ANGELA BOLDRINI E ANA POMPEU
SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, deixa o cargo nesta segunda-feira (29) frustrando setores de movimentos feministas que esperavam dele a iniciativa de avançar a ação que pretende descriminalizar o aborto até as 12 primeiras semanas de gestação no Brasil.
Barroso é considerado um voto garantido a favor do relaxamento das leis penais sobre a interrupção voluntária da gravidez, e inclusive atuou como advogado na ação que liberou o aborto em casos de anencefalia, em 2012.
Apesar disso, o ministro vem repetindo que o país não estaria preparado para votar a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442, proposta pelo PSOL. Nos bastidores, o entendimento é de que Barroso acredita não haver votos suficientes no tribunal para a descriminalização, e, além disso, o clima político seria ainda mais tensionado com a retomada do julgamento.
Grupos feministas que atuam no lobby pela descriminalização, porém, se viram frustrados pelo discurso de Barroso. Na avaliação dessas organizações, o presidente do STF perde uma janela de oportunidade de pautar a ação e se pronunciar, já que novas configurações de tribunal podem ser ainda mais conservadoras.
Há também uma disputa em torno da contagem de votos dos ministros nos bastidores. Uma ala, por exemplo, contabiliza o ministro Alexandre de Moraes como um provável voto pela descriminalização –por causa de suas decisões recentes em ações ligadas a medidas tomadas pelos conselhos de medicina para restringir o aborto legal.
A ADPF 442 conta hoje com apenas um voto, a favor da descriminalização. A então ministra Rosa Weber iniciou a análise da ação em setembro de 2023, antes de deixar a presidência do tribunal (que repassou a Barroso) e se aposentar.
Rosa votou a favor da descriminalização, argumentando que a lei restritiva sobre aborto que vigora hoje no Brasil não considera “a igual proteção dos direitos fundamentais das mulheres, dando prevalência absoluta à tutela da vida em potencial (feto)”.
A relatora levantou questões acerca da autonomia corporal, igualdade de gênero e o papel estatal na regulamentação de aspectos da vida reprodutiva. Ela criticou a criminalização do procedimento e destacou que essa perspectiva para lidar com problemas que envolvem o aborto não é a política estatal adequada.
A ministra decidiu abrir o julgamento antes da aposentadoria como forma de marcar posição, e de garantir ao menos um voto a favor da descriminalização -pela regra atual, ao menos, os substitutos não refazem as posições deixadas pelo ministro anterior, embora haja discussões sobre mudar essa dinâmica no tribunal.
A decisão se provou acertada do ponto de vista dos defensores do aborto legal, já que o novo ocupante da cadeira que foi de Rosa, Flávio Dino, é conhecido por ser fervorosamente católico.
Logo após o voto de Rosa, em movimento combinado com a relatora, Barroso pediu destaque. Esse movimento interrompe o julgamento e o leva ao plenário presencial para ser reiniciado, desde as sustentações orais dos advogados. Para ser retomado, no entanto, precisa ser pautado pelo presidente do STF.
Após a frustração com Barroso, os grupos feministas pretendem articular com o novo presidente, Edson Fachin, o andamento Em 2016, quando a Primeira Turma da corte entendeu que o aborto não é crime se feito até o terceiro mês de gestação, a decisão foi tomada com os votos de Barroso, Fachin e Rosa. A decisão foi tomada em um caso concreto, sem repercussão geral. Mas animou setores feministas para articularem a construção da ADPF 442, apresentada em 8 de março de 2017.
O temor é que, mesmo com dúvidas sobre o placar final neste momento, um eventual governo à direita que assuma em 2027 poderia complicar ainda mais o cenário.
Isso porque o próximo presidente da República terá a prerrogativa de indicar três ministros para a corte, com as aposentadorias de Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, que completarão 75 anos durante esse ciclo presidencial.
Os votos dos três são considerados incertos. Fux é visto com maior probabilidade de votar contra a ação, enquanto Cármen e Gilmar dividem opiniões.