ARTHUR GUIMARÃES DE OLIVEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Desde 1988, o perfil que predomina no STF (Supremo Tribunal Federal) é o de um homem cuja trajetória combina a ocupação de cargos em organismos jurídicos com a proximidade do poder. E nada indica que o escolhido pelo presidente Lula (PT) para substituir Luís Roberto Barroso fugirá desse padrão.
A Constituição diz que o STF é composto por 11 ministros, todos brasileiros natos, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 anos e menos de 70. O candidato deve demonstrar ter boa reputação e conhecimento do direito. A nomeação cabe ao presidente da República e depende de aprovação por maioria no Senado.
Uma radiografia revela a presença de outros marcadores comuns a ministros do Supremo: a corte teve historicamente uma maioria de integrantes homens, brancos, nascidos no Sudeste, formados em faculdades da região, com alguma experiência pública.
No caso da religião, as informações históricas não são disponibilizadas no portal do tribunal.
O professor Fernando Fontainha, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é organizador de um livro que visou analisar as características dos ministros do STF de 1988 a 2013 pelo método da biografia coletiva, de modo a focalizar diversos aspectos das trajetórias deles.
A conclusão foi existirem três qualidades principais nos ministros da corte: a instrumentalidade, a “brasilialidade” e a subalternidade. A primeira se manifesta na ocupação de cargos em tribunais, associações de classe e comissões na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), de forma estratégica, voltada à própria ascensão.
A segunda trata de Brasília. Embora a maioria dos ministros não fosse natural do Distrito Federal, cerca de dois terços já vivia em Brasília no momento da indicação.
A subalternidade, por sua vez, aparece na trajetória daqueles que antes ocuparam cargos em ministérios, secretarias, tribunais ou posições que dependem de indicação política frequentemente do Executivo.
Segundo Fontainha, é um equívoco pensar a escolha de ministro do STF como decisão personalíssima do presidente. Para ele, a indicação envolve uma rede de atores e influências, que inclui a mídia, a comunidade jurídica e os próprios ministros.
A vaga de Barroso renovou a pressão de entidades pela nomeação de uma mulher para o STF, de preferência negra. O tribunal conta atualmente com apenas uma ministra na composição, Cármen Lúcia. Jamais uma mulher negra se sentou à bancada do Supremo.
Lula, apesar disso, já disse a aliados que pretende indicar o titular da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias, como mostrou a Folha. Também estavam entre os nomes cotados para a posição o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Bruno Dantas e o ex-presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
O governo Lula tem agido para agradar o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), antes de indicar o nome predileto para o tribunal. O senador é o principal articulador em favor de Pacheco para a cadeira deixada por Barroso.
“Quanto mais importante o tribunal se torna, quanto mais protagonista, mais fundamental é ocupar uma cadeira, com um representante dos seus interesses lá dentro”, afirma Conrado Hübner Mendes, colunista da Folha e professor de direito constitucional da USP.
Desde 1891, foram nomeados 171 ministros, entre os quais apenas três mulheres. O estado do Rio de Janeiro concentra o maior número de magistrados (33), seguido por Minas Gerais (30) e São Paulo (27). A Faculdade de Direito da USP, no centro paulistano, lidera entre as instituições de origem: 55 passaram por suas salas.
As características de um homem, branco, do eixo Rio-São Paulo, com reputação jurídica, mas não necessariamente acadêmica, e próximo do círculo político do presidente se mantiveram ao longo do tempo, afirma Hübner Mendes.
Apesar disso, nos últimos anos a indicação passou a refletir o que o professor chamou de “cupinização” dos cargos em Brasília, um acirramento do processo de disputa pela ocupação de espaços de poder, sobretudo em um momento em que o STF adquire mais centralidade nas discussões.
“Nesses últimos 15 anos, com a degradação das formas de construção de coalizão, até mesmo um tribunal passou a fazer parte das negociações de cargo.”
Para o professor do Insper Diego Werneck, os critérios de proximidade política e credenciais jurídicas apareceram nas indicações ao STF em graus variados conforme o momento histórico. Mas, segundo ele, as escolhas têm ficado cada vez mais pessoais, centradas mais em quem é o presidente do que quem é o indicado.
Werneck considera que houve um pico histórico relacionado ao reconhecimento profissional no governo Dilma Rousseff, com nomes que poderiam ter sido indicados por outros políticos, mas o padrão observado nos anos subsequentes não é a regra histórica. “O que está acontecendo agora é uma radicalização para o outro [lado].”
Ele também considera preocupante o envolvimento de ministros nas disputas. “Em geral, que me parece muito próximo da disputa política do dia-a-dia (…), como se fosse uma coisa absolutamente normal. Isso eu não acho inevitável e acho ruim.”