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Política & Poder

Deputado que apalpou colega em SP retoma mandato, mas segue ‘desaparecido’ para a Justiça

A ação motivada pela deputada Isa Penna, que foi apalpada por Cury durante uma sessão no plenário em dezembro passado, está parada

FolhaPress

06/10/2021 20h48

Carolina Linhares
SÃO PAULO, SP

Ainda não localizado pela Justiça desde abril, o deputado estadual Fernando Cury (Cidadania-SP), denunciado sob acusação de importunação sexual pelo Ministério Público de São Paulo, retomou nesta quarta-feira (6) seu mandato na Assembleia Legislativa após o fim da punição de 180 dias de afastamento.

A ação motivada pela deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), que foi apalpada por Cury durante uma sessão no plenário em dezembro passado, está parada à espera de que o deputado forneça sua defesa prévia. Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, no entanto, ainda não conseguiu localizá-lo para fazer essa intimação.

Em abril, os deputados da Assembleia votaram de forma unânime para afastar Cury por seis meses, sem direito a remuneração. O deputado havia obtido uma vitória no Conselho de Ética da Casa, que aprovou afastamento de apenas 119 dias –mas a pressão da deputada fez com que a pena fosse ampliada.

Agora, com Cury frequentando a Assembleia, a expectativa de Isa e de suas advogadas é que ele seja finalmente notificado e que o processo penal destrave. “Voltando a ser deputado, ele tem o endereço comercial dele, que é o gabinete, então ele vai ter que receber [a notificação]. Não tem mais como desviar”, afirma a deputada à reportagem.

Isa, porém, diz que será difícil reencontrar Cury na Casa. “Meu sentimento é de indignação. É muito indignante, mas a luta continua na esfera do processo criminal. Eu estou me preparando para não ser pega desprevenida ou sozinha, não vou andar sozinha. E vou fazer de tudo pra ele não se reeleger.”

A deputada afirma ainda que esse tema deixa o clima na Casa pesado, mas serviu de lição. “A Assembleia entendeu que o caso de assédio que aconteceu aqui foi um marco histórico, e, a partir disso, a Casa precisava dar respostas. Definitivamente, nossa reação vai inibir o comportamento dos deputados. Quando a gente denuncia, tem um efeito de onda, vai encorajando outras mulheres.”

Na Assembleia, Isa aprovou o projeto de lei “Dossiê Mulher Paulista”, que obriga a elaboração de estatísticas periódicas sobre mulheres vítimas de violência. A deputada também criou a plataforma Dossiê Mulheres, para orientar mulheres vítimas de violência.

Cury foi procurado pela reportagem, mas não deu declarações até a publicação deste texto. Depois de ser apalpada, Isa levou o caso ao Ministério Público, que ofereceu a denúncia em março. Antes de analisar se aceita a denúncia e torna Cury réu, o desembargador João Carlos Saletti, do TJ-SP, determinou em 12 de abril que o deputado fosse notificado e oferecesse uma defesa prévia em 15 dias.

A ordem para notificar Cury foi enviada à comarca de Botucatu (SP), já que o deputado ofereceu seu endereço residencial no centro da cidade. Segundo os registros no processo, o oficial de Justiça esteve na casa de Cury “nos dias 2 e 24 de maio de 2021, e 2 e 7 de junho de 2021, às 15h55, 9h15, 16h10 e 16h35, respectivamente”, mas não o encontrou.

Nesse período, Cury registrou em suas redes sociais momentos em família, em casa, bem como atividades políticas, como visitas a aliados de cidades vizinhas e até a presença em um evento do governador João Doria (PSDB) no Palácio dos Bandeirantes. Também durante esse período, Cury se manifestou na imprensa a respeito da denúncia, e sua defesa atuou em outros processos relacionados ao caso, o que levou a Promotoria a pedir urgência na notificação.

“Aparentemente, o deputado vem acompanhando os procedimentos e processos, habilitando-se espontaneamente nos autos e se manifestando quando de seu interesse. Sendo assim, aguarda-se a notificação do denunciado, com urgência, para que apresente sua resposta, possibilitando-se o regular prosseguimento do feito”, afirmou o procurador Mario Antonio de Campos Tebet em 13 de setembro.

