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Política & Poder

Assassinato de Villavicencio foi um complô contra a esquerda, diz Rafael Correa

Villavicencio era um crítico do ex-presidente e chegou a ter a casa invadida pela polícia durante o governo de Correa

Redação Jornal de Brasília

18/08/2023 16h51

Foto: AFP

FÁBIO ZANINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Ex-presidente do Equador entre 2007 e 2017 e figura central na eleição marcada para o próximo domingo (20), Rafael Correa, 60, afirma que o assassinato do candidato Fernando Villavicencio, no último dia 9, é um complô para prejudicar a vitória de sua aliada na disputa presidencial, Luisa González.

“Há uma campanha nas redes culpando-nos pela morte. Quem ganha com isso é a extrema direita, pois sabiam que íamos vencer no primeiro turno, e isso nos tirou pontos nas pesquisas”, diz Correa à Folha de S.Paulo.

Villavicencio era um crítico do ex-presidente e chegou a ter a casa invadida pela polícia durante o governo de Correa, que afirma, no entanto, ter sempre respeitado a lei ao lidar com o candidato hoje morto.

Correa está no México, de onde acompanha a eleição no Equador. Ele não pode retornar ao país sob o risco de ser preso, devido a uma condenação por corrupção. A eventual vitória da aliada, diz ele, não teria impacto sobre uma eventual reversão da decisão judicial, que, segundo ele, virá “mais cedo que tarde”.

Pergunta – Qual o impacto do assassinato de Villavicencio na campanha?

Rafael Correa – É um crime claramente político. Basta analisar como o entregaram aos assassinos. Ele estava sob proteção policial, era alvo de várias ameaças de morte. E o colocam dentro de uma camionete sem motorista, desligada, que não era seu carro. Ele havia chegado em um carro blindado, já havia se comunicado com seus guarda-costas, que esperavam que ele saísse pela porta de trás [do prédio onde estava], como era o protocolo de segurança. Mas o retiram pela porta da frente, em uma rua muito movimentada. Como se explica isso? Entregaram-no à morte porque é um complô, uma conspiração política, com envolvimento da polícia. Ele estava em quarto ou quinto nas pesquisas, não ia ganhar nunca, então era mais útil morto do que vivo. E para nos prejudicar, já que somos seus arquirrivais políticos.

Agora há uma campanha brutal nas redes culpando-nos pela morte. Quem ganha com isso é a extrema direita, pois sabiam que íamos vencer no primeiro turno, e isso nos tirou pontos nas pesquisas.

P. – O Equador corre risco de se tornar um Estado falido?

R.C. – Pode haver vinculação de narcotráfico [no crime], e não excluo a participação da CIA [a agência de inteligência dos EUA]. Villavicencio trabalhou para a CIA, e a CIA quer evitar que nós ganhemos. Sobre ser um Estado falido, a resposta, lamentavelmente, é sim. O crime organizado está infiltrado no Estado.

P. – Villavicencio era um crítico do sr., chamou seu governo de corrupto e autoritário. A casa dele foi invadida pela polícia em 2013, no período em que o sr. era presidente. Como descreve sua relação com ele?

R.C. – Villavicencio era meu inimigo político, me caluniava. Tinha apoio na Promotoria, nos meios de comunicação, e podia destroçar a reputação das pessoas. Mesmo se alguém morre em um acidente, a natural empatia das pessoas com a vítima faz com que se gere também uma aversão a seus adversários. Pior ainda se é um crime brutal. Mas como nosso governo respondia [às acusações dele]? Com a lei na mão, numa sociedade civilizada. Jamais ele correu risco de integridade física. Agora, mataram-no.

P. – Seu governo é acusado de ter perseguido jornalistas também.

R.C. – Vemos jornalistas que diziam não haver liberdade de expressão no meu governo, mas quando tiveram de usar colete à prova de balas? Agora eles têm de fugir do país por ameaças. Agora há atentados contra a liberdade de imprensa. Essa acusação é injusta. Como me criticavam se não havia liberdade de imprensa?

