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Política & Poder

Queiroga fala sobre Bolsonaro, Covid, vacina, Michelle, 2006…

“Se Bolsonaro tivesse tomado a vacina e deixado a agenda da saúde entrar pra valer, ele tinha ganho a eleição”, supõe o ex-ministro

Marcondes Brito

08/07/2025 5h49

Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

O Norte
Parceiro do Jornal de Brasília na Paraíba

Era para ser apenas uma consulta médica. Exames de rotina, check-up cardiológico, nada além disso. Eu só precisava mostrar os resultados a um especialista credenciado. Mas a vida — e a política — gostam de testar nossos roteiros.`

Entrei no consultório, em João Pessoa, e ali estava ele: Marcelo Queiroga. Ex-ministro da Saúde, médico cardiologista e figura central no combate (e na controvérsia) da pandemia de Covid-19 durante o governo Bolsonaro. Nós nos reconhecemos na hora. Ele me examinou, analisou os resultados — que, felizmente, estavam normais —, mas antes que a consulta terminasse, o telefone tocou. Era o senador Efraim Filho (União Brasil-PB).

A partir daquele telefonema, puxou-se um fio. E o que era para ser um momento de saúde virou também uma conversa franca sobre política, 2026, Bolsonaro, Covid, vacina, Michelle, Lula — e sobre o próprio Queiroga, entre o estetoscópio e o palanque.

2026 já começou

Ainda com os exames sobre a mesa, o tom da conversa mudou. Efraim falava da possibilidade de filiar-se ao PL e da construção de uma chapa de oposição a João Azevêdo, governador da Paraíba, e Queiroga não hesitava: defendeu a união das forças bolsonaristas em torno de um nome viável — que pode ser o próprio Efraim. Ele mesmo, Queiroga, admitiu que pode abrir mão de sua candidatura, referendada até pelo próprio Bolsonaro.

“O nome seria Efraim. Se ele assumir o Bolsonaro, nós apoiaremos Efraim. Aí vira palanque pro Bolsonaro. Pedro [Cunha Lima] em 2022 não assumiu isso. Se tivesse assumido, o desempenho teria sido outro.”

A lógica, segundo o ex-ministro, é clara: consolidar o voto bolsonarista desde o início, sem meias palavras ou tentativas de aceno ao centro. Ele próprio, aliás, disse que aprendeu isso na prática, quando disputou a prefeitura de João Pessoa em 2024 e tentou conquistar o eleitorado moderado antes de se firmar como candidato da direita.

“No começo eu tentei dialogar com o centro, achava que precisava desse eleitor. Depois vi que precisava primeiro garantir o voto bolsonarista. Foi um erro”.

Lula, Bolsonaro e o eleitorado real

Marcelo Queiroga tem uma tese que repete como quem recita uma fórmula matemática: no Brasil de hoje, só há dois nomes com densidade eleitoral real — Lula e Bolsonaro. O restante é acessório.

Esse raciocínio serve de base para o cálculo político que sustenta seu posicionamento: o ex-ministro não se enxerga como protagonista de um projeto pessoal, mas como peça útil na construção de um palanque competitivo para o bolsonarismo — seja para 2026, seja antes.

E, ao contrário do que muitos pregam, ele garante que Bolsonaro sempre deu liberdade aos ministros para atuar tecnicamente — inclusive na vacinação, tema delicado durante a pandemia.

“Bolsonaro me dizia: vai vacinar. Mas ele não falava isso em público porque a base dele era contra obrigatoriedade da vacina. Era um equilíbrio entre liberdade e saúde. Eu mesmo fui chamado de ‘mascarado’, mas usei máscara até o dia em que achei necessário.”

“Se Bolsonaro tivesse se vacinado…”

Na avaliação de Marcelo Queiroga, a resistência de Jair Bolsonaro em se vacinar publicamente foi um erro político com impacto direto no resultado das eleições de 2022. E ele diz isso sem rodeios.

