ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
FOLHAPRESS
Está lá na Bíblia: “Deus pede a todos nós que sejamos pacificadores”. O ministro Jorge Messias (Advogado-Geral da União) cita, num podcast produzido pelo Núcleo de Evangélicos do PT, o versículo do Evangelho de Mateus que reconhece como “bem-aventurados” aqueles que conciliam partes em conflito.
É ele quem agora pode ter que buscar pacificação em torno do seu nome, após disparar como preferido do presidente Lula (PT) para substituir Luís Roberto Barroso no STF (Supremo Tribunal Federal).
Se nomeado e aprovado no Senado, Messias será o terceiro evangélico entre os 172 ministros que já passaram pela corte em 134 anos. Antes de o pastor presbiteriano André Mendonça chegar lá, indicado no terceiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL), veio Antônio Martins Villas Boas, em 1957.
Villas Boas guardava algo em comum com Messias: a atuação como diácono de uma igreja batista, espécie de ajudante do pastor. O fator religioso, contudo, era colateral na atenção pública dada ao primeiro, num tempo em que o catolicismo monopolizava a religiosidade nacional.
Agora, não. Declarar-se crente deixou de ser detalhe biográfico e ganhou voltagem política. Messias, que na Esplanada tem Marina Silva (Meio Ambiente) como par de fé, é apontado como interlocutor do governo com igrejas evangélicas.
Chegou a ser vaiado ao mencionar Lula na Marcha para Jesus de 2023, o que não voltou a a se repetir -continuou indo representar o presidente no evento, mas sem citá-lo. Neste ano, até ganhou um “a gente te ama também” do apóstolo Estevam Hernandes, o idealizador da Marcha.
Seu perfil moderado, distante da retórica inflamada que eletriza as guerras culturais, pode não eliminar, mas amortece o mal-estar entre líderes evangélicos com sua possível indicação.
Há quem siga a linha “dos males, o menor”. Lula não abrirá mão de escolher alguém de sua confiança, então Messias, se serve de consolo, ao menos é um crente raiz que tem por hábito mandar passagens bíblicas para uma lista de contatos no WhatsApp.
O ex-presidente da bancada evangélica Eli Borges (PL-TO) é dessa turma. “Melhor ele do que um perfil Flávio Dino ou [Alexandre de] Moraes.”
Hoje o advogado-geral é tido como leal a Lula, verdade. Mas Borges diz mirar o longo prazo. “Estou convicto de que, com o fim do lulismo, os valores de [Messias] cristão estarão mais evidentes.”
Há expectativa, nos bastidores evangélicos, de que o ministro, se assumir o posto, espelhe o efeito Cristiano Zanin. O ex-advogado pessoal de Lula tem pendido ao conservadorismo em temas sensíveis para o segmento -como em seus votos contra a descriminalização da maconha para uso pessoal e contra equiparar o crime de homotransfobia ao de injúria racial. A direita viu uma “grata surpresa” nele.
Cezinha de Madureira (PSD-SP), outro ex-líder da bancada evangélica, é francamente simpático à transferência da toga para o ministro lulista. “Se o presidente ainda tiver juízo na cabeça, ele indica o Messias para o Supremo.”
Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), sobrinho do bispo Edir Macedo que já foi ministro de Dilma Rousseff (PT) e depois votou pela impeachment dela, também é generoso com Messias. Diz ver nele “um servidor de carreira exemplar com as convicções de um evangélico preocupado em fazer justiça e mostrar ao governo o papel importante das igrejas”.
Otoni de Paula (MDB-RJ) engrossa o bloco dos entusiastas. Como tantos outros pares de fé e Congresso, ele vestiu a camisa bolsonarista no passado, e agora ensaia movimentos amigáveis ao governo do PT.
Sua empolgação passa pela aposta de que “Messias é um cara conservador”. “Não significa que, por ele ser de esquerda, seja progressista automaticamente, tá certo? Ele é um evangélico de formação.”
Outra ala evangélica desconfia das credenciais ideológicas do titular da AGU. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e o deputado Sóstenes Cavalcante, líder do PL e próximo ao pastor Silas Malafaia, rotulam-no de esquerdista.
Ainda não está claro como Messias navega pelo campo moral.
Ele participou, em 2024, de um podcast conduzido pelo pastor Oliver Goiano, batista como ele, sobre “o que pensam os evangélicos petistas”. Disse ali se guiar pelos “ensinamentos de Cristo”, separando a “justiça de Deus” da “justiça dos homens”.
Argumentou que o PT, ao advogar por “acesso à saúde, à educação, à moradia digna”, aproxima-se dos princípios bíblicos. “Ora, o cristão verdadeiro é o primeiro a defender a família, e eu nasci num lar cristão, onde a família é a base de tudo.”
Goiano diz à reportagem que, pelo que observa dos posicionamentos “do doutor Jorge”, há preocupação com “a diminuição das desigualdades sociais”, daí um alinhamento maior com a esquerda na agenda econômica. Ele também seria um “defensor do Estado laico”.
O que o pastor não detecta é uma predisposição canhota nas pautas de costumes. “Não vejo nas suas falas um compromisso com valores, vamos dizer assim, progressistas. Ele tem aparentado ser um evangélico mais conservador no campo moral, mas, economicamente, alguém que entende que o Brasil precisa incluir os mais pobres.”
Nem todo mundo está convencido de que, uma vez no STF, Messias se inclinaria ao conservadorismo cristão. Há quem lembre que, sob sua batuta, a AGU acusou o Conselho Federal de Medicina de tentar restringir o aborto legal após 22 semanas de gestação.
A entidade médica teria, segundo o órgão, agido para obrigar uma mulher que engravidou após um estupro a ter o bebê. Nessa mesma época, Sóstenes havia causado balbúrdia com um projeto de lei que estipulava penas equivalentes às de homicídio para quem abortasse após a 22ª semana. Não prosperou.