P. – Muitos dizem que, se sua candidata, Luisa González, vencer, o sr. é quem vai governar dos bastidores.

R.C. – Nós fazemos um trabalho de equipe, somos um projeto político, não somos aventureiros. Ela é quem conduzirá o governo. Claro, como ex-presidente de um governo muito exitoso, algo terei a dizer.

P. – O sr. vai influenciar o governo, indicar ministros?

R.C. – De maneira alguma, mas, conhecendo a Luisa, ela vai me consultar sobre muitas coisas. Se eu puder ser útil, posso ajudar.

P. – A vitória dela ajudaria na aprovação de uma anistia que o permita voltar ao Equador?

R.C. – Não quero ser soberbo, mas não necessito disso. Estamos destroçando as acusações. Estamos ganhando tudo. Sem dúvida isso será derrubado mais cedo que tarde. Foi pura perseguição política.

P. – Com que forças políticas ela governaria? Pode adotar o modelo Lula, atraindo centro e até centro-direita?

R.C. – Se tiver que ser feito um governo de unidade nacional, bem-vindos a todos que queiram se unir para resgatar o país. Mas não a qualquer custo. Sem passar linhas vermelhas, sem sacrificar os pontos fundamentais. Será impossível levar adiante o país com os que causaram esta tragédia nacional.

P. – Fala-se muito na “bukelização” da América Latina. O que o sr. pensa da política linha dura de Nayib Bukele em El Salvador? Ela pode vingar num país violento como o Equador?

R.C. – Não compartilho de suas práticas, mas temos que reconhecer algum mérito em Bukele. Sim, creio que pode haver essa tendência. A direita é especialista em criar problemas para vender soluções. Frente à exasperação do povo com o terror no Equador, as pessoas buscam soluções. [O candidato direitista Jan] Topic diz que a solução é portar armas ou mandar os criminosos para a selva. Não precisamos ir por aí. Respeitando os direitos humanos, com uma visão de segurança integral, já fizemos do Equador o segundo país mais seguro da América Latina.

P. – O sr. se preocupa com uma vitória de Javier Milei na Argentina?

R.C. – Um palhaço como Milei quebra a Argentina em três meses. O apoio que ele recebeu nas primárias não é um voto para ele. É um voto contra o sistema, contra os partidos tradicionais, uma advertência dos eleitores de que estão cansados do fracasso, da hiperinflação. Mas acho que isso vai mudar nas eleições definitivas.

P. – No domingo haverá também um referendo sobre a exploração de petróleo no parque Yasuni. Como o sr. se posiciona? Como vê a defesa do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, de encerrar a exploração de petróleo na região?

R.C. – Que Petro pare primeiro, então [risos]. Estamos de acordo em mudar o modelo, mas isso não significa parar com o petróleo, fechar as minas. Mas mobilizar esses recursos para desenvolver setores como turismo, indústria de tecnologia e, sobretudo, a sociedade do conhecimento: ciência, talento humano.

A consulta é uma armadilha para nos prejudicar, porque autorizei o início da exploração de Yasuni. Minha posição é votar não [à proibição da exploração], mas liberamos a militância. Colocar a questão como selva ou petróleo não é real. São 250 hectares que já tiveram intervenção entre 1 milhão de hectares. É como gastar US$ 0,25 de US$ 1.000 para obter milhares de dólares. Temos de conservar a selva, e estamos conservando 99,99% dela, mas precisamos de recursos para que nossas crianças não morram de diarreia.

RAIO-X | RAFAEL CORREA, 60

Presidente do Equador de 2007 a 2017, foi ministro da Economia (2005), professor de economia na Universidade São Francisco de Quito e diretor do Ministério da Educação. É graduado em economia pela Universidade Católica de Louvain (Bélgica), com mestrado e doutorado pela Universidade de Illinois (EUA).

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