CAROLINA LINHARES
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O relator do projeto do voto distrital misto na Câmara, deputado Domingos Neto (PSD-CE), afirma que a proposta, tida como um remédio contra a infiltração do crime organizado na política, deve avançar na Casa neste ano.
Neto diz ter sinal positivo dos principais partidos e estima que a votação da tramitação de urgência ocorra até o fim de novembro. Com a aprovação da urgência, o projeto pode ser levado diretamente para a votação no plenário, sem a necessidade de passar antes pelas comissões.
“O principal trunfo do sistema distrital misto é o ‘accountability’, é você poder cobrar do seu representante, já que ele tem pertença com o território. Isso vai jogar um holofote sobre a eleição e só isso já afasta bastante as facções criminosas”, diz o deputado à Folha de S.Paulo.
Nesta sexta-feira (31), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que vai impulsionar a mudança do sistema eleitoral para as eleições de 2030 como forma de evitar a eleição de parlamentares financiados pelo crime organizado.
O sistema distrital misto divide os estados em distritos geográficos e reserva parte das cadeiras para os candidatos mais votados em cada distrito. A outra parte das vagas é preenchida com o sistema proporcional, que é o que vigora hoje nas eleições de deputados e vereadores -ou seja as cadeiras são distribuídas conforme a proporção de votos de cada partido.
“Essa será uma pauta que eu irei colocar na ordem do dia a partir de agora. […] Penso que é plenamente possível, para as eleições de 2030, nós pensarmos a mudança do sistema eleitoral”, disse Motta em entrevista à GloboNews.
“Se não nós vamos ter parlamentares sendo eleitos financiados pelo crime organizado, que é quem tem acesso a dinheiro vivo, que é quem tem dominado muitos territórios nas comunidades mais populosas do país, interferindo diretamente nas eleições”, completou.
A estratégia de Motta e do relator foi a de esperar passar a data de um ano antes da eleição para garantir que a medida não possa valer em 2026 e, assim, dissipar resistências dos deputados em votar alterações no sistema pelo qual foram eleitos e devem concorrer à reeleição. A legislação exige que mudanças nas regras eleitorais tenham que ser aprovadas até um ano antes da data da votação para valerem no próximo pleito.
Na opinião de Neto, a operação policial no Rio de Janeiro, a mais letal do país, também contribui para impulsionar agora a mudança do sistema eleitoral entre outras medidas de combate ao crime organizado.
“Sem dúvida, o crime já entrou na política. Temos denúncias de todos os tamanhos no Brasil inteiro. É uma preocupação que todos têm, de não deixar o Brasil se tornar um narcoestado. E, se existe um pacote de projetos para combater o poder das facções, talvez um dos mais importantes seja esse do voto distrital misto, que diminui e atrapalha a entrada delas na política”, diz o deputado.
Na semana passada, o relator esteve na reunião do colégio de líderes partidários, ocasião em que Motta anunciou que o voto distrital misto seria uma prioridade. Neto tem conversado com colegas, líderes, presidentes de partido e integrantes do Judiciário para angariar apoio.
“Já fiz uma reunião com os sete maiores partidos e senti um clima favorável”, afirma o relator.
Questionado sobre uma aprovação até o fim do ano, Neto diz que há viabilidade, mas talvez falte tempo -a Câmara deve andar a passos mais lentos durante a COP30 e ainda tem na fila os projetos obrigatórios relacionados ao Orçamento.
Um projeto que estabelece o sistema distrital misto no Brasil, para eleição de deputados e vereadores, já foi aprovado no Senado em 2017 -o autor é o então senador José Serra (PSDB-SP). Uma das ideias cogitadas pela cúpula da Câmara é levar esse texto, relatado por Neto, ao plenário.
Neto diz ainda que também vai propor uma PEC (proposta de emenda à Constituição) com o mesmo objetivo de instaurar o voto distrital misto. A PEC, no entanto, tem a tramitação mais lenta do que o projeto de lei, pois precisa ser analisada em comissão especial.
Depois, a PEC exige uma votação em dois turnos em cada Casa, e a aprovação depende de maioria de três quintos, enquanto para o projeto de lei é necessária apenas maioria simples.
No sistema atual, afirma Neto, “o poder do dinheiro é maior”. Com a disputa entre candidatos de uma região, seria possível fazer debates para deputado. “Vai prevalecer o trabalho, o serviço prestado, a responsabilidade, a cobrança.”
“Isso reduz o número de candidatos e o custo de campanha, uma vez que ela é feita num território específico e não no estado inteiro”, diz.
Na opinião do relator, o país vive uma crise de representação. “Ao longo do tempo, as pessoas vão aprendendo a jogar com as falhas do sistema. Temos a entrada de outsiders, do crime organizado.”
Para o presidente da Câmara, o voto distrital preservaria a política “desse financiamento proveniente de atividades ilícitas”.
“Se isso não for feito, vamos ter amanhã, quem sabe, o presidente da Câmara e do Senado tendo sido financiados pelo crime organizado e matérias sendo relatadas com esse interesse. Vamos estar perdendo o país para essas facções”, afirmou Motta.
O modelo de votação a ser proposto terá algumas diferenças na PEC e no projeto de lei, já que o segundo tem que obedecer ao que determina hoje a Constituição, que é o sistema proporcional.
O projeto do Senado determina que o eleitor vote duas vezes, escolhendo um deputado de seu distrito e, depois, o partido de sua preferência. Na proposta da Câmara, tanto o projeto de lei quanto a PEC preveem apenas uma votação.
Segundo o projeto da Câmara, o eleitor escolhe um candidato do seu distrito, os votos dos candidatos de cada partido são somados e todas as cadeiras são distribuídas segundo a proporção de votos de cada partido. Dentro do total de vagas que cada legenda alcançar, metade será preenchida com os candidatos distritais e a outra metade com candidatos de uma lista fechada.
Já na PEC, metade das vagas são disputadas entre os candidatos dos distritos e somente a outra metade é preenchida segundo a proporção da somatória de votos de cada partido, com nomes da lista fechada.