Há 70 anos, Getúlio Dornelles Vargas saía da vida para entrar na História. Conforme amplamente divulgado em todos os jornais e periódicos do país, em 24 de agosto de 1954, o ex-presidente do Brasil se suicidou com um disparo de revólver calibre 32 no coração. Ele morreu no quarto da residência oficial, à época o Palácio do Catete no Rio de Janeiro, antiga capital do país.
Sete décadas depois, entre os principais legados deixados pelo ex-presidente, destacam-se três grandes criações: da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943; da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 1941, ambas durante o primeiro mandato; e da Petrobras, em 1953, no segundo governo de Getúlio.
Figura política que atraiu apoiadores e ferrenhos opositores, Vargas foi uma das autoridades governamentais de maior relevância, principalmente em razão dos períodos históricos nos quais governou, primeiro de 1930 a 1945 e depois de 1951 a 1954, ano de sua morte. Foi durante a governança de Getúlio que o Brasil começou a dar os primeiros passos rumo ao desenvolvimento industrial, com repercussões até o governo de Juscelino Kubitschek, presidente entre 1956 e 1961, responsável pela mudança da capital em 1960.
Antecedentes
De acordo com o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Eduardo Vidigal, a figura de Vargas foi o fruto de uma mudança profunda na história brasileira e latino-americana. Ele desponta na carreira política de maneira mais contundente a partir da Revolução de 1930, que significou uma ruptura com a Primeira República (1889-1930), também chamada de República Velha no Brasil, período em que se predominava a “Política do Café com Leite”, alternando o poder Executivo brasileiro entre o setor cafeeiro paulista e o de leite em Minas Gerais.
O Brasil vinha em uma crescente insatisfação política desde o fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918. Na Revolução de 1930, o gaúcho Getúlio Vargas foi uma das lideranças contra o governo de Washington Luís e a futura posse de Júlio Prestes, que havia sido eleito na época do coronelismo, período em que havia grande influência da elite política no resultado das eleições presidenciais, a fim de manter a hegemonia entre os poderes de São Paulo e Minas Gerais.
Apoiada por militares, e com a influência principalmente do mineiro Antônio Carlos de Andrade, do paraibano João Pessoa, e do gaúcho Getúlio Vargas, que já era um político relevante no Rio Grande do Sul, a Revolução de 30 teve sucesso e culminou com Vargas assumindo a Presidência da República naquele mesmo ano – quem supostamente teria maior apoio popular.
“E essa aliança liberal [das lideranças da Revolução] propunha, entre outras coisas, a criação de uma Justiça Eleitoral, a ampliação de direito de voto e uma coordenação econômica por parte do Estado que fosse mais favorável à população de modo geral”, destacou o professor Vidigal.
Dois anos depois, surge a Revolução Constitucionalista de 1932, que pedia a criação de uma nova Constituição e a deposição de Getúlio Vargas, dando início à ferrenha oposição do ex-presidente, que continuaria contra ele nos dois governos que teve no Brasil. Em 1934, uma nova Constituição foi criada, mas que perdurou até 1937, quando Getúlio estabeleceu, com forte discurso nacionalista, o Estado Novo.
Era o início da Era Vargas, ditadura que se manteve até 1945, juntamente com o fim da Segunda Guerra Mundial. Conforme destaca o Supremo Tribunal Federal (STF), a Carta de 1937 “institui a pena de morte, suprime liberdades individuais e os partidos políticos e concentra poderes no chefe do Executivo, acabando com a independência dos demais poderes da República”.
O professor Vidigal destaca, entre as realizações de Vargas, a maior coordenação econômica por parte do Estado, a valorização das Forças Armadas, a valorização da indústria, e a criação da legislação trabalhista. Todas estas medidas o caracterizam como um presidente desenvolvimentista. Em 1945, com pressão popular e dos militares, Vargas renuncia.
Da presidência ao suicídio
Anos mais tarde, porém, Vargas é eleito democraticamente pelo voto popular e assume mais uma vez a Presidência da República, em 1951. “O segundo período de governo, que é um governo democrático, acontece em um momento de grande instabilidade política internacional e regional. É a época, por exemplo, do Macarthismo nos Estados Unidos”, explica o professor de História da UnB.
Durante a Guerra Fria (1947 a 1991), o macarthismo foi um período de investigação e de repressão de supostas ligações ao comunismo por parte de cidadãos dos EUA. O termo nasceu a partir do sobrenome do senador de Wisconsin, Joseph McCarthy, entre 1947 e 1957, que pretendia criminalizar o comunismo, perseguindo adeptos da ideologia.
“O combate ao comunismo estava na moda e Vargas também o combatia – era conservador nesse sentido. Porém, as condições não eram tão favoráveis quanto na época da Segunda Guerra Mundial [período do primeiro mandato], principalmente na área econômica”, disse Vidigal. “Ele tinha conseguido, em troca da participação brasileira na Segunda Guerra, o financiamento e a transferência de tecnologia norte-americana para a construção da usina siderúrgica de Volta Redonda, a CSN [Companhia Siderúrgica Nacional, fundada em 1941].”
Entretanto, Vargas falha em repetir a política de barganha com os EUA para conseguir estabilizar a economia e a política brasileira. Os EUA pedem para que o Brasil participe da Guerra da Coreia (1950-1953), mas Vargas não reuniu condições internas para participar e, portanto, não firmou acordos contundentes com o país norte-americano.
“E o resultado disso é uma pressão política enorme, denúncias de corrupção em relação ao governo e a decisão do guarda-costas do Getúlio de assassinar seu principal opositor, Carlos Lacerda. […] Soma-se a isso a situação econômica com a inflação muito elevada, salários deteriorados. João Goulart, que era o ministro do trabalho, chegou a dar um aumento de 100% do salário mínimo, para se ter uma ideia da gravidade da crise”, explica o professor.
O atentado da Rua Tonelero contra Carlos Lacerda, em 5 de agosto de 1954, então, sela a morte do governo. “E Getúlio talvez tenha tido a percepção de que, se ele continuasse, o nome dele seria espezinhado pela oposição e ele teria um final inglório. Então o suicídio dele teria um aspecto pessoal e teria também um aspecto de ato político de jogar o problema no colo da oposição. E a carta testamento (no detalhe) entra nesse contexto”, destaca Vidigal.
Após 70 anos, ainda que Vargas tenha tido certo esquecimento político e histórico – muito em razão das forças políticas liberais contrárias ao Varguismo – é inegável que o ex-presidente tenha exercido papel fundamental como liderança desenvolvimentista e nacionalista, que ainda predomina em boa parte da sociedade brasileira.