três escolas particulares do DF até o nono ano. 

As instituições não contavam com rampas, assim, André tinha que usar os elevadores para chegar até sua sala de aula, equipamentos que muitas vezes não estavam em funcionamento. Além disso, pelas longas distâncias dentro da escola, o aluno dependia do auxílio de funcionários se a mãe não estivesse o acompanhando. 

Contudo, o cenário mudou quando André chegou ao Ensino Médio, cursado no Instituto Federal de Brasília (IFB), uma instituição pública que oferece Educação Profissional gratuita. Nara relata que ficou impressionada com a infraestrutura da escola, que é equipada com rampas e sinais táteis. 

“O Instituto possui um Núcleo de Atendimento às Pessoas com Deficiência que me procurou assim que fizemos a matrícula e fizeram uma entrevista com o André”, disse a tradutora. Segundo ela, o acompanhamento do aluno era constante, com o Núcleo buscando saber das dificuldades que ele poderia estar enfrentando e encontrar soluções para elas. 

Acessibilidade nas escolas. Fotos: Blog Astra, Blog Normas Acessibilidade, Portal FAAG e Freepik.

“Uma postura tão diferente, quando a acessibilidade não depende da boa vontade dos funcionários, mas sim representa uma política da instituição completamente diferente.”Nara de Araújo

O que é uma escola inclusiva

Na opinião do especialista em educação especial, Pedro Lucas Costa, uma escola só é inclusiva quando respeita e encontra as melhores respostas para as diferenças. “Não é aquela que ensina um currículo para cada criança e sim aquela que apresenta diversas formas e meios para que todas as crianças possam percorrer o mesmo currículo, afinal a diversidade não é característica somente da deficiência e marca o que significa ser humano.”

Para ser inclusiva, uma escola precisa, além do ensino, de infraestrutura acessível. “Uma escola sem acessibilidade, além de ser uma violência, passa um recado de exclusão que devemos lutar contra”, enfatiza Pedro.

Professores e profissionais de apoio

Lei Brasileira de Inclusão (Estatuto da pessoa com Deficiência) é a principal legislação em defesa dos direitos das PCDs. Ela assegura a oferta de profissionais de apoio para estudantes com deficiência auditiva, visual, física, intelectual ou com autismo matriculados em qualquer nível ou modalidade de ensino de escolas públicas ou privadas.

No Brasil, existem 57.822 profissionais de apoio. Se comparado ao número de crianças com deficiência matriculadas no ensino básico, há um profissional a cada 21 alunos. 

O especialista Pedro Lucas Costa explica que o baixo número desses funcionários se deve ao escasso incentivo do governo na área. “Não temos políticas públicas nacionais e regionais preocupadas com essa temática, muito se confunde esses profissionais com voluntários ou com acompanhantes terapêuticos, em um trabalho assistencial e/ou médico e não educacional”, elucida.  

No âmbito da pedagogia, também existe a especialização de professores para alunos com deficiência, o Atendimento Educacional Especializado (AEE). Nas escolas brasileiras, são apenas 44.774 professores com essa formação, o que corresponde a apenas 5,5% dos profissionais atuantes no ensino básico.

Pedro Lucas, que é professor de cursos de educação inclusiva, destaca a importância dessa capacitação: “Para os alunos com deficiência a formação do professor ganha uma urgência e necessidade, decorrente da importância da acessibilidade, variabilidade de estratégias e flexibilidade didática”.

De acordo com ele, o AEE é realizado com o aluno e não pelo aluno, com atenção ao processo de desenvolvimento e autonomia dele. “É antes de tudo um trabalho suplementar ou complementar, nunca pode substituir a sala de aula regular, por isso deve ser feito no contraturno”, acrescenta. A especialização também atua na gestão dos processos de inclusão na escola, fomentando e apoiando os colegas da sala de aula no planejamento e na aplicação dos mecanismos de acessibilidade e das tecnologias assistivas.

Instituições pela inclusão

Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down (FBASD) nasceu com o objetivo de promover a inclusão social de todas as deficiências em todos os espaços, especialmente de pessoas com Síndrome de Down.

“A inclusão escolar atualmente não existe na sua plenitude, nem nas escolas privadas, nem nas escolas públicas, mas nós acreditamos que essa é uma construção, uma mudança de cultura”, disse a presidente da FBASD, Cléo Bohn. Por isso, uma das principais lutas da Federação é a inclusão de crianças com Síndrome de Down em classes comuns.

O principal desafio enfrentado para a inclusão é a questão do financiamento para a educação básica. “Nos últimos anos os orçamentos foram minguados, então a nossa luta primeiro é para termos recursos e a partir daí, capacitação de professores, utilização de novas tecnologias, tecnologia assistiva, que as pessoas com deficiência têm direito”, declarou a presidente da Federação.

Além disso, Cléo Bohn ressalta que a inclusão social, de acordo com a legislação, é dever não só do Estado, como também da sociedade e da família. “Então nós precisamos unir forças para buscar que a inclusão ocorra na sua totalidade. Não dá só para matricular e esperar que as coisas aconteçam sozinhas.”

“Nós queremos também um dia não precisar falar mais a palavra ‘inclusão’, não precisar mais falar ‘escola inclusiva’. Queremos que a escola por si só já seja inclusiva, um termo único: ‘escola’, para todos.”Cléo Bohn

Imagem: Freepik

Pedro Lucas, Nara e Cléo apontam a educação nas escolas regulares como ideal, não só para as crianças com deficiência, como também para os outros alunos. “É importante que crianças e adolescentes compreendam pela convivência que as pessoas são diferentes, existe uma diversidade a ser respeitada e com isso possam praticar o princípio da equidade”, disse Nara de Araújo. Segundo ela, a convivência é essencial para formar cidadãos com um olhar para a acessibilidade. 

A maioria dos brasileiros concorda com essa visão. De acordo com a pesquisa “O que a população brasileira pensa sobre educação inclusiva”, realizada em 2019 pelo Datafolha, 76% das pessoas acreditam que crianças com e sem deficiência aprendem melhor juntas e 86% afirmam que as escolas ficam melhores quando incluem alunos com deficiência.

Como esta reportagem foi feita

Esta reportagem surgiu a partir do resultado positivo do Censo Escolar 2022, com o crescimento das matrículas de crianças e adolescentes no ensino básico em escolas regulares. Diante desse cenário, as repórteres questionaram se há infraestrutura acessível para atender esses estudantes. Assim, descobriram que mais de ¼ das escolas do Brasil não possui nenhum item de acessibilidade.

Para contextualização e pesquisa sobre o tema, foi utilizada a plataforma DIVERSA, uma iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes, com consulta do Painel de Indicadores da Educação Especial.

Os dados que compõem a planilha base da reportagem estão disponibilizados no site do Ministério da Educação, como Microdados do Censo Escolar. Também foram usados números da apresentação de resultados da pesquisa para a imprensa. Além disso, foi realizada consulta sobre a legislação vigente sobre os direitos da pessoa com deficiência. Para compilação dos dados e comparação entre eles, foi utilizada a plataforma Google, através do Google Documents e do Google Sheets. Os gráficos foram produzidos pelo site de design Canva.

Por Alexya Lemos e Maria Tereza Castro

Supervisão: Mônica Prado

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