IDIANA TOMAZELLI
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O aviso dado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) de que é irregular seguir o piso da meta fiscal, em vez do centro, gerou insegurança dentro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que já fala na possibilidade de acionar o Judiciário para resolver o impasse.
A AGU (Advocacia-Geral da União) vai recorrer da decisão da corte de contas, o que suspenderia sua aplicação até a análise definitiva do tema. No entanto, em julgamentos anteriores, o tribunal já disse que, mesmo durante o chamado “efeito suspensivo” do recurso, o gestor público “não está autorizado a praticar atos contrários à determinação recorrida, sob pena de cometer grave infração à norma legal”.
Em outras palavras, os técnicos que assinam os documentos de execução orçamentária poderiam ser punidos no futuro por autorizar uma contenção menor de despesas com base no argumento de que o recurso ainda não foi julgado.
Segundo um integrante da equipe econômica, a existência desse entendimento gerou insegurança no governo, que pretende pedir para o TCU não só rever o mérito da decisão, mas também se manifestar sobre o alcance desse efeito suspensivo.
“A AGU já está fazendo os pedidos adequados justamente para evitar que tenhamos surpresa lá na frente”, disse na segunda-feira (29) o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
O tema da meta é crucial para a condução da política fiscal em 2025 e 2026, ano eleitoral. Neste ano, o alvo central é um déficit zero, mas a margem de tolerância prevista na lei do arcabouço fiscal permite um resultado negativo de até R$ 31 bilhões. A previsão mais recente do governo é um déficit de R$ 30,2 bilhões, ou seja, dentro do intervalo da meta.
Se prevalecer a decisão do TCU, o governo precisará buscar mais R$ 30 bilhões em receitas para cobrir o déficit, fazer uma contenção de despesas nesse mesmo valor ou promover um mix entre as duas medidas para chegar ao resultado zero.
Em 2026, o impacto potencial da decisão do TCU seria da ordem de R$ 34 bilhões, que é o tamanho da margem de tolerância da meta fiscal (equivalente a 0,25% do PIB). Em um cenário de desaceleração da economia e das receitas, não poder contar com a banda pode forçar ajustes e atrapalhar os planos do governo em pleno ano eleitoral.
Um integrante da equipe econômica disse à reportagem que o Executivo está seguro dos argumentos jurídicos para seguir o piso da meta fiscal. Ainda assim, essa fonte reconhece a insegurança diante dos precedentes do TCU.
Outros dois interlocutores do governo ouvidos pela reportagem lembram que um impasse semelhante ocorreu durante o julgamento das pedaladas fiscais, no governo Dilma Rousseff (PT). As pedaladas envolveram a autorização de gastos sem previsão no Orçamento e o atraso no repasse de recursos a bancos oficiais para o pagamento de benefícios sociais e subsídios.
O TCU alertou ainda em 2014 que as práticas eram irregulares, e o governo recorreu da decisão. Na época, um grupo defendia a correção imediata dos problemas, enquanto outro apostava na proteção do efeito suspensivo até o momento do veredito final -posição que acabou prevalecendo.
No fim, o tribunal não só manteve o entendimento como ainda apontou que o ajuste, feito apenas no fim de 2015, deveria ter acontecido imediatamente após o primeiro aviso. A condenação acabou servindo de fundamento para o impeachment de Dilma em 2016.
Um dos interlocutores avalia que, para se blindar desse risco, o governo teria três saídas: fazer uma contenção imediata de R$ 30 bilhões para alcançar o alvo central deste ano, mudar a meta fiscal ou mudar a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para deixar claro que as decisões podem ser tomadas com base no limite inferior da banda.
Dessas três opções, a equipe econômica descarta as duas primeiras, mas passou a articular a terceira em paralelo ao recurso no TCU.
Emissários do governo estão em contato com o relator da LDO de 2026, deputado Gervásio Maia (PSB-PB) para tentar alterar o texto e incluir expressamente uma autorização para perseguir o piso da meta fiscal.
A proposta já havia sido feita no projeto original, enviado em abril deste ano, mas foi rejeitada no parecer que Maia apresentou à CMO (Comissão Mista de Orçamento) na semana passada. No texto, ele repete o texto da LDO de 2025 -que manda seguir o centro da meta e foi a base da decisão do TCU.
Procurado, o relator da LDO de 2026 disse que ainda está conversando com o governo sobre o tema. “Não tenho como falar nada enquanto a gente não alinha mais [a posição]”, afirmou.
Na avaliação de um técnico experiente na área de orçamento, o governo deveria, por prudência, alterar também a LDO de 2025, que teve o senador Confúcio Moura (MDB-RO) como relator. Sua equipe disse que não houve qualquer contato nessa direção até o momento.
Nesta terça-feira (30), a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais), responsável pela articulação política do governo, chamou a decisão do TCU de ilegal e disse que o Executivo pode buscar o Judiciário para revertê-la.
“Nós vamos fazer o recurso. Espero que eles tenham um bom senso de rever a posição, e ela é ilegal. Se o TCU não rever, com certeza o Judiciário vai rever”, disse. “O TCU não pode mudar o entendimento da lei”, acrescentou.
Segundo a ministra, o tema também foi discutido durante almoço entre Lula e os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), do qual ela também participou.
“Conversamos hoje com os presidentes da Câmara e do Senado, até porque o TCU é um órgão auxiliar do Poder Legislativo, para que também os presidentes conversem com o TCU e tomem as medidas cabíveis para reverter essa decisão”, disse.