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Política & Poder

Bolsonaristas perdem motor de mobilização com versão ‘moderada’ do presidente após o 7 de Setembro

O voto impresso naufragou, o STF não foi enquadrado pelo presidente e Bolsonaro trocou a ameaça de golpe por uma carta de paz

FolhaPress

06/10/2021 20h06

Foto: Reprodução

Carolina Linhares
SÃO PAULO, SP

Um mês após os protestos do 7 de Setembro, ativistas e deputados bolsonaristas avaliam que as mobilizações de milhares nas ruas de São Paulo, Brasília e outras capitais tiveram efeito político positivo e descartam seu teor antidemocrático, mas admitem que os problemas apontados ali ficaram mal resolvidos e que não aconteceu o que esperavam.

O voto impresso naufragou, o STF (Supremo Tribunal Federal) não foi enquadrado pelo presidente e Jair Bolsonaro trocou a ameaça de golpe por uma carta de paz articulada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB). Se, por um lado, o discurso de trégua de Bolsonaro é desacreditado, por outro lado, o movimento inesperado ainda traz consequências para a base ativista um mês depois.

Agora sem contar com ataques tão constantes ou tão inflamados do presidente aos demais Poderes, a mobilização bolsonarista perdeu seu motor e está desarticulada -não há novos protestos marcados embora haja menções a um possível ato em 15 de novembro.

No lugar de liberdade de expressão, voto impresso e basta ao STF, outras pautas florescem na base bolsonarista, como a oposição à obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19. Ativistas ouvidos pela reportagem, porém, não abandonaram o apoio a Bolsonaro nem a esperança de implementar o voto impresso ou trocar ministros do STF.

Sem uma solução definitiva levada a cabo pelo presidente, esses temas foram adiados para as próximas legislaturas ou estão em compasso de espera –a expectativa era de que o STF retribuísse o aceno de pacificação aliviando as ações contra bolsonaristas.

“Bolsonaro está tentando ser mais político. O que ele vem falando agora? O nosso problema, além do Judiciário, é termos um Senado que não fiscaliza esse Judiciário. Então, ele está preocupado em eleger uma bancada de senadores no ano que vem”, afirma o empresário Patrick Folena, coordenador do movimento Avança Brasil.

O deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP), que participa das articulações de ativistas, vai na mesma linha. “Falta informação à população, porque o caminho não é o fechamento do Supremo. Existem formas legítimas alternativas”, diz ele, mencionando a própria troca de ministros aposentados. “O povo pode participar mudando o Senado, mas não é informado disso. Precisamos eleger um Senado conservador e, consequentemente, teremos um STF conservador”, completa.

No 7 de Setembro, inflados por falas antidemocráticas de Bolsonaro, os ativistas buscaram dar um verniz de legalidade a protestos que, segundo eles, pediam democracia e liberdade. Mas, de forma contraditória com a propagada pautada, muitos se sentiram traídos e decepcionados quando o presidente recuou da ameaça de golpe. Cartazes por intervenção militar e gritos de “eu autorizo” traziam a expectativa de que Bolsonaro cumprisse seu ultimato.

Um mês depois, no entanto, prevalece entre os ativistas o rechaço ao golpe e a leitura de que Bolsonaro agiu de forma estratégica. “O presidente foi o mais inteligente de todos. Mostrou para a nação e para o mundo quem era o Poder intransigente e belicoso, que não era ele”, diz Lúcio Flávio Rocha, líder do Foro Conservador, fórum de grupos que surgiu em apoio à Marcha da Família Cristã.

O ativista diz ter ficado surpreso, mas não frustrado, pois esperava que Bolsonaro continuasse tensionando e agisse para que os outros Poderes ouvissem as ruas “por meio do conselho da República, dentro da Constituição, com caminhos legais”.

“Esperávamos que o STF retroagisse em alguma coisa. Mas Bolsonaro ofereceu a mão e o STF continua intransigente. O presidente saiu maior e o STF saiu pequeno”, resume. Para ele, não houve tentativa de golpe, pois as Forças Armadas não foram mobilizadas e o presidente estava a favor da população.

Ainda assim, Rocha considera que a missão do dia 7 foi cumprida. “Acho que os Poderes entenderam o recado, o que não significa dizer que esses Poderes estão submetidos à vontade popular. Se o STF ou o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] vão atender sua vontade ou a vontade da nação, isso ultrapassa o ato de rua.”

Agora, o grupo se mobiliza para uma série de audiências públicas pelos estados do país para combater o chamado passaporte da vacina, medida que considera “discriminatória, preconceituosa e autoritária”. “Não somos contra a vacina, mas contra sua obrigatoriedade”, diz ele, chamando prefeitos e governadores de “mini ditadores”.

Para Bolsonaro, o tema da vacina continua mais em voga do que o voto impresso ou as ações do ministro Alexandre de Moraes, do STF. Sua recusa em submeter-se às regras de vacinação ficou clara na viagem a Nova York (EUA) para a Assembleia-Geral da ONU, o que inspirou sua base.

Rocha afirma, no entanto, que segue acreditando no voto impresso e diz ser preciso insistir em meios de modificar o STF, com revogação da PEC da bengala, impeachment de ministros ou a longo prazo, com eleição de novos senadores. “É um impasse, não tem muito o que fazer. Mas Bolsonaro continua apoiando essas pautas. Ele não está fazendo ativismo com o mesmo ímpeto porque já disse o que deveria.”