Desde então, a Justiça iniciou uma nova rodada de tentativas para localizar o deputado nos endereços que ele forneceu, bem como determinou a notificação por edital, que significa publicar a intimação no Diário Oficial com um prazo –o que pode levar meses. Em outra frente, Cury também conseguiu atrasar seu processo de expulsão do Cidadania, que, mais de dez meses depois, está na etapa final e depende da deliberação do diretório paulista do partido.

Ainda em dezembro, a legenda afastou-o das atividades partidárias e deu início ao trâmite de expulsão no conselho de ética -mas o deputado entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJ-DFT), o que paralisou o caso.

Cury questionava etapas da tramitação e alegava ter tido sua defesa cerceada. Somente em agosto passado, uma decisão do juiz Carlos Fernando Fecchio Dos Santos, da 20ª Vara Cível de Brasília, determinou que a ação de expulsão fosse retomada, com a condição de que Cury e suas testemunhas fossem ouvidas. O partido marcou a oitiva para 14 de setembro -Cury pediu o adiamento na Justiça e recorreu da decisão que destravou a tramitação da expulsão, mas teve os pedidos indeferidos.

O deputado, então, decidiu não prestar seu depoimento de defesa, argumentando que a ação no TJ-DFT ainda não transitou em julgado. O Cidadania, por sua vez, deu andamento ao processo e, em 15 de setembro, o conselho de ética voltou a recomendar a expulsão de Cury. Agora, o processo foi remetido para o diretório paulista, que dará seguimento à expulsão. Ainda não há data prevista para reunião do colegiado.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, Cury fez reuniões políticas mesmo afastado do mandato e divulgou benefícios a prefeituras que diz ter conquistado junto ao governo Doria –o deputado compõe a base de apoio do tucano na Assembleia. O suplente que assumiu o mandato nesse período, Padre Afonso Lobato (PV), manteve parte dos assessores de Cury, inclusive os ligados à campanha, ao partido ou à região de atuação do deputado do Cidadania.

A Folha de S.Paulo revelou que, dos 17 funcionários lotados no gabinete de Padre Afonso, 10 foram “herdados” do gabinete de Cury, incluindo a ex-chefe de gabinete Regiane Cristina Mendes. Ela testemunhou a favor de Cury perante o Conselho de Ética da Assembleia.

Isa buscou o Ministério Público para denunciar as atividades políticas do deputado, mas, após investigação, o órgão decidiu, em agosto, arquivar o caso argumentando que “a realização ou participação em eventos de cunho político ou mesmo partidário não é suficiente para caracterizar ato inerente ao ofício parlamentar”. Também em agosto, o TJ-SP determinou que o estado barre a nomeação de Cury para o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Condeca).

A medida liminar atende a solicitação apresentada pela Promotoria da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo, que acatou representação de Isa. No dia 15 de agosto, Cury foi eleito para um mandato de dois anos no colegiado. O caso Em dezembro do ano passado, Cury foi flagrado pelas câmeras da Assembleia Legislativa de São Paulo apalpando a lateral do corpo de Isa durante uma sessão plenária.

No Conselho de Ética da Casa, com a ajuda de deputados conservadores e religiosos, Cury obteve uma punição de 119 dias de afastamento enquanto Isa pleiteava a cassação de seu mandato. No entendimento de Cury e seus aliados, seu gabinete não precisaria ser desmobilizado e seus funcionários demitidos nesse período, mas a Procuradoria da Casa esclareceu que o suplente assumiria independentemente do tempo de pena.

O caso foi do Conselho de Ética ao plenário, em abril, sob a decisão do presidente da Casa, Carlão Pignatari (PSDB), de que não caberia aumentar a punição, apenas referendá-la ou não. Isa, no entanto, insistiu na cassação. Com o apoio de mulheres da Casa, de esquerda e de direita, e de uma série de líderes de partidos que discordavam da pena de 119 dias, o plenário construiu um acordo para a suspensão de 180 dias.

Cury acabou condenado à perda temporária do exercício do mandato por seis meses em votação unânime do plenário da Assembleia em 1º de abril. Tornar possível o aumento da pena foi considerado uma vitória por Isa, apesar de a tese da cassação não ter prosperado.

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