A multidão nas ruas na maior manifestação popular da vida brasileira, “foi só um pequeno reflexo” da visão negativa e crítica que os cidadãos têm hoje do governo. O Brasil “tem uma presidente que não governa, políticos que não representam a sociedade”. Esta reage a tudo muito mais rápido, nestes tempos de internet, “o que torna a situação do governo insustentável”.
Essas avaliações e a conclusão de que o processo político “chegou ao seu limite” foram alguns dos pontos levantados ontem por dois acadêmicos entrevistados pela TV Estadão, o professor de Ética Roberto Romano e a socióloga e especialista em pesquisas de opinião Fátima Pacheco Jordão.
“Já sabemos que foi a maior manifestação popular da história, mas esse número mal chega à proporção real do total de cidadãos críticos de toda a atual quadra que vivemos”, destacou Fátima. Os mais de 2 milhões que foram às ruas no País “são uma fração dos cerca de 80 milhões que, segundo as pesquisas, veem negativamente o governo”. Por isso, ela prevê “um impacto semelhante ao dos tempos das Diretas-Já”.
O quadro se complica, segundo Romano, “porque temos um Estado desgastado, com uma máquina velha e ineficiente, um Congresso que continua a ser, ainda hoje, caixa de ressonância das oligarquias regionais”. E o mundo político não ajuda, acrescenta Fátima: “Os políticos foram rejeitados neste domingo. Os que tentaram aparecer foram vaiados ou ignorados. Ou eles se modificam ou o impasse vai continuar”.
Fraqueza
Nenhum dos dois entrevistados arrisca uma previsão sobre os próximos passos do governo Dilma. “Ela não está governando, nem tem condições de definir seu ministério”, resume Romano.
Veterano estudioso da Teoria de Estado, ele define como “golpe de Estado” a recente troca do ministro da Justiça. “Uma pessoa não eleita, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva, decidiu que o José Eduardo Cardozo (ex-ministro da Justiça e atual advogado-geral da União) devia sair e Dilma aceitou”, deixando claro, segundo ele, que não tem controle dos ministros nem das decisões.
Mas os dois lembraram também que as oposições não estão à altura do que se exige para superar a crise. “Qual o programa que elas têm para mudar o Estado? Para levar adiante um novo governo?”, pergunta Romano, lembrando que condenar os corruptos é apenas uma parte do quadro – e isso não se limita, no caso, a políticos governistas. Ao que ele acrescentou, como exemplo concreto, o recente episódio das prévias feitas pelo PSDB entre seus candidatos à Prefeitura de São Paulo: “Foi tudo um desarrazoado, uma divisão, falta de uma visão maior e de longo alcance de todos os interessados”.
O horizonte político, tanto do governo quanto do mundo político, na avaliação dos dois, já era obscuro e torna-se dramático, depois do grito das ruas de ontem. Com a economia desandando em alto ritmo, Fátima define a situação como “insustentável”. Romano concorda: “Tenho 70 anos, já vivi muitas crises, mas não vi nenhuma tão sem saída como esta de agora”.
‘No limite’
Um dos pontos que ambos apontam como decisivo é a falta de pontes e de diálogo entre governo e sociedade, agravada pela diferença de velocidade. “Os tempos de internet tornaram tudo rápido e o governo continua pesado, lento, sem iniciativa, fora de compasso. Simplesmente não tem como dar conta das cobranças da sociedade – e isso ocorreria mesmo que tivéssemos superado a questão da corrupção”, resume a socióloga. O fato concreto, ela conclui, “é que não dá para esperar 2018. A situação está mesmo no limite”.
À pergunta quanto ao futuro de Lula e do PT, eventualmente sem seu líder histórico, os dois responderam com pontos de vista diferentes. Para Romano, o PT cometeu um grande erro, que foi ao mesmo tempo o seu grande acerto em termos eleitorais, ao manter Lula como figura decisiva, central, dominante. E o resultado é que, agora vendo-o cobrado e contestado, nas pesquisas eleitorais e nas investigações policiais, fica inevitavelmente enfraquecido. “Se o PT tivesse hoje outras dez lideranças regionais, sobreviveria melhor, por exemplo, ao teste eleitoral de outubro que vem.”
Para Fátima, o “PT sem o Lula não é PT. A eventual dissolução de sua figura política significa também a dissolução do partido”.
No terreno da ética, sua especialidade na academia, Romano não se mostra tão otimista com o papel que vem sendo desempenhado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. “A ética e um conjunto de hábitos e valores que se sedimentam em uma sociedade e que, uma vez apreendidos, se tornam automáticos. E para se livrar desses valores é preciso muito tempo.”
Ele recorda que na Itália foi feita uma devassa nos anos 1980, pela Operação Mãos Limpas, “e tempos depois, o eleitor italiano escolheu Silvio Berlusconi para governar o País”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.