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Saúde

Ameaças e chantagens podem ser sinais do comportamento de mães narcisistas, explica especialista

Uma reflexão sobre os efeitos devastadores do comportamento narcisista na criação dos filhos

Rebeca Kemilly

14/05/2023 11h34

Foto: Freepik

A figura materna é a primeira referência e influência na vida e personalidade de qualquer um. É esperado delas proteção, amor, colo e carinho. Mas ao contrário disso, algumas mulheres podem ter um senso distorcido e gerar traumas nos filhos. É o caso das mães narcisistas.

Elas criam crianças que crescem sendo constantemente submetidas a críticas e julgamentos, além da falta de apoio emocional genuíno. O impacto dessa criação pode ser profundo e duradouro, e muitos enfrentam um processo longo e doloroso para se curar dos traumas.

A neuropsicóloga Patricia Souza explica que esse comportamento abusivo se mostra por meio de ameaças e chantagens, pela falta de empatia.

“Ela não tem empatia nem pela dor do filho. Tudo é sempre sobre ela, ela e ela”, conta.

Por isso, alguns filhos ficam em silêncio, avalia a especialista.

Sem enfrentamento 

A política de não enfrentamento é a solução para Ana (nome alterado), professora de alemão de 22 anos, que descobriu ter uma mãe narcisista na terapia. A terapia, seus fones de ouvidos e o próprio silêncio são sinônimos de paz quando se trata de sua mãe. 

Ela se blinda com o máximo de esforço para não incomodar a mulher, com medo de causar conflitos que a drenam emocionalmente e mentalmente.

Ana diz que chegou a duvidar de sua própria capacidade de memória, o que a fez buscar tratamento psicológico. A mãe negava eventos reais da vida da filha e tentava os mudar para parecer ser a dona da história e verdade. 

Foi o caso de um episódio extremamente violento entre as duas, no qual a jovem foi parar no hospital por agressão. 

Se Ana comentar o caso, sua mãe a acusa de “maluca” e alega que a menina está exagerando, mentindo e inventando a história.

“Já tentei conversar com ela. Tentei dialogar com ela de todas as formas possíveis e imagináveis. Mas ela sempre se nega a acreditar na realidade”, lamenta.

Eu aprendi com a minha mãe que eu devo ficar de boca calada

Ana Clara não tem direito de recusar ou discordar das falas da mãe no relacionamento das duas, independente se mulher estar errada ou não. “Se eu estou certa você cala a boca, e se eu estou errada você cala a boca” é uma frase que constantemente atravessa os ouvidos da jovem.

Essas palavras, que marcaram e marcam a mente de Ana, afetam muito outros tipos de relações dela. Ela contou que já se encontrou diversas vezes em relacionamentos tóxicos, todos com características abusivas semelhantes às da sua figura materna. Nela está impregnada a crença de que esse tipo de relação é a que se deve ter.

Troféu

Mães narcisistas impõem limites irreais e expectativas implícitas sobre os filhos, o que pode gerar uma pressão indireta e difícil de lidar. É o caso de Dara (nome fictício), estudante de ciências sociais de 19 anos, que descobriu a condição da progenitora ao passar pelo terceiro tratamento com uma psicóloga. 

A descoberta de que sua mãe tinha comportamentos narcisistas provocou desamparo em Dara, que se viu sem saída por ter reflexos da mulher enraizados em si mesma. Mas lidar com a pressão constante para atender os anseios da mãe é um dos maiores desafios, conta a estudante.

Ela nunca ouviu diretamente que precisava tirar um dez na prova, mas se não tirasse, o sentimento de desaprovação em relação à mãe tomava conta. Isso impactou negativamente a vida escolar da jovem, que nunca conseguiu ter uma relação saudável com os estudos e com seu desempenho acadêmico.

“Eu me sentia como um trofeuzinho da minha mãe, que me usava de motivo para se gabar”, conta Dara. 

Segurança dentro de casa era uma coisa inexistente. Tanto por traumas quanto pela falta de memória que eventos traumatizantes causam. Ela não sabe dizer como sua mãe agia na sua infância, mas na adolescência não restam dúvidas. 

A ajuda profissional a ajudou a identificar os aspectos problemáticos com os quais ela lidava. Dara conta que sabia que tinha algo errado acontecendo, mas não sabia dizer o que e nem como aquilo estava se reproduzindo nela mesma.

Ela percebeu em tratamento o quanto sua autoestima e visão sobre si mesma estavam deturpadas, e como sua confiança desaparecia aos poucos. 

“Se eu não tivesse a aprovação da minha mãe, eu não conseguia sentir aprovação de qualquer outra pessoa. Nenhuma outra aprovação era válida.”

Dara explica que o que mais a afeta são os resquícios de reprodução de comportamentos da mãe que ela sente em si. Apesar de estar passando por um processo de redescoberta, ainda é possível enxergar a influência que sua mãe teve na personalidade da jovem. 

Medo

Caroline (nome fictício), estudante de ensino médio de 17 anos, é mais uma jovem que também sofre com os comportamentos prejudiciais da mãe. Mesmo sem ter chegado à conclusão de que sua mãe é ou não narcisista, seu tratamento na terapia trabalha os comportamentos egoístas da mulher e os efeitos na adolescente.

Ela conta que sempre teve muito medo da mãe e da imprevisibilidade dela, e por isso criou o hábito de sempre mentir. Para se blindar das manipulações e chantagens emocionais, Caroline teve que renunciar a pouca confiança que existia entre as duas. 

Origens

A neuropsicóloga Patricia explica que é difícil entender o motivo que leva uma mãe a agir dessa forma, mas, muitas vezes, é porque ela própria sofreu traumas na infância. Essa dor, que não foi processada e trabalhada, acaba sendo projetada na relação com o filho ou filha, se tornando fonte de sofrimento.

A verdade é que todo excesso esconde alguma coisa. No caso da mãe narcisista, pode haver uma origem que precisa ser descoberta e trabalhada.

No entanto, enquanto isso não acontece, o filho ou filha se sente anulado, diminuído, com a sensação de que nunca será suficiente para atingir as expectativas da mãe. É uma forma de sobreviver em um relacionamento em que o amor não é gratuito, mas sim condicionado a atender as necessidades da mãe narcisista. Às vezes, se fechar é a única forma de sobreviver.

A terapia pode ser uma ferramenta valiosa para ajudar a pessoa a reconhecer esses padrões tóxicos e a romper com eles, explica Patricia. Com a ajuda de um profissional, é possível ganhar clareza mental, consciência e, principalmente, a capacidade de fazer escolhas próprias e tomar decisões baseadas no amor próprio e na segurança emocional.

A terapia pode ajudar a pessoa a entender que é capaz de viver de forma independente e que sua voz e escolhas são valiosas. É uma oportunidade de se libertar da influência narcisista da mãe e de desenvolver uma relação mais saudável consigo mesmo e com os outros.

“É preciso fazer com que essa dor vire um aprendizado. E a gente só descobre que a ferida se se cicatrizou quando olhamos para aquela ferida e ela não dói mais, quando não sangra mais”, conclui a médica. 

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