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Saúde

23 anos de Reforma Psiquiátrica: o que precisamos entender sobre a importância da luta antimanicomial

Em 2001, foi criada a Lei Antimanicomial (Lei 10.216, de 2001), que trata da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais

Redação Jornal de Brasília

16/05/2024 13h41

Nesta semana é celebrada a Luta Antimanicomial, a data reforça a luta pelo direito fundamental à liberdade e cuidado com a parte da população que possui algum tipo de sofrimento psicossocial. A comemoração acontece no dia 18 de maio e marca os 23 anos da Reforma Psiquiátrica no país.

No Brasil, questões relacionadas à forma como as pessoas com questões psicossociais eram vistas ganhou um novo rumo, na década de 70, com a criação do Movimento da Reforma Psiquiátrica. Os abusos e maus tratos que aconteciam em unidades destinadas a cuidarem desta parcela da população começaram a ter evidência, o que na época ficou conhecido como um movimento que tinha como foco uma sociedade sem manicômios.

Porém, apenas em 2001, foi criada a Lei Antimanicomial (Lei 10.216, de 2001), que trata da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial à saúde mental. Com isso, ficou determinado o fechamento gradual de manicômios e que é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos psicossociais.

Neste período, o Ministério da Saúde criou Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e reforçou o compromisso com a expansão de uma rede extra-hospitalar para esse tipo de atendimento, integrando ao Sistema Único de Saúde (SUS). Além do CAPs, foram adicionados às formas de cuidado os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), leitos de saúde mental em hospitais gerais e também a Rede de Atenção Psicossocial (RAPs).

Cerca de mais de 20 anos de Lei Antimanicomial, o psicólogo psicanalista e porta-voz da OnG Inverso, Centro de Convivência em Saúde Mental, Arte e Cultura, André Bizzi, faz uma avaliação de que apesar dos avanços neste sentido, a Rede de Atenção Psicossocial segue não sendo prioridade do governo, e por muitas vezes é sucateada.

“A necessidade de uma atenção multidisciplinar e dispositivos terapêuticos abertos e diversos como CAPS, Centros de Convivência, Residências Terapêuticas e dentre outros, é uma das principais pautas da reforma e segue sendo essencial para uma atenção humanizada e apropriada. Porém, muitas vezes, não recebe investimentos financeiros adequados, bem como suas equipes não costumam ter espaços adequados de supervisão, construção coletiva de saberes e práticas, tampouco de formação continuada”, destaca Bizzi.

A OnG Inverso, Centro de Convivência em Saúde Mental, Arte e Cultura atua há cerca de 23 anos, em Brasília, como um espaço aberto de convivência e cuidado para pessoas em sofrimento psíquico.

Para Giovanna Momenté, diretora Secretária Geral da OnG Inverso e que trabalha na perspectiva de reinserção social e economia criativa para pessoas com sofrimento mental na Asa Norte, “a atuação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPs) por mais sucateada que esteja, no DF, e com um dos piores índices e colocação no sentido de atenção por habitante ainda é o caminho mais adequado de cuidado.”

Um dos serviços que encontramos para acolhimento, no Brasil, são as Comunidades Terapêuticas (CTs), que são  entidades privadas sem fins lucrativos, que sem custo oferecem gratuitamente o acolhimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso, abuso ou dependência de substâncias psicoativas e com a oportunidade de regime residencial.

Atualmente, temos casos de denúncias que mostram tratamento manicomial em algumas CT’s, como a Comunidade Terapêutica Kairós (SP) e a Clínica de Reabilitação Restituindo Vidas, em Luziânia (GO). As imagens mostraram pessoas sendo agredidas e exercendo trabalhos análagos à escravidão, além de situações de cárcere privado.

A presidente do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, Thessa Guimarães, observa que ‘há dificuldade de acesso aos dados sobre financiamento público de Comunidades Terapêuticas (CTs) brasileiras.”

Clayton de Souza,  poeta e usuário dos serviços de saúde mental do SUS, relata que “quem não conhece os serviços corretos para a saúde mental e o tratamento de forma humanizada e de portas abertas, muitas vezes, não sabe identificar que alguns locais ainda utilizam  o tipo de abordagem manicomial e de maus tratos. Algumas Comunidades Terapêuticas não passam de um centro de traumas, que ficam marcados pelo resto da vida dos usuários, dificultando um verdadeiro tratamento com base no Plano Terapêutico Singular (PTS).”

Segundo a pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) em parceria com o Conectas – organização não governamental que busca proteger, efetivar e ampliar os direitos humanos – aponta que o financiamento público das CTs está em crescimento franco há anos. De acordo com os dados, o montante de investimento federal entre 2017 e 2020 chegou a R$ 300 milhões e, considerados os valores repassados por governos e prefeituras de capitais, atingiu-se R$ 560 milhões.

“As peças orçamentárias são vagas, há violação de prazos da Lei de Acesso à Informação e também lidamos com a morosidade por parte de alguns órgãos fiscalizadores do poder público. A Frente Parlamentar em Defesa da Saúde Mental vai solicitar à PFDC/MPF novo levantamento de financiamento público de CTs no último período”, diz a presidente do Conselho Regional de Psicologia do Distrito Federal, Thessa Guimarães.

Até abril de 2024, as Comunidades Terapêuticas possuíam financiamento público, porém o Conselho Nacional de Assistência Social, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), estabeleceu que não reconhece as comunidades terapêuticas como organizações sociais, ou seja, não poderão mais ser financiadas por recursos públicos. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União e determina que as inscrições das entidades junto ao SUS devem ser canceladas no prazo de 90 dias por governos estaduais e prefeituras.

Para Pedro Costa, doutor em psicologia e professor da UnB, o movimento antimanicomial não é uma continuidade à luta pela nova psiquiatria, mas é uma ruptura pela forma como enxergamos a loucura ou extensão à saúde mental, produção de vida, no sentido evidentemente mais condizente com o que somos e como lidamos com o nosso próprio sofrimento no caso de existir ou não.

“A saúde mental é muito mais que a psiquiatria e envolve toda a complexidade da vida. Uma abordagem à saúde mental deve se pautar em preceitos não manicomiais, sobretudo em preceitos que compreendem aquele que se expressa e o acolhe com os seus direitos fundamentais assegurados”, destaca o professor da UnB, Pedro Costa.

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