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Política & Poder

Condenação de bolsonaristas à prisão por perturbar Moraes envolveu atropelos

A denúncia contra eles foi oferecida pelo Ministério Público de São Paulo, e a decisão pela prisão, em regime aberto, do TJSP

FolhaPress

23/06/2022 7h13

Foto: Banco de imagens

Renata Galf
São Paulo, SP

Uma dupla de manifestantes bolsonaristas foi condenada no mês passado a 19 dias de prisão por perturbação do sossego com gritaria e algazarra devido a um ato em maio de 2020 em frente ao prédio em que mora o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal.

A denúncia contra eles foi oferecida pelo Ministério Público de São Paulo, e a decisão pela prisão, em regime aberto, partiu do Juizado Especial Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Para delitos de menor gravidade, a legislação conta com as chamadas medidas despenalizadoras, que visam diminuir os processos no Judiciário e o encarceramento e que não foi oferecida aos bolsonaristas.

A Folha procurou advogados para que comentassem o processo e a decisão.

Segundo eles, houve problemas nas justificativas do MP-SP para não propor medidas aos acusados que evitassem a pena de prisão e mesmo o andamento do processo. Os advogados também criticaram a fundamentação da sentença e disseram que o juiz poderia ter atuado a favor de medidas despenalizadoras.

Os dois bolsonaristas condenados são Jurandir Pereira Alencar, 60, e Antonio Carlos Bronzeri, 66. Eles fizeram o protesto contra Moraes com pelo menos outras 15 pessoas, utilizando uma caixa de som acoplada ao carro de Jurandir.

Eles também faziam parte de um grupo que acampava desde o início da pandemia em uma praça no entorno no Ibirapuera. O mote do acampamento era o “Fora Doria”.

Em entrevista à Folha nesta semana, acompanhado de seus advogados, Jurandir afirmou que, “se não fosse a interferência direta dele [Moraes], não haveria nada disso”, em referência à condenação.

Segundo ele, os atores envolvidos no processo tiveram que dar continuidade ao caso com medo de represálias. “Todo sistema teve que trabalhar em prol de uma ditadura.”

“A condenação vem de uma pressão causada por um erro lá na base”, afirmou. “Se esse indivíduo [Moraes] tivesse seguido aquilo que está escrito na Constituição, nós não estaríamos aqui. Qual a dúvida disso? É justo ou injusto?”

A defesa completou: “O que ele quis dizer é que, se a vítima fosse qualquer outra pessoa, não teria nem virado processo”.

A defesa sustenta que não houve contravenção de perturbação de sossego e questiona que apenas os dois tenham sido presos.

Diante da pergunta se recorreria da decisão, respondeu que Jurandir ainda não tinha sido intimado e, quando isso ocorrer, serão verificados quais meios e medidas jurídicas cabíveis.

Bronzeri também foi chamado para a entrevista, mas segundo o advogado da dupla, ele não falaria neste momento.

OS PROCESSOS

Na data da manifestação, segundo a denúncia, foram proferidos xingamentos contra Moraes e usadas expressões como “advogado do PCC”, “ladrão”, “corrupto”, “veado”, “maricas” e “nós iremos defenestrá-los da terra”.

Conforme os depoimentos do processo, a polícia foi acionada por seguranças do ministro. Bronzeri e Jurandir foram presos em flagrante e soltos após pagamento de fiança.

Dias depois, o MP-SP ofereceu uma denúncia por crimes contra a honra, ameaça e perturbação de sossego, que foi aceita pelo TJ-SP, tornando ambos réus.

Naquele mesmo mês, a dupla voltou a ser presa, sob argumento de estarem descumprindo medidas cautelares.

Enquanto estavam na prisão, o juiz entendeu que a Justiça Estadual não seria competente para julgar o caso, por se tratar de crimes contra funcionário público federal, o que acarretou no desmembramento do processo em dois.

Isso porque a juíza federal aceitou a denúncia, mas apenas para os crimes contra a honra e de ameaça. Ela também converteu a prisão em domiciliar, e a dupla foi solta após 49 dias na prisão.

