MARCUS LOPES
FOLHAPRESS
Há 90 anos eclodiu nos quartéis brasileiros um movimento de esquerda envolvendo militares e civis insatisfeitos com o governo federal. O objetivo era depor à força o presidente Getúlio Vargas do cargo e instaurar um governo socialista nos moldes da Rússia soviética (URSS).
Houve tiroteios e mortes em grandes cidades como Natal, Recife e Rio de Janeiro, então capital federal. A quartelada, batizada pela imprensa da época de Intentona Comunista, foi debelada e fracassou em poucos dias, mas pavimentou o caminho de Vargas rumo ao poder ditatorial.
O motim que envolveu militares integrantes do tenentismo e sindicalistas também selou a imagem de uma ameaça comunista -difundida até os dias atuais em setores da direita-, cujo objetivo permanente seria acabar com a ordem, a paz e desestabilizar os rumos da nação.
“Embora prontamente esmagada, a insurreição comunista de 1935 deixou trauma profundo na memória política brasileira”, diz o historiador Homero de Oliveira Costa no livro “A Insurreição Comunista de 1935”.
Na obra, o autor analisa os objetivos políticos, militares e sociais da intentona organizada pela ANL (Aliança Nacional Libertadora) -frente ampla que envolvia comunistas, socialistas e democratas contra o fascismo- e capitaneada pelo líder tenentista Luiz Carlos Prestes.
O cientista político Paulo Ribeiro da Cunha, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e autor de “Militares e Militâncias”, afirma que o discurso anticomunista pregado por atuais políticos e setores militares é herança dos tempos do Império, “mas foi às alturas após o levante de 1935”.
“Após a Revolução de 1917 na Rússia, o anticomunismo ganhou dimensão muito maior e o discurso do medo se fortaleceu. Foi, inclusive, uma das justificativas para o golpe militar de 1964”, diz Cunha.
Além da reação violenta do governo Vargas para reprimir os amotinados no Rio de Janeiro, Natal e Recife -principais locais da insurreição- a intentona de 1935 fracassou por falta de planejamento, conforme reconheceram os próprios líderes do movimento.
Apoiada pela Internacional Comunista, que enxergava no Brasil um terreno fértil para expansão do socialismo no mundo, o objetivo de Prestes e da ANL era preparar o país para a derrubada do regime e ascensão de um governo popular, mas com estratégia, organização e, de preferência, sem derramamento de sangue.
Em 23 de novembro, um sábado, acontecimentos no Rio Grande do Norte precipitaram os fatos. No quartel do 21º Batalhão de Caçadores, em Natal, um grupo de militares de baixa patente liderado pelo sargento-músico Quintino Clementino de Barros rendeu os oficiais de plantão e ordenou: “Os senhores estão presos em nome do capitão Luiz Carlos Prestes”.
Não houve resistências. A partir daí, os insurgentes, liderados por Quintino e apoiados por grupos civis organizados (como o sindicato dos estivadores), tomaram o quartel e ocuparam locais estratégicos: o palácio do governo, a Vila Cincinato (residência oficial do governador), a estação ferroviária e as centrais de eletricidade, telefônica e telegráfica.
Informado sobre os tumultos que se espalhavam pela cidade, o governador potiguar Rafael Fernandes e demais autoridades civis e militares fugiram e se esconderam na casa de aliados.
Durante três dias, a cidade esteve sob domínio dos rebeldes, que emitiram um decreto destituindo o governador, fundaram um jornal chamado “A Liberdade”, proclamaram um governo revolucionário-comunista e tomaram medidas populistas: gratuidade nos bondes, confisco de alimentos nos mercados, saques forçados na agência local do Banco do Brasil e distribuição do dinheiro à população.
Após a ação de forças legalistas locais, com apoio federal, os rebeldes fugiram para o interior e o governador Fernandes foi reconduzido ao cargo.
“Foi o primeiro, único e fugaz governo soviete na história do Brasil”, registra o historiador Helio Silva no livro “1935 – A Revolta Vermelha”, sobre os acontecimentos em Natal.
Os acontecimentos também foram registrados pelo escritor, historiador e folclorista Câmara Cascudo (1898-1986), que nasceu e morou praticamente a vida toda em Natal. “Sem direção sistemática, ocultas as autoridades, espavorido o povo, Natal foi presa fácil”, escreveu, sobre o “governo comunista”.
Os acontecimentos em Natal se precipitaram de tal maneira que não houve tempo de avisar o comando da ANL, no Rio de Janeiro, cujos líderes planejavam o melhor momento para eclodir a revolução em nível nacional. “Para mim foi uma surpresa”, diria Prestes, posteriormente.
No domingo, 24 de novembro, foi a vez do Recife, onde a insurreição também começou no Batalhão de Caçadores local e logo se espalhou pela capital pernambucana e Olinda. Houve tiroteio de várias horas entre rebeldes e tropas legalistas, que resultou em mortes dos dois lados e recuo dos comunistas, encerrando o tumulto.
No Rio de Janeiro, o levante chegou no dia 27 de novembro, sob o comando do oficial Agildo Barata, ligado ao partido comunista e lotado no 3.º Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha. Alertadas pelos acontecimentos ocorridos no norte do país, as forças legalistas sob o comando do general Eurico Gaspar Dutra, comandante do 1.º Exército, agiram rapidamente.
O movimento foi violentamente sufocado poucas horas depois dos primeiros tiroteios ocorridos na capital federal. O número oficial de mortes, assim como ocorreu no Nordeste, nunca foi contabilizado de maneira exata.
Era o fim da Intentona Comunista e começo de uma época de perseguições e prisões de militantes de esquerda por parte do governo federal em todo o país, entre eles o escritor Graciliano Ramos. Por conta do que tratava como ameaça comunista, o presidente Vargas conseguiu instaurar, sem grandes dificuldades políticas, a ditadura do Estado Novo, em 1937.