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Política & Poder

Lula faz acenos a diferentes setores do país para se colocar como contraponto a Bolsonaro

“Fiquei feliz com a verdade”, que poderá duelar com Bolsonaro nas eleições de 2022 -o petista deixou de ser ficha-suja com a decisão de Fachin na última segunda-feira

Redação Jornal de Brasília

10/03/2021 16h51

Joelmir Tavares
São Bernardo do Campo, SP

Em sua primeira manifestação após ter suas condenações anuladas e sido autorizado a disputar eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atacou a gestão da pandemia pelo governo de Jair Bolsonaro, a que chamou de “desgoverno”, agradeceu o Supremo e disse que a “verdade prevaleceu”.


Em fala de improviso, sem nenhum tipo de autocrítica às gestões petistas dele (2003-2010) e de Dilma Rousseff (2011-2016), Lula subiu o tom contra Bolsonaro em diferentes momentos, tentou explicar ao presidente como se governa e se disse agradecido ao ministro Edson Fachin (STF) por ele “ter cumprido o que a gente reivindicava desde 2016”.


“Fiquei feliz com a verdade”, que poderá duelar com Bolsonaro nas eleições de 2022 -o petista deixou de ser ficha-suja com a decisão de Fachin na última segunda-feira.


“Este país não tem governo, este país não cuida da economia, não cuida do emprego, não cuida do salário, não cuida da saúde, não cuida do meio ambiente, não cuida da educação, não cuida do jovem, não cuida da menina da periferia.”


Lula chamou Bolsonaro de “fanfarrão” e disse a ele “qual é o papel de um presidente da República”, citando a necessidade de avanços econômicos e sociais, em meio à crise da pandemia e desconfiança do mercado sobre sua candidatura em 2022. Disse que o país não pode ficar refém do mercado.


O petista ficou com a voz embargada em alguns momentos da fala, falou sobre a importância de conversar com o Congresso e com os empresários e disse querer voltar a andar pelo país e conversar com a população sobre os males de Bolsonaro.


“NÃO TENHAM MEDO DE MIM”


“Desistir jamais. A palavra desistir não existe no meu dicionário”, disse Lula, que deu novo recado. “Não tenham medo de mim, eu sou radical porque quero ir na raiz dos problemas deste país.”


O discurso foi recheado de contrapontos a Bolsonaro. O petista fez questão de acenar a líderes mundiais que o apoiam, em oposição ao isolamento de Bolsonaro. Citou Pepe Mujica, papa Francisco e Alberto Fernandéz. O ex-presidente também elogiou jornalistas. Afirmou que a liberdade de imprensa é um pilar da democracia.


LAVA JATO

Em longa fala, Lula disse que a Lava Jato “desapareceu” de sua vida e que suas amarguras estão superadas, afirmou estar tranquilo, mas que ainda quer a punição do ex-juiz Sergio Moro, responsável por sua condenação no caso do tríplex de Guarujá que o deixou preso por 580 dias em Curitiba.


O petista disse que não há espaço para guardar ódio, mas voltou a chamar de “quadrilha” os procuradores da Lava Jato de Curitiba. “Moro sabia que a única forma de me pegar era pela Lava Jato. Eles tinham como obsessão, queriam criar um partido político. Mas a verdade prevaleceu.”


Disse que em 2018 se entregou à Polícia Federal contra a sua vontade e o fez porque tinha clareza sobre as inverdades sobre ele e que poderia provar a sua inocência em relação à Lava Jato. “Eu tinha tanta confiança e consciência que esse dia chegaria, e ele chegou.”


Na fala desta quarta-feira, Lula disse que foi vítima “da maior mentira da história jurídica em 500 anos de história do país” e afirmou que sua ex-mulher, Marisa Letícia, morreu diante da pressão que a família sofreu diante das acusações e investigações.


IMPRENSA


Lula também criticou a atuação da imprensa em geral, como na divulgação de delações premiadas da Lava Jato e também na cobertura jornalística sobre a revelação do conteúdo das mensagens dos procuradores da força-tarefa, material obtido em 2019 pelo site Intercept Brasil e divulgado por diferentes veículos de imprensa.


GOVERNO BOLSONARO


Ainda sobre o governo federal, Lula atacou as privatizações e o que chamou de falta de prioridade na compra de vacinas, mas sim na compra de armas, voltando a citar as milícias e suas suspeitas de ligações com a família Bolsonaro.


“A dor que eu sinto não é nada”, disse Lula, ao apontar as vítimas da pandemia e em uma crítica velada à gestão de Bolsonaro.


