Danielle Brant e Ranier Bragon
FolhaPress
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (31) o requerimento de urgência do projeto que muda a legislação eleitoral e prevê quarentena de cinco anos para militares e juízes, traz restrições às pesquisas eleitorais e esvazia regras de fiscalização e punição a candidatos e partidos que façam mau uso das verbas públicas.
A urgência foi aprovada por 322 votos a 139. O texto será votado pelo plenário na quinta-feira (2). Depois, segue para o Senado. Para valer para as eleições de 2022, precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro até o início de outubro.
O projeto, relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), aliada do presidente da Câmara, Arhur Lira (PP-AL), pretende revogar toda a legislação eleitoral e estabelecer um único código eleitoral. Um dos dispositivos inseridos recentemente prevê uma quarentena de cinco anos para que militares, policiais, juízes e promotores disputem eleições. A medida deve valer apenas a partir do pleito de 2026.
Pelo projeto, a inelegibilidade não afeta juízes, membros do Ministério Público, militares e policiais que estejam no exercício do mandato eletivo ou que já tenham exercido mandato até a publicação do código. São 905 artigos no relatório de Margarete Coelho, que revogam seis leis. Há várias alterações em relação à legislação atual.
Deputados de partidos de centro-direita reclamaram do açodamento da votação da urgência. A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) apresentou, no início da apreciação do requerimento, questão de ordem para pedir que o código passasse por uma comissão especial, mas teve o pedido negado por Lira. Entidades de defesa da transparência apontam uma série de retrocessos e de atropelos no debate.
O projeto estabelece, entre outros pontos, censura a pesquisas eleitorais, para que elas só possam ser divulgadas até a antevéspera da eleição. O texto determina que os institutos que fazem esses levantamentos informem um percentual de acertos das pesquisas realizadas pela entidade ou empresa nas últimas cinco eleições. O dispositivo é criticado por especialistas, que lembram que as pesquisas retratam a realidade de determinado momento, não o voto dado.
Além disso, dá amplo poder aos partidos para usar como bem entenderem as verbas do fundo partidário, que distribui a cada ano cerca de R$ 1 bilhão às legendas. Não raro, siglas têm usado essas verbas para gastos de luxo, na aquisição de carros e aeronaves, e em alguns dos restaurantes mais caros do país. Ao mesmo tempo, esvazia significativamente o poder de análise da Justiça Eleitoral das contas de partidos, ao delimitar a apuração das prestações de contas entregues anualmente pelas legendas.
Segundo o dispositivo, a análise deverá se restringir a verificar se as siglas receberam recursos de fontes vedadas ou de origem não identificada e se destinaram as cotas estabelecidas na lei para suas fundações e para o incentivo à participação das mulheres na política. O prazo para a Justiça Eleitoral analisar as contas partidárias cai de 5 para 2 anos. Se isso não ocorrer, o processo pode ser extinto.
As propostas de mudança, que têm grande respaldo na Câmara, também blindam partidos e candidatos de algumas punições. Um ponto torna muito mais difícil a cassação do mandato de parlamentares por irregularidades na campanha, como a compra de votos –para que haja essa possibilidade, terá que ser provado que o candidato usou de violência para coagir o eleitor.
Um dos trechos do projeto blinda candidatos de “quaisquer causas de inelegibilidade infraconstitucionais que ocorram após o registro da candidatura”, conforme manifesto da campanha Freio na Reforma, cuja lista de pontos mais preocupantes foi entregue ao Congresso e ao Judiciário.
A campanha foi lançada por entidades de defesa da transparência, lideradas pelo movimento Transparência Partidária. Nesta terça, divulgaram uma lista com 20 pontos que consideram os principais retrocessos no projeto, sendo 5 os mais preocupantes.
São eles: o que permite ao Congresso Nacional cassar resolução do TSE, o que permite aos partidos utilizarem o fundo partidário para qualquer tipo de despesa, o artigo que acaba com o sistema da Justiça Eleitoral usado para prestação de contas partidárias, o que retira do TSE o poder de regulamentar os procedimentos para prestação de contas partidárias e de campanha e o que retira o caráter jurisdicional das prestações de contas partidárias.
Isso torna “os procedimentos meramente administrativos e estabelece R$ 30 mil como valor máximo para multar os partidos por desaprovação de suas contas”, afirma o texto divulgado pelas entidades. Outro exemplo nesse sentido é o de revogar dispositivo da Lei da Ficha Limpa que torna inelegíveis políticos que renunciem aos mandatos para escapar de eventual cassação.
Antes de essa regra vigorar, em 2010, era comum políticos abrirem mão do mandato quando avaliavam haver risco real de serem cassados. Com a manobra, eles podiam novamente concorrer nas eleições seguintes, o que não ocorreria no caso de cassação -que acarreta inelegibilidade.
O transporte irregular de eleitores é descriminalizado e se torna infração cível, punida com multa de R$ 5.000 a R$ 100 mil. Além disso, o texto revoga crimes como boca de urna e comício no dia da eleição. Eles também passam a ser infração cível punível com multa de R$ 5.000 a R$ 30 mil.
O texto abre brecha também para que, se não ficar comprovado dolo (intenção) específico, seja possível utilizar recursos do fundo partidário para quitar multas relativas a atos infracionais, ilícitos penais, administrativos ou eleitorais ou para a quitação de encargos decorrentes de inadimplência de pagamentos, tais como multa de mora, atualização monetária ou juros.
O projeto também inclui um dispositivo, apelidado de “cláusula Tabata”, que busca proibir parlamentares de usarem compromissos firmados com fundações ou movimentos de renovação política para justificar infidelidade partidária. Além disso, também regulamenta os mandatos coletivos, com candidatura regulada pelo estatuto do partido político e autorizada em convenção. Segundo o texto, independentemente do número de componentes, a candidatura coletiva será representada formalmente por um único candidato oficial.
Entre os mais 900 artigos, o projeto também ressuscita a propaganda partidária obrigatória na TV e rádio, medida que havia sido extinta como argumento de economia para a criação do fundão eleitoral.