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Política & Poder

STF e Senado voltam a disputar protagonismo sobre marco temporal para terras indígenas

O último movimento foi feito pelo ministro Gilmar Mendes, que devolveu o julgamento do caso para o plenário virtual do Supremo

Redação Jornal de Brasília

15/12/2025 10h46

marco temporal

Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputado

ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

O STF (Supremo Tribunal Federal) e o Congresso voltaram a uma disputa por protagonismo na discussão sobre o estabelecimento de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Depois de seguidos impasses, os dois Poderes se movimentam para dar a palavra final sobre o tema.

O último movimento foi feito pelo ministro Gilmar Mendes, que devolveu o julgamento do caso para o plenário virtual do Supremo. Uma das razões seria acelerar a conclusão desse tema, num ambiente em que não há espaço para debates entre os ministros, apenas prazo para entrega de votos de forma digital.

A decisão ocorreu dias depois dele ter retirado o caso do plenário virtual para que houvesse um julgamento presencial. A nova mudança também se deu logo depois que o Senado voltou a tratar da matéria. Na última terça (9), a Casa aprovou a proposta que institui o marco temporal para demarcação, numa deliberação em dois turnos de forma expressa.

Gilmar pediu à Presidência da corte a convocação de sessão das 11h desta segunda-feira (15) até as 23h59 de sexta (19) para o julgamento das quatro ações sobre o tema.

O cenário atual repete, em parte, o que ocorreu em 2023, quando STF e Congresso também trataram do tema de maneira quase simultânea.

Caso o Congresso defina uma nova lei e inclua o marco temporal na Constituição, o trabalho do STF perde força —o tribunal toma suas decisões com base em legislações específicas.

O marco temporal é a tese segundo a qual os territórios indígenas devem ser reconhecidos de acordo com a ocupação deles no ano de 1988, quando a Constituição Federal foi promulgada.

A única forma de a corte invalidar de vez a tese do marco temporal seria afirmar que o tema é cláusula pétrea, como indígenas e apoiadores vêm pedindo. Esses dispositivos são imutáveis e não podem ser revistos sequer por emendas à Constituição.

O tema voltou ao plenário físico do STF na última quarta-feira (10), com as sustentações orais. Ouvir de forma presencial as manifestações das partes interessadas no caso foi considerado dentro do Supremo um gesto de valorização do tema durante a gestão do ministro Edson Fachin, ligado a questões relacionadas aos direitos humanos.

A expectativa em relação à proposta de Gilmar, relator do processo, é que ele possa derrubar o marco temporal —ou seja, invalidar a previsão de que terra indígena é apenas aquela instalada em 5 de outubro de 1988.

Ao mesmo tempo, o voto deve flexibilizar as proteções a essas áreas, como aceitar empreendimentos econômicos, por exemplo.

Outra possibilidade é a construção de um novo projeto de lei no Congresso, em um texto que seria referendado pelo Supremo.

Gilmar apresentou uma minuta de proposta em fevereiro deste ano, com mudanças profundas na gestão de terras indígenas do país. Segundo ele, a proposta compatibilizava as diferentes visões sobre o tema, em busca de uma solução definitiva.

O anteprojeto listava uma série de dispositivos que flexibilizam a exploração mineral nessas áreas, permitindo, inclusive, que essa mineração ocorra mesmo sem o consentimento dos povos afetados.

Uma das explicações dadas pelo ministro, nos bastidores, é uma preocupação com a sustentabilidade dessas comunidades e a situação de miséria de muitas delas. Outra das ideias para solucionar a questão seria que as áreas indígenas pudessem receber indenização por crédito de carbono.

Pouco depois, o ministro recuou da tentativa de regulamentar a mineração em terras indígenas por meio de grupo de conciliação. Em março, no início da sessão do colegiado, foi anunciado que o ministro escolheria outro caminho para debater o tema.

A expectativa é que aquelas ideias retornem e componham o voto que ele deve apresentar no julgamento.

Em 2023, o Supremo derrubou a tese do marco temporal, também em um momento de tensão entre Legislativo e Judiciário. Na época, o julgamento ficou em 9 a 2, sob a relatoria de Fachin. Ele foi acompanhado por Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar, Rosa Weber, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes.

Kassio Nunes Marques e André Mendonça votaram a favor do marco.

Na ocasião, Gilmar afastou a tese do marco temporal em seu voto, desde que assegurada a indenização aos ocupantes de boa-fé. Para o ministro, o conceito de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas, que baliza as demarcações, deveria observar objetivamente os critérios definidos na Constituição e atender a todos.

Em reação, o Congresso votou e aprovou um projeto de lei que voltou a instituir o marco. O texto aprovado no Legislativo foi questionado no STF, que voltou a debater o assunto. Sob a relatoria de Gilmar, o processo teve 23 reuniões entre partes e interessados em oito meses.

A condução das ações também teve momentos de tensão.

Em agosto de 2024, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas), principal entidade de defesa dos indígenas, se retirou da conciliação. A entidade entendeu que os direitos desses povos são inegociáveis e não havia paridade no debate.

Agora, a tensão entre STF e Congresso se acumula com outros embates entre os dois Poderes.

Há pouco mais de dez dias, Gilmar determinou que apenas a PGR (Procuradoria-Geral da República) poderia apresentar pedidos de impeachment contra ministros do Supremo, o que esvaziaria os poderes do Congresso. O ministro voltaria atrás neste ponto uma semana depois.

Os atritos, no entanto, levaram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) a conduzir uma sessão com desabafos e críticas ao STF. “Acho que nós já debatemos muito em relação a esse assunto, está na hora de a gente definir”, disse, indicando que o tema do marco temporal avançaria. Logo depois, a proposta de emenda à Constituição foi incluída na pauta do plenário.

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