O ex-presidente citou as pessoas que passam fome diante da crise econômica, lembrou das vítimas e de seus parentes e enalteceu ainda o que chamou de heróis e heroínas do SUS, sucateado, segundo ele, pela atual gestão federal.


VACINA


O ex-presidente, aos 75 anos de idade, disse que pretende se vacinar na próxima semana, com qualquer vacina que tenha à disposição. ‘Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República e do ministro da Saúde, tome vacina”, afirmou o presidente.


ALIADOS


Em sua fala de improviso, o petista relembrou sua trajetória desde o sindicato ao início na vida política e enalteceu os que sempre acreditaram em sua inocência. Citou inclusive a carta que recebeu do papa Francisco.


Aliados de Lula no PT e em outros partidos foram convidados para a entrevista. Estava ao seu lado dele o ex-prefeito Fernando Haddad, lançado como pré-candidato do PT à Presidência há algumas semanas, além da presidente nacional petista, Gleisi Hoffmann, entre outros.


O ex-presidenciável Guilherme Boulos (PSOL), que sempre se posicionou contra as condenações de Lula e concorda com a tese de perseguição da Justiça, também participou do evento.


Convidado pela presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, não compareceu. Ciro Gomes, presidenciável da sigla, quer marcar distância em relação a Lula, embora tanto ele quanto Lupi tenham sido solidários ao petista quando ele foi condenado e preso.


Antes de Lula falaram opresidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão,
A entrevista foi presencial, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo (SP). Apenas equipes de imprensa entraram no prédio. O PT pediu que militantes não fossem ao local, para evitar aglomerações em meio ao pior momento da pandemia do coronavírus.


HISTÓRICO


Na última segunda-feira, o ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a anulação de todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da Justiça Federal de Curitiba, responsável pela Lava Jato.

Lula, 75, tinha sido condenado em duas ações penais, por corrupção e lavagem de dinheiro, nos casos do tríplex de Guarujá (SP) e do sítio de Atibaia (SP).


O ministro do STF entendeu que as decisões não poderiam ter sido tomadas pela vara responsável pela operação e determinou que os casos sejam reiniciados pela Justiça Federal do Distrito Federal.


Assim, as condenações que retiravam os direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele pode se candidatar nas próximas eleições, em 2022. Lula estava enquadrado na Lei da Ficha Limpa, já que ambas as condenações pela Lava Jato haviam sido confirmadas em segunda instância.


A PGR (Procuradoria-Geral da República) já decidiu recorrer contra o habeas corpus de Fachin. A informação foi confirmada por assessores do procurador-geral Augusto Aras.


Lula foi solto em novembro de 2019, após 580 dias preso na Polícia Federal em Curitiba, beneficiado por um novo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) segundo o qual a prisão de condenados somente deve ocorrer após o fim de todos os recursos.


Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo nesta quarta-feira, candidato ou não a presidente em 2022, Lula começa sua jornada à eleição no ano que vem buscando fugir do que o PT vê como uma armadilha: ser considerado pelo eleitorado um polo tão extremo quanto Jair Bolsonaro (sem partido).

O tema tem sido discutido por aliados do líder petista desde que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, restaurou seus direitos políticos ao anular condenações da Operação Lava Jato.


Há um consenso de que a polarização com Bolsonaro tem de ser modulada pelo óbvio: não alienar nem o eleitorado que abraçou o antipetismo de 2016 para cá, mas que antes apoiou Lula, nem os agentes financeiros.


Isso não significa, contudo, uma reedição da famosa Carta ao Povo Brasileiro, documento de 2002 em que Lula beijava a cruz do mercado prometendo manter a política liberal do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002).

Deu certo, e o namoro entre mercado e governo do PT só começou a sofrer abalos reais a partir das gestões de Dilma Rousseff (2011-16), que amplificou políticas instituídas nos dois anos finais das administrações de Lula.


Agora, contudo, petistas de alto escalão avaliam ser dispensável um compromisso -ao contrário, basta se colocar retoricamente como uma alternativa racional, urbana, à turbulenta gestão de Bolsonaro.


A primeira reação dos mercados à liberação de Lula foi negativa, com um misto de repetição do temor que o PT provocava nos anos de crise de Dilma com a expectativa de que Bolsonaro inclinará seu governo para uma gestão mais populista e autoritária prevendo o embate com o petista.


Lula tem sido aconselhado a vestir um figurino de estadista mais sereno, fazendo a defesa institucional de aspectos que considera positivos de seu governo.


Sua proverbial agressividade de palanque ficaria, se o cenário se confirmar, para itens incontestáveis de crítica a Bolsonaro -como seu manejo da pandemia, que já tem mais de 260 mil mortos no país.

As informações são da Folhapress

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