A aposentadoria antecipada do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso carrega um duplo simbolismo que vai além da definição do seu substituto: o PT se tornará o partido com o maior número de indicações à Corte em perídios democráticos e Lula ficará ainda mais isolado no ranking de presidentes da Nova República que mais nomearam juristas para ocupar cargos na alta cúpula do Judiciário federal.
As últimas duas indicações realizadas por Lula neste mandato – os ministros Cristiano Zanin e Flávio Dino – fizeram o PT se igualar ao Partido Republicano Mineiro, uma das forças do tempo da República Velha, com 15 nomes de sua confiança no STF. Com a aposentadoria de Barroso, a quantidade subirá para 16.
Esse número de indicações por um mesmo grupo político só é superado pela ditadura militar em que os cinco generais presidentes indicaram, entre 1964 e 1985, 32 ministros do STF. Nos dois primeiros anos do regime, Castelo Branco nomeou cinco ministros ao STF. O então presidente ampliou o número de ministros da Corte de 11 para 16 por meio do Ato Institucional número 2, que iniciou o processo de recrudescimento da ditadura.
O ditador ainda foi responsável por outras três indicações. Costa e Silva indicou quatro nomes; Emílio Garrastazu Médici outros quatro; Ernesto Geisel, sete; e João Batista Figueiredo, nove.
Nos seus dois primeiros mandatos, de 2003 a 2010, Lula indicou oito ministros e a ex-presidente Dilma Rousseff outros cinco. A terceira passagem do petista pelo Palácio do Planalto lhe rendeu mais duas indicações. Na atual composição de 11 ministros da Corte, apenas quatro não chegaram ao tribunal pelas mãos dos governos petistas.
O PTB de Getúlio Vargas e João Goulart indicou outros quatro magistrados nos anos 1950 e 1960. Nos governos revolucionário, constitucionalista e ditatorial do Estado Novo, Vargas, sem partido, indicou 19 ministros.
Lula chegará a 11 indicações ao STF neste mandato e, caso seja reeleito no ano que vem, terá mais três nome para apontar à mais alta instância da Justiça brasileira. Ao final do seu ciclo na Presidência, somente Vargas, Manoel Deodoro (15) e Floriano Peixoto (15) – os dois últimos tendo sido os primeiros presidentes do País – terão feito mais indicações que Lula.
O alto número de indicações à Suprema Corte, contudo, não significa garantia de fidelidade desses mesmos ministros ao partido de plantão que governa o País. Nos 13 anos em que comandou a máquina pública federal, o PT amargou duras derrotas impostas por magistrados indicados por Lula e Dilma.
O caso mais recente é do ministro Luiz Fux, indicado por Dilma em 2011, que foi o único a votar pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros golpistas no julgamento realizado pela Primeira Turma do STF. Outro nome emblemático na lista de infiéis ao PT são Dias Toffoli, que impediu Lula de comparecer ao velório do irmão no período em que esteve preso e ainda se alinhou à gestão Bolsonaro.
Em 2018, os ministros Fux, Barroso, Fachin, Cármen Lúcia, Rosa Weber e Alexandre de Moraes votaram contra a concessão de habeas corpus a Lula, que havia sido condenado em segunda instância por denúncias de corrupção no âmbito da Lava Jato. Dessa lista, somente Moraes não chegou ao Supremo por indicação de presidentes filiados ao PT. A decisão dos juízes abriu caminho para que o petista fosse preso na carceragem da Polícia Federal (PF) em Curitiba, onde permaneceu por 580 dias.
Indicações de Lula
- Cezar Peluso: 2003 – 2012
- Ayres Britto: 2003 – 2012
- Joaquim Barbosa: 2003 – 2014
- Eros Grau: 2004 – 2010
- Cármen Lúcia: 2006 – hoje
- Ricardo Lewandowski: 2006 – 2023
- Menezes Direito: 2007 – 2009
- Dias Toffoli: 2009 – hoje
- Cristiano Zanin: 2023 – hoje
- Flávio Dino: 2025 – hoje
Partidos com mais nomeações
- PT: 15 ministros (pode chegar a 16 neste mandato e 19 caso Lula seja reeleito)
- PRM: 15 ministros
- PRP: 11 ministros
Veja o número de indicações de cada presidente
Nova República
- Jair Messias Bolsonaro (PL) -2
- Michel Temer (MDB) – 1
- Dilma Rousseff (PT) – 5
- Luiz Inácio Lula da Silva (PT) – 10
- Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – 3
- Itamar Augusto Cautiero Franco (MDB) – 1
- Fernando Affonso Collor de Mello (PRN) – 4
- José Sarney (MDB) – 5
Ditadura Militar
- João Baptista de Oliveira Figueiredo (Arena) – 9
- Ernesto Geisel (Arena) – 7
- Emílio Garrastazu Médici (Arena) – 4
- Artur da Costa e Silva (Arena) – 4
- Humberto de Alencar Castelo Branco (Arena) – 8
Segunda República
- João Belchior Marques Goulart (PTB) – 2
- Jânio da Silva Quadros (PTN) – 1
- Juscelino Kubitschek de Oliveira (PSD) – 4
- Nereu de Oliveira Ramos (PSD) – 1
- Eurico Gaspar Dutra (PSD) – 3
- José Linhares (nenhum) – 3
- Getúlio Dorneles Vargas (PTB) – 2
Ditadura do Estado Novo
- Getúlio Vargas (Estado Novo) – 19
República Velha
- Washington Luís Pereira de Sousa (Partido Republicano Paulista) – 4
- Arthur da Silva Bernardes (Partido Republicano Mineiro) – 5
- Epitácio da Silva Pessôa (Partido Republicano Mineiro) – 3
- Delfim Moreira da Costa Ribeiro (Partido Republicano Mineiro) – 1
- Wenceslau Braz Pereira Gomes (Partido Republicano Mineiro) – 4
- Hermes Rodrigues da Fonseca (Partido Republicano Conservador) – 6
- Nilo Peçanha (Partido Republicano Fluminense) – 2
- Affonso Augusto Moreira Penna (Partido Republicano Mineiro) – 2
- Francisco de Paula Rodrigues Alves (Partido Republicano Paulista) – 5
- Manoel Ferraz de Campos Salles (Partido Republicano Paulista