ANA POMPEU
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
Em discurso de boas-vindas a Luiz Fux, o ministro Gilmar Mendes afirmou nesta terça-feira (11) que a Segunda Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) construiu uma história de salvaguarda das liberdades contra o que chamou de autoritarismo forjado nos anos da Lava Jato.
Os dois tiveram uma discussão em uma sala do Supremo no mês passado, na qual Gilmar chamou o colega de “figura lamentável” e lhe recomendou “terapia para se livrar da Lava Jato”. Fux foi um dos ministros do Supremo mais alinhados à força-tarefa da operação, e Gilmar, um dos mais críticos.
A declaração nesta terça foi dada no início da primeira sessão de Fux no colegiado, depois de ele ter pedido para deixar a Primeira Turma, responsável pelos julgamentos da trama golpista de 2022.
“A Segunda Turma se consolidou como instância jurisdicional fielmente comprometida com a preservação das garantias individuais contra o autoritarismo penal ardilosamente forjado nos anos de auge da Operação Lava Jato”, disse Gilmar, decano da corte.
“Por isso, o resgate da memória institucional deste colegiado é crítico para preservação dos valores democráticos conquistados através de lutas históricas contra o arbítrio. Em verdade, as decisões proferidas por este órgão no período mais agudo de erosão das garantias processuais penais pós-1988 transcendem sua contingência temporal para cristalizarem-se como legítimos antídotos de resistência democrática”, continuou.
Presidente da Turma, ele afirmou ainda que a Lava Jato cometeu “manipulação sistemática de regras” em “estratégia deliberada de concentração de poder jurisdicional que subvertia princípios basilares do sistema acusatório”.
Segundo decano, a decisão do STF de declarar parcial a conduta de Sergio Moro, então juiz relator da operação em Curitiba e hoje senador pelo União Brasil do Paraná, foi um divisor de águas na história jurídica brasileira. Na ocasião, em junho de 2021, Fux ficou vencido, ao lado de Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Marco Aurélio.
“A declaração de suspeição do ex-magistrado Sergio Moro foi mais que uma simples correção processual; foi o desnudamento de uma metodologia de subversão do sistema acusatório, que operou por anos a fio sob o manto da legalidade formal”, declarou.
Por fim, Gilmar afirmou ser com base nesses precedentes que Fux é recepcionado no colegiado.
“É assim, ministro Fux, que a sua vinda a este colegiado fá-lo herdeiro de uma tradição e de uma responsabilidade históricas de custodiar os princípios estruturantes da democracia constitucional brasileira.”
Fux comunicou que pretendia deixar a Primeira Turma após se isolar nos julgamentos sobre a trama golpista e se envolver em discussão com Gilmar sobre seu voto pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Como revelou a coluna Mônica Bergamo, o decano disse ao colega que ele é uma “figura lamentável” e que precisa de terapia para superar traumas. “Vê se consegue fazer um tratamento de terapia para se livrar da Lava Jato”, disse o ministro.
A transferência dos ministros entre as turmas está prevista no regimento interno do Supremo. Fux, um dos mais antigos na Primeira Turma, tinha preferência no pedido.
De início, ele indicou a colegas que gostaria de manter sua participação nos julgamentos da trama golpista, mas não formalizou o pedido.
Fux comunicou os colegas da Primeira Turma sobre seu pedido de mudança no fim de outubro. Ele disse que a troca do colegiado era um acordo feito com o ministro Luís Roberto Barroso. “É bastante usual [a mudança]. Eu sempre perdi na antiguidade. Como Barroso se aposentou, tive de fazer esse movimento imediatamente”, disse.
Com a mudança, a Primeira Turma passou a ficar com um ministro a menos. Integram o colegiado os ministros Flávio Dino (presidente), Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin. A vaga será ocupada pelo indicado do presidente Lula (PT) para o lugar de Barroso.
A Segunda Turma, por sua vez, tem, além de Gilmar e Fux, os ministros André Mendonça, Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques.
A primeira sessão de Fux no colegiado terminou com uma discussão entre Toffoli e Mendonça. Eles debatiam um processo que questiona em que tribunal deve ser analisada uma ação por danos morais movida por um juiz federal contra um procurador do MPF (Ministério Público Federal).
Durante a leitura de seu voto, André Mendonça citou um voto de 2021 de Toffoli em um recurso sobre este mesmo caso. O colega viu nas citações uma tentativa de Mendonça desvirtuar seu voto.
“Vossa excelência está deturpando o meu voto, com a devida vênia”, disse Toffoli. André respondeu: “Não estou”. O relator reforçou que “o senhor está botando palavras no meu voto que não existiram”.
André Mendonça releu o trecho do voto antigo de Toffoli e disse que, em sua interpretação, a posição correta a se adotar no caso seria a divergente do relator.
“Vossa excelência interpreta o meu voto, e eu interpreto o seu”, disse Toffoli na sequência. André Mendonça afirmou que o colega poderia interpretar seu voto da forma que quiser e que o colega estava “um pouco exaltado […] sem necessidade”.
Toffoli respondeu: “Eu fico exaltado com covardia”.