Sem a orientação de pauta única orquestrada nas redes, os xingamentos a Moraes entre bolsonaristas perderam espaço para outros temas, como fake news sobre vacinas, além de ataques à CPI da Covid, à grande mídia e ao PT.
Há quem não tenha engolido o recuo de Bolsonaro e insista na pressão. Num grupo de Telegram com mais de 9.000 membros, um homem diz que o 7 de Setembro mostrou que o presidente “é mole” e que ele “se acovardou”. Outro propõe a ocupação das ruas de forma pacífica e constante -algo que parte dos caminhoneiros tentou no feriado da Independência, mas acabaram desautorizados por Bolsonaro.

“Um presidente que representa uma nação não pode ir para o tudo ou nada, ele tem limites. Bolsonaro tomou uma decisão inteligente, de dialogar”, defende o deputado estadual Danilo Balas (PSL-SP), que estava ao lado do presidente no caminhão de som, na avenida Paulista, no dia 7.

“O 7 de Setembro foi democrático, nos trouxe que Bolsonaro tem apoio da população e está fazendo um ótimo trabalho”, diz Balas. Segundo sua visão de cima, havia mais de um milhão de pessoas no ato –a Polícia Militar divulgou 125 mil.

Balas afirma que o voto impresso “é página virada no Congresso”, mas não para os brasileiros, assim como a liberdade de expressão é “assunto que nunca sai da pauta”. “Mas se ficarmos todo mês indo para a rua, acaba enfraquecendo as pautas”, diz.

Na opinião do deputado, Bolsonaro acertou ao buscar diálogo, e o STF acenou de volta e “só por ter recebido [o presidente], mesmo que por contato telefônico”. Folena, do movimento Avança Brasil, diz que o 7 de Setembro “foi positivo no sentido de mostrar que a direita está mobilizada, que o Brasil se tornou de direita, mas, na pauta, a gente não foi atendido”.

Ele lembra que bolsonaristas como Roberto Jefferson (PTB) e Daniel Silveira (PSL-RJ) seguem presos, o que considera “inadmissível” porque, em sua visão, eles foram punidos por “crime de opinião”. Para ele, a bola está com o STF. “A situação estava bem tensa no dia 7, mas Bolsonaro, como líder e estadista, recuou, e agora a espera o sinal do Judiciário. A sociedade está aguardando, esperando boa vontade”, diz.

“Se continuar essa injustiça, logo, logo vamos voltar a cobrar. O povo se mobiliza e vai pra rua do mesmo jeito, com ou sem aval do presidente”, completa. Um bom sinal do Judiciário, segundo Folena, foi o anúncio do presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, de uma comissão de transparência das urnas eletrônicas, da qual faz parte o Exército.

Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, o STF vem ignorando os pedidos para que Bolsonaro seja investigado pelos discursos golpistas do 7 de Setembro. Por outro lado, o Supremo e o TSE abriram apurações sobre o financiamento dos atos, e Moraes mantém seu cerco aos bolsonaristas.

O ativista, assim como outros colegas, ecoa o discurso de pacificação. “Diminuíram os ataques tanto do presidente como da sociedade ao STF devido ao recuo e a um amadurecimento de entender o jogo político. O presidente vai nomeando os ministros, é uma mudança gradativa, não existe solução mágica.”

Folena afirma que não esperava golpe. “Bolsonaro sempre foi claro ao dizer que joga nas quatro linhas da Constituição. Eu esperava uma coisa mais enfática, mas usando a Constituição, algum artigo legal para atuar contra esses absurdos, mas o presidente teve que agir dessa forma porque foi o permitido”, diz.

Tenente Lessa, que participou da organização dos atos, diz ser preciso separar “expectativas pessoais e ações factíveis” para não cair em “equívocos desnecessários”. “Nós temos quer prudência ao nos manifestarmos. A gente tem uma serie de expectativas, mas, se em relação ao arcabouço jurídico, não dá para colocar em prática, são só expectativas”, afirma o ativista.

“O ideal é ter cautela, ponderação para discernir os acontecimentos e as consequências. Bolsonaro foi feliz no que fez”, diz o bombeiro a respeito da carta. A questão do voto impresso, para Lessa, ficou para 2024 ou 2026, mas não deve ser esquecida. Assim como o que chama de “aberração jurídica” -o fato de um mesmo juiz, Moraes, investigar e julgar.

“Agora se vai resolver? Depende dos próprios integrantes do STF, vamos observar e acompanhar”, diz ele, propondo foco também na defesa da prisão em segunda instância e no fim do foro especial. Coronel Tadeu também diz acreditar que Bolsonaro não abandonou o voto impresso e que o tema não está vencido –ficou para uma próxima legislatura. O que ainda dá tempo de fazer, diz o deputado, é aprovar a reforma tributária.

Na sua avaliação, agora o clima é favorável, “de tranquilidade e harmonia entre os Poderes”. O deputado diz que o STF parou de “colocar pessoas atrás das grades sem necessidade”. “O 7 de Setembro foi muito positivo. Pela quantidade de pessoas que compareceu e por fazer com que o clima de tensão que havia fosse distensionado. Se resolveu da melhor forma, com conversa. Eu não torcia para uma atitude radical”, completa.

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