O MP-SP então reapresentou a denúncia, desta vez apenas com referência à perturbação de sossego —por não ser competência federal julgar contravenções penais. Afirmou ainda que deixava de propor aos denunciados a transação penal e a suspensão condicional do processo.

Cumpridos certos requisitos, esses benefícios podem ser oferecidos pela Promotoria, incluindo penas como multa ou prestação de serviços comunitários. Aceitas e seguidas as condições, o processo não teria andamento.

A transação penal é a opção mais benéfica e se aplica para delitos com pena máxima de até dois anos. Já a suspensão condicional é usada para casos em que a pena mínima seja de até um ano. A pena máxima por perturbar o sossego é de três meses, e a mínima, de 15 dias.

A promotora argumentou que os dois já estavam sendo processados na Justiça Federal por outros crimes contra Moraes, com penas que excediam dois anos.

“Ele [o MP-SP] considerou como se todos os crimes estivessem no mesmo processo, para juntar as penas e não oferecer um benefício. Ele não pode fazer isso”, disse a advogada criminalista Anamaria Prates Barroso.

Além disso, segundo a criminalista Ana Carolina Moreira Santos, é muito incomum que sejam utilizadas a má conduta social ou personalidade dos agentes como justificativa para o não-oferecimento da transação penal. “É só para casos, de fato, que têm uma gravidade que salta aos olhos.”

Conforme constam no processo, logo após o MP-SP reapresentar a denúncia, o juiz Luiz Guilherme Angeli Feichtenberger, do Juizado Especial Criminal, afirmou que seu recebimento ou não seria analisado em audiência de instrução.

De acordo com o advogado criminalista Hugo Leonardo, o Judiciário poderia, por exemplo, ter designado outro promotor que oferecesse os benefícios previstos em lei.

AS CONDENAÇÕES

A sentença de condenação a 19 dias de prisão em regime aberto foi assinada pelo juiz José Fernando Steinberg.

A lei prevê que penas de prisão de até quatro anos podem ser substituídas por alternativas, como pagamento de multa ou prestação de serviços comunitários, desde que cumpridos certos requisitos.

O argumento do juiz para a não-substituição foi a “má conduta social dos condenados, cujas personalidades indicam a insuficiência dessa benesse”, que também foi utilizado para aumento da pena mínima em dois dias e para não determinar a suspensão da pena.

Na Justiça Federal, em contraposição, Jurandir foi condenado pelo crime de injúria a dois meses e 20 dias de detenção e a pena que foi substituída por prestação de serviços à comunidade.

Sobre a conduta social e personalidade do réu, a juíza federal escreveu: “Nada digno de nota foi constatado além do desvio que o levou à prática delitiva”. Ele foi inocentado dos crimes de ameaça e difamação.

Já Bronzeri aceitou um acordo oferecido pelo Ministério Público Federal.

Para Hugo Leonardo, a diferença das duas sentenças é muito gritante. “A sentença da Justiça Estadual é caótica”, diz. “Tomou decisões carregadas de subjetivismos e de argumentações repisando os mesmos elementos para piorar a situação dos acusados.”

A advogada Ana Carolina avalia que o rigor aplicado na sentença de perturbação do sossego pode estar criando um precedente perigoso. “Abre a possibilidade que manifestações democráticas possam ser atingidas pela mesma lei.”

OUTRO LADO

Procurado pela Folha, o MP-SP afirmou que: “As manifestações do MP-SP foram fundamentadas e acolhidas pelo Poder Judiciário que, ao final, decidiu pela condenação dos réus”.

Já o TJ-SP afirmou que os magistrados não podem se manifestar fora dos autos por vedação legal e que o tribunal não emite nota sobre questão jurisdicional.

Afirmou ainda que os juízes têm independência funcional para decidir e que ela é uma garantia do próprio Estado de Direito. “Quando há discordância da decisão, cabe às partes a interposição dos recursos cabíveis, previstos na legislação vigente.”

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