O governador Gladson de Lima Cameli, réu por corrupção, peculato, organização criminosa, lavagem de dinheiro e fraude à licitação em sua gestão, criou por decreto o Código de Ética da Alta Administração do Estado do Acre. Em 38 artigos, o texto impõe a todo ‘agente político’ a obrigação de atuar com ‘retidão e honradez’.
O artigo 10 do manual Cameli inclui na categoria ‘agente político’ os secretários de Estado, secretários-adjuntos e cargos a eles equiparados, e também os presidentes das entidades da Administração Indireta.
A regra impõe a esse grupo ‘satisfazer o interesse público e evitar obter proveito ou vantagem pessoal indevida para si ou para terceiro’.
“A observância do interesse público, especialmente no que diz respeito à proteção e manutenção do patrimônio público, implica o dever de se abster o agente político de qualquer ato que importe em enriquecimento ilícito, gere prejuízo ao erário, atente contra os princípios da Administração Pública ou viole direito de particular”, reza o artigo 11.
Na semana passada, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça prorrogou por mais 180 dias um rol de medidas cautelares impostas a Cameli no âmbito da ação penal que ele responde – o governador não pode manter contato com testemunhas e com outros investigados, não pode sair do País e está com bens bloqueados.
O Código de Cameli, em vigor desde a última terça, 13, determina aos agentes políticos: “devem se pautar pelos padrões de ética, sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à impessoalidade, à clareza de posições e ao decoro, visando a motivar o respeito e a confiança do público em geral.”
O parágrafo único do artigo 2.º prevê que ‘os padrões éticos são exigidos no exercício e na relação entre as atividades públicas e privadas, de modo a prevenir eventuais conflitos de interesses’.
O artigo 3.º define as normas fundamentais de conduta dos agentes políticos visando, especialmente, ‘tornar claras as regras éticas de conduta dos agentes políticos, para que a sociedade possa aferir a integridade e a lisura do processo decisório governamental; contribuir para o aperfeiçoamento dos padrões éticos dos demais agentes públicos, a partir do exemplo dado pelos agentes políticos; preservar a imagem e a reputação do administrador público, cuja conduta esteja de acordo com as normas éticas’.
O código institui regras básicas sobre conflitos de interesses públicos e privados e limitações às atividades profissionais posteriores ao exercício de cargo público – ‘minimizar a possibilidade de conflito entre o interesse privado e o dever funcional dos agentes políticos’.
Configura conflito de interesse e conduta antiética, de acordo com o texto, dentre outros comportamentos, o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual o agente político tenha informações privilegiadas em razão do cargo ou função.
Também se enquadra nessa situação o ‘custeio de despesas por particulares de forma a influenciar nas decisões administrativas’.
“O agente político deve esclarecer a existência de eventual conflito
de interesses e comunicar qualquer circunstância ou fato impeditivo de sua participação em decisão coletiva ou em órgão colegiado”, diz o texto aprovado por Cameli.
Na ação penal a que responde no STJ, o governador do Acre é acusado de ter agido para liberar recursos para uma empresa contratada sem licitação. O processo foi aberto por decisão unânime da Corte Especial do STJ, no ano passado, quando a denúncia contra Cameli foi recebida por todos os ministros do colegiado.
A denúncia imputa ao chefe do Executivo liderança de um esquema que teria desviado R$ 16 milhões em recursos públicos. Na ocasião, a Polícia Federal sugeriu o afastamento do governador, mas o tribunal entendeu que não é o caso porque os fatos a ele atribuídos teriam ocorrido em 2019 – ele está em segundo mandato Cameli sempre negou ligação com atos ilícitos.
A relatora da ação penal, ministra Nancy Andrighi, anotou que eventual afastamento de Cameli pode voltar a ser decidido no âmbito de outros inquéritos que correm contra ele.
As investigações tiveram origem na Operação Ptolomeu. Segundo o Ministério Público Federal, uma empresa teria sido contratada pelo Estado por meio de adesão a ata de registro de preços de Goiás. Os serviços previstos na ata diziam respeito a manutenção predial, porém a Procuradoria afirma que a maior parte da execução contratual no Acre tinha relação com obras viárias.
Ainda segundo o MPF, logo após a contratação, a empresa teria firmado contrato de parceria com outra empresa, de propriedade do irmão do governador, em ‘uma espécie de contratação indireta da sociedade comandada por parente próximo a Cameli’.
A ministra relatora destacou em seu voto que, de acordo com a denúncia, a organização criminosa supostamente liderada pelo governador teria sido formada a partir de vários núcleos – político, familiar, empresarial e operacional.
A Controladoria-Geral da União apontou que, além da dispensa indevida de licitação, há indícios de que teria havido ‘terceirização integral’ e subcontratação do objeto do contrato, o que é vedado pela legislação.
Quanto aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, segundo a denúncia do Ministério Público Federal, provas reunidas nos autos indicam pagamento de propinas a Cameli – com esse dinheiro, ele teria comprado um apartamento em São Paulo, avaliado em R$ 5 milhões, e um carro de luxo.
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