Segundo Queiroga, Bolsonaro não impediu tecnicamente a vacinação — ao contrário, dizia a ele nos bastidores para seguir com o plano —, mas preferia não expor sua posição diante da pressão da própria base mais radical.

O ex-ministro reconhece que, ao evitar o gesto simbólico de se imunizar diante das câmeras, Bolsonaro perdeu a chance de neutralizar uma das críticas mais duras ao seu governo — e acabou colhendo as consequências nas urnas.

A aposta em Michelle para 2026

Se Bolsonaro não puder disputar a eleição presidencial de 2026, Marcelo Queiroga já tem um nome na ponta da língua para substituí-lo — e com chances reais de vitória, segundo ele: Michelle Bolsonaro.

A convicção com que fala da ex-primeira-dama é quase messiânica. Para ele, Michelle reúne carisma, origem popular, apelo religioso e uma história que pode sensibilizar o eleitorado conservador e até atrair parte do eleitorado feminino, onde o bolsonarismo sempre encontrou mais resistência.

A análise pode parecer contraditória com o que ele disse minutos antes — de que só Lula e Bolsonaro têm voto —, mas serve ao seu objetivo principal: manter aceso o projeto bolsonarista, com ou sem Jair no topo da chapa.

“A estrutura do bolsonarismo não é só Bolsonaro. Ela vai além. E Michelle pode ser o fio condutor disso.”

Política sem ódio

Apesar da fidelidade absoluta ao bolsonarismo, Marcelo Queiroga insiste que sua prática pessoal é baseada no respeito. E que, no consultório, todos os pacientes são tratados da mesma forma, independentemente da ideologia.

“O paciente pode chegar aqui e falar bem do Lula, não tem problema. Eu vou tratar da mesma maneira.”

No dia a dia, diz ele, não é raro se deparar com adversários políticos em ambientes sociais. E garante que o tratamento é o mesmo — como no episódio em que encontrou o ex-governador Ricardo Coutinho, do PT, num restaurante.

“Estava sentado, ele chegou e veio falar comigo. Conversamos normalmente. Isso é civilidade. Eu não sou inimigo de ninguém.”

Campanha contra Cícero Lucena

Na disputa municipal de 2024 em João Pessoa, Queiroga perdeu para o prefeito Cícero Lucena, mas saiu da eleição com uma leitura clara sobre o que faria diferente.

“Não acho que errei. Acho que fui no limite máximo de acerto que eu podia ter naquele contexto. Mas talvez eu tenha demorado para assumir que precisava vestir de vez o figurino bolsonarista.”

Enquanto enfrentava resistência interna no PL, Cícero avançava com obras e consolidava apoios. Queiroga acredita que, se houver nova disputa, sua estratégia será outra — mais alinhada, desde o início, com a base que o sustenta.

“No começo, tentei falar com o eleitor do meio. Mas vi que, sem consolidar o voto bolsonarista, eu não iria a lugar nenhum. Comecei a andar só de amarelo. […] Se houver um novo confronto com Cícero, vai ser Bolsonaro até a medula. Tem que ser. Eu tenho que ser ele.”

Entre o pulso e o palanque

A consulta terminou como começou: com uma troca cordial, uma conversa franca e exames cardíacos em ordem. Mas saí dali com mais do que um parecer médico. Saí com um retrato vivo de como Marcelo Queiroga — cardiologista de formação, político por vocação e bolsonarista por identidade — enxerga o Brasil de hoje e o que projeta para o amanhã.

Entre batimentos, bastidores e bastiões ideológicos, ele não esconde de que lado está. Nem no palanque, nem no consultório. Mas, pelo menos ali, de jaleco branco, diz que todos os corações merecem ser ouvidos. E tratados.

“Se for petista, se for lulista, não importa. O coração bate do mesmo jeito. E eu escuto.”

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