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Política & Poder

É preciso criar leis trabalhistas para o home-office, diz Pochmann

Presidente do Instituto Lula há um ano, Pochmann afirma que vem realizando no âmbito da entidade debates sobre o assunto, ainda embrionários

FolhaPress

25/01/2022 11h31

Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

Fábio Zanini
São Paulo, SP

Ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o economista Márcio Pochmann, 59, defende a criação de uma espécie de CLT digital, que assegure direitos básicos para as novas formas de trabalho.

“O mundo do trabalho de certa forma não se enquadra mais na perspectiva salarial tradicional”, afirma ele, que é uma das principais vozes ligadas ao PT no estudo das relações trabalhistas.

Presidente do Instituto Lula há cerca de um ano, Pochmann afirma que vem realizando no âmbito da entidade debates sobre o assunto, ainda embrionários.

“É importante, dialogando com o futuro, ter algo que dê conta das diferentes realidades que o país tem”, afirma ele, que também é professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e da Universidade Federal do ABC.

Neste início de pré-campanha presidencial, o tema trabalhista tem estado no centro das discussões econômicas, principalmente após o anúncio do PT de que pretende revogar, ao menos em parte, a reforma aprovada no governo de Michel Temer (MDB) em 2017, que flexibilizou direitos e criou novas modalidades, como o trabalho intermitente.

Para Pochmann, a discussão que precisa ser feita é até que ponto retornar ao status quo anterior aumentará a massa de assalariados.

“Se vencer essa visão de que temos de desfazer tudo e voltar a ser o que era em 2016, a situação do emprego melhora?”, questiona. “Significa o quê, para o pessoal das plataformas digitais, dessa nova forma de relação de trabalho?”.

Por isso, diz ele, faz sentido olhar para a frente, tentando oferecer respostas a uma situação laboral que mudou drasticamente nos últimos anos, com o advento de trabalhadores por aplicativos e do home-office, intensificado pela pandemia.

O paralelo que ele faz é com a Consolidação das Leis do Trabalho, criada em 1943 no governo de Getúlio Vargas, que atendia a necessidades hoje em larga medida superadas.

“A CLT é uma carta para quem trabalha fora de casa. Mas a era digital impõe a possibilidade de trabalhar em qualquer lugar. Por isso, é que é preciso uma carta do trabalho que olhe isso também”, afirma.

Ela terá apelo, acredita, para diversos segmentos da sociedade, em especial os trabalhadores mais novos, que nunca tiveram uma carteira assinada. “Temos uma parte da juventude hoje que jamais teve relação salarial. Se você acredita que é possível o assalariamento voltar a crescer, tem que explicar como vai fazer isso”.

Pochmann não detalha que tipo de direitos para as novas formas de trabalho essa CLT digital teria, e afirma que os debates que têm sido feitos ainda são iniciais.

Também afirma que não chegou a levar a proposta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tampouco à Fundação Perseu Abramo, órgão ligado ao PT, que vem fazendo discussões para subsidiar o programa de governo presidencial.

O Instituto Lula, ressalva o economista, não está diretamente envolvido na produção do plano que será apresentado na campanha deste ano.

No plano que será encampado pelo ex-presidente e novamente candidato, formas de proteção aos chamados “uberizados” deverão ser incluídas. O partido defende também o fim, ou ao menos regras mais rígidas, para o modelo intermitente, em que a menor proteção aos trabalhadores.

A inspiração, já admitida pelo próprio Lula, é a chamada contrarreforma trabalhista na Espanha, em que um governo de esquerda busca reverter a flexibilização efetuada por conservadores no começo da década passada.

No Brasil, afirma Pochmann, a mudança foi ainda mais radical, por ter envolvido também uma reforma sindical, que fragilizou organizações que representam trabalhadores.

O que está claro, para ele, é que as reformas de caráter liberal empreendidas pelos governos de Temer e Jair Bolsonaro (PL) não cumpriram o que se anunciava em termos de criação de empregos e crescimento econômico.

“As promessas que foram apresentadas não resultaram de forma concreta naquilo que se dizia que aconteceria. As finanças não melhoraram com o teto de gastos. As questões trabalhista e previdenciária também não, e assim por diante”.

De forma mais geral, diz o economista, ficou evidente que é um equívoco atribuir exclusivamente ao Estado os problemas de falta de crescimento ou ineficiência, como pregam muitos liberais.

“A maioria política que se constituiu a partir de 2016 [após o impeachment da presidente Dilma Rousseff] parte do pressuposto de que os problemas centrais do Brasil vêm do Estado, e portanto mudando o Estado, reformulando o Estado, reduzindo o Estado, eles vão sendo resolvidos. Isso é uma inverdade, nunca ocorreu no Brasil e que eu saiba em nenhum outro lugar”, diz.

A mudança desse paradigma, acredita, dependerá da capacidade de um eventual governo Lula de construir maiorias políticas no Congresso, que olhem para o longo prazo.

“Temos hoje um debate sobre a gestão das emergências: põe o teto, tira o teto, com meta de inflação, sem meta de inflação, muda ou não a lei trabalhista. No Brasil, os governos se transformaram numa espécie de pronto-socorro”, diz.

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