A semana final de Luís Roberto Barroso na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF) foi animada: teve jantar com os ministros, festa com juízes, entrevistas à imprensa, discurso em plenário, declarações públicas. O início da gestão Edson Fachin, marcado para esta segunda-feira, 29, inaugura uma virada de chave no estilo de comandar o Judiciário. A ordem agora é cortar gastos, priorizar decisões tomadas em conjunto e reforçar a institucionalidade do tribunal.
Logo na chegada, Fachin entrou na contramão de seus antecessores e encomendou uma posse modesta. O ministro recusou a festa tradicionalmente oferecida por entidades da magistratura a quem chega ao mais alto posto do Judiciário. Normalmente, o evento tem banda, jantar, bebidas. O cenário é um convite ao beija-mão de juízes e advogados ao novo presidente.
Fachin tomará posse apenas na cerimônia do plenário do STF, que será regada a água e café. Seus antecessores no cargo ouviram o Hino Nacional entoado por Maria Bethânia, Daniela Mercury, Fagner e Caetano Veloso. Fachin quis prestigiar o coral formado por servidores do STF na execução do hino. Uma funcionária do Supremo vai acompanhar ao piano.
Na mesma toada, Fachin avisou à equipe que, como presidente do Supremo, vai evitar viagens em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Prefere voos de carreira. Nos últimos anos, outros integrantes da Corte passaram a voar com a FAB para evitar tumulto e eventuais ataques por parte de outros passageiros.
Embora Fachin tenha dado ordem para que a posse seja minimalista, ele pediu para serem convidados todos os 81 senadores e boa parte dos deputados federais. Foram expedidos cerca de 3 mil convites.
A ideia é passar a imagem de que está disposto a dialogar com o Congresso Nacional em um momento de tensão institucional. Enquanto o Senado guarda dezenas de pedidos de impeachment contra ministros do tribunal, o Supremo se prepara para iniciar o julgamento de processos contra parlamentares por desvios de recursos públicos por meio de emendas.
Em caráter reservado, um funcionário do tribunal afirmou que o alto número de autoridades convidadas tem potencial para gerar confusão, porque não há espaço para tanta gente no plenário. E, provavelmente, os parlamentares não vão se contentar a ir até o tribunal para assistir à cerimônia através de um telão instalado em outra sala.
Visita aos gabinetes
Nos dias anteriores à posse, Fachin procurou individualmente cada ministro do STF para pregar a importância de decisões no plenário. Também disse aos colegas que vai definir a pauta de julgamentos de forma coletiva, com a participação de todos.
Hoje, Barroso faz isso de maneira individual, com a ajuda de integrantes de sua equipe. Como presidente, Fachin quer se reunir com todos semanalmente para definir, em conjunto, os processos a serem levados ao plenário.
A mudança no estilo da gestão é uma das táticas para conferir maior colegialidade ao tribunal. De forma reservada, ministros consideram que Fachin será, neste ponto, mais agregador do que Barroso. Na avaliação de alguns colegas, o ministro que deixa agora o comando do tribunal tomou muitas decisões sozinho. Essa atitude, pensam, acaba encorajando decisões individuais.
Fachin não é de frequentar eventos sociais – nem promovidos pelos colegas, muito menos por parlamentares ou outras autoridades. De hábitos simples, gostava de andar de mãos dadas com a desembargadora Rosana Fachin, com quem é casado. Em Brasília, costumavam ir ao cinema aos finais de semana. Depois que o STF passou a ser mais atacado, abandonou o hábito.
O estilo discreto dá a Fachin a vantagem de não ser criticado por encontrar empresários ou outros grupos de poderosos com interesses no Supremo. Por outro lado, por circular pouco, não tem relação tão estreita com vários colegas. Esse será um dos grandes desafios ao liderar os outros dez ministros.
O novo presidente do Supremo tem pela frente também o desafio de transformar em continente uma Corte hoje dividida em ilhas. A segmentação deve-se a pelo menos dois fatores: as frequentes decisões individuais e as declarações públicas de parte dos ministros sobre o tribunal e a vida política.
Fachin está no time mais silencioso do Supremo: não é afeito a entrevistas, redes sociais ou a comentários sobre o País. A expectativa é que, nos próximos dois anos, continue assim. Porém, quando o tribunal for atacado, deve aumentar o tom de voz para sair em defesa da instituição. A diferença é que deve fazer isso de forma institucional, não em entrevistas frequentes.
Após os ataques de 8 de janeiro, Fachin não se furtou na defesa do tribunal. Em janeiro deste ano, discursou em evento dedicado a lembrar os dois anos das invasões às sedes dos Três Poderes. “Precisamos sempre lembrar do que aconteceu, para que não se repita. Precisamos lembrar sempre do que aconteceu para que novas gerações não se esqueçam das dores de uma ditadura e dos males que o autoritarismo traz”, declarou.
Em novembro do ano passado, após o indiciamento de Bolsonaro e outras 36 pessoas pela trama golpista, Fachin deu rara declaração a jornalistas: “São fatos, sim, graves, que devem ser apurados, mas a democracia brasileira é maior do que isso tudo”.
E ponderou que “tudo isso deve ser visto nas etapas devidas, da forma adequada, com respeito ao devido processo, ampla defesa e todas as garantias que a Constituição e as leis preveem aos indiciados, acusados e depois para os réus, se vier uma ação penal”.
Saída de cena
Nas últimas semanas, Fachin tem dado sinais de que pretende conduzir um tribunal mais discreto. Em eventos, discursou em defesa de um Supremo distante dos holofotes.
Mas nem todos os planos dependem dele para darem certo. Foi-se o tempo que o presidente do STF era o protagonista do Judiciário. Hoje, devido ao perfil mais político de alguns integrantes, essa preponderância se deslocou. É frequente a menção no noticiário especialmente a Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Flávio Dino.
Para tirar o tribunal do centro das atenções, o ministro precisa, no entanto, contar com a sorte. Com perfil semelhante, Rosa Weber tomou posse na presidência do tribunal em setembro de 2022 para um período de apenas um ano no cargo: ela completou 75 anos em outubro do ano seguinte e, por isso, foi obrigada a se aposentar. O plano de gestão discreta foi atropelado pelo 8 de janeiro.
Na saída da presidência, Barroso disse esperar que a pacificação do País deve ser retomada gradualmente quando forem concluídos os julgamentos da tentativa de golpe. Fachin não participará dos julgamentos, que são conduzidos pela Primeira Turma. Mas deve ser ativo na defesa da Corte diante dos esperados ataques de aliados de Jair Bolsonaro, diante da expectativa de novas condenações.
Punitivistmo e direitos humanos
Aos 67 anos, Fachin nasceu no Rio Grande do Sul, mas foi criado no Paraná. Ainda na Faculdade de Direito, foi repórter do Diário do Paraná, hoje extinto. Depois de formado, atuou como advogado de minorias e professor de Direito. Em 2015, Dilma Rousseff escolheu Fachin para substituir Joaquim Barbosa, que decidira antecipar a aposentadoria.
Em janeiro de 2017, ganhou projeção ao herdar a relatoria dos processos da Lava Jato de Teori Zavascki, que morreu em um acidente aéreo. Fez dobradinha com Sérgio Moro, que conduzia as investigações em Curitiba. Fachin costumava assinar embaixo do que Moro determinava. O Estadão revelou, com exclusividade, em abril de 2017, a lista de Fachin, que colocou o alto escalão político sob investigação no âmbito da Lava Jato.
Em março de 2021, Fachin determinou a anulação de todas as decisões tomadas pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) nas ações penais contra o presidente Lula, tornando-o elegível.
O ministro também se destacou como relator do processo que ficou conhecido como ADPF das Favelas. Decidiu limitar a atuação de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia da covid-19. Também foi relator do processo do Marco Temporal. Foi dele a posição que conquistou a maioria no plenário para beneficiar povos indígenas na demarcação de terras.
Fachin ainda não listou suas prioridades na pauta do STF. Entre as ações polêmicas hoje paradas no tribunal está a descriminalização do aborto, que conta apenas com o voto favorável que Rosa Weber deixou antes de se aposentar.
O mais provável é que o novo presidente fuja de temas grandiosos, ao menos no primeiro momento: para a primeira semana à frente do STF, Fachin incluiu na pauta de julgamentos processo sobre uma área de proteção ambiental em Rio Branco e outro sobre o pagamento de honorários por perícias solicitadas pelo Ministério Público.
Estadão Conteúdo