CATARINA SCORTECCI
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS)
Movimentos de renovação política, que nasceram entre a ebulição das ruas em 2013 e os anos que vão da deflagração da Operação Lava Jato até a vitória de Jair Bolsonaro (PL), em 2018, tomaram rumos diferentes ao longo de quase uma década.
Alguns saíram de cena, mas houve quem se justificasse publicamente antes de fechar as portas, como a Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade). “Organizações devem responder aos desafios de seu tempo. Desde nossa fundação, o mundo mudou e o Brasil também”, afirma carta divulgada em março.
Houve também quem reconhecesse uma desidratação, como o movimento Acredito, que nasceu em 2017, viu minguarem as doações ao longo do tempo e ficou sem estrutura para 2024.
“A gente ficou sem braço, sem apoio, sem grana, ficou complicado. Mas não acabou. Queremos voltar com força total a partir do ano que vem, mirando a eleição de 2026”, diz Iuri Belmino, coordenador nacional.
Ele enxerga um arrefecimento das iniciativas de renovação em geral e discursos perdendo força na sociedade. “A gente viu que não basta ser uma nova política, tem que ser uma boa política também”, avalia.
Belmino entende, contudo, que o Acredito mantém o papel de atrair uma juventude que vê nos movimentos uma forma mais palatável e atrativa de entrar na política do que nos partidos. “A ideia é desmistificar essa coisa de que os partidos são ruins e mostrar que são importantes”, diz ele, que é filiado ao PSB.
Outros grupos seguem atuantes e envolvidos com as eleições municipais, como o movimento Livres e o RenovaBR, que prefere se apresentar como uma escola de formação política.
“Agora o foco não é apenas pessoas emergentes e que nunca tiveram contato com a política. Acho que o conceito evoluiu e o importante é formar bons líderes”, diz a diretora-executiva do RenovaBR, Bruna Barros.
A entidade passou a oferecer também uma formação continuada para representantes eleitos ou mesmo para pessoas que exercem funções como a de secretário. Segundo o Renova, mais de 1.400 pessoas que passaram por algum curso do movimento estão disputando cargos neste ano.
Já o diretor-executivo do Livres, Magno Karl, afirma que no começo, em 2018, havia uma “inclinação para fornecer ideias para políticos que já eram liberais” e compartilhavam a mesma visão de mundo.
“Nesses seis anos, entendendo que somos uma minoria na política e na sociedade, a gente foi ficando mais aberto para encontrar políticos de todas as orientações ideológicas”, afirma ele.
“Hoje oferecemos cursos gratuitos no nosso site para formação de pessoas que já são liberais como nós. Mas, em termos de políticas públicas, ampliamos o leque de pessoas com quem conversamos. Por acreditar que, no fim das contas, o que importa são as ideias.”
A cientista política Priscila Schmitz, que estuda movimentos suprapartidários no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), considera que hoje existe mais proximidade entre grupos e partidos, com relações de mutualismo e cooperação.
Ela lembra que os grupos que lá atrás nasceram sem vínculos com legendas tradicionais e com o selo da renovação política chegaram a despertar a desconfiança dos partidos e cita o episódio em que o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) se referiu aos movimentos como “partidos clandestinos”.
Schmitz argumenta, porém, que os coletivos se tornaram parceiros das siglas, já que atuam em frentes historicamente abandonadas por elas, como a formação e o recrutamento de quadros para eleições. Embora a lei defina uma reserva de dinheiro do fundo partidário para formação, o recurso não tem sido aplicado pelas siglas, de acordo com a cientista política, e os movimentos preencheram esse vácuo.
Para a especialista, o saldo da proliferação de movimentos pode ser considerado positivo. “A gente pode até discutir a qualidade deles, e isso é outro debate, mas de fato são canais que estão minimamente preocupados em fortalecer valores democráticos e plurais”, afirma.
Karl, do Livres, sente que o movimento é parceiro de filiados que muitas vezes se sentem abandonados pelos próprios partidos. “Tem gente no interior do Brasil com chapas de vereadores que não têm nenhum apoio do partido e escrevem para a gente pedindo os cadernos de políticas públicas”, diz.
Ele se refere a um material lançado em março pelo movimento com 81 propostas e que já foi distribuído em dez estados para prefeitos, vereadores, dirigentes partidários e pré-candidatos.
Renova e Livres dizem que, com base em diálogo, aprenderam a navegar no ambiente de polarização. “O movimento busca diversidade no processo de seleção. E a ideia de fazer uma formação política em que você não vai estar falando somente com os seus amplia muito a visão de país”, afirma Bruna Barros.
A diretora acrescenta que o grupo abriga alunos de todos os espectros políticos e descarta influenciar a agenda de cada um. “Mas a gente favorece sempre uma política baseada em dados e evidências.”
Segundo Karl, no caso do Livres o movimento teve que ter “maturidade para entender que não é necessário optar por Lula ou Bolsonaro”. “Não somos um partido, não precisamos de voto. Somos uma organização focada na difusão das nossas ideias liberais”, diz ele.
Já o MBL (Movimento Brasil Livre), que nasceu em 2014, mas rejeita ser incluído na fileira dos movimentos de renovação política, está reunindo assinaturas para se tornar um partido político, o Missão.
“O MBL sempre quis ser um partido. Do ponto de vista prático, não formal, o MBL já é um partido. O problema no Brasil é que a legislação [para se criar um partido] é impeditiva, custa muito”, reclama o coordenador nacional do MBL, Renan Santos.
“E o MBL não tem nenhuma relação com esses movimentos. Eles são uns grupos de rico, que ora colocam dinheiro em iniciativas de rapazes e moças que têm contatos com os ricos, ora são os próprios ricos brincando”, diz.
Santos afirma que o MBL tem mais de 50 candidatos nas eleições de outubro em diferentes regiões do país, muitos deles com alto engajamento nas redes sociais. “Todo mundo é fruto da Academia MBL [braço de formação]. E não há predileção por uma legenda. Depende do contexto regional.”
“São candidaturas fortes, sem ser Lula ou Bolsonaro. Esse é o segredo. Nós não somos nem um nem outro. E isso dá o tom do que vai ser o nosso partido lá na frente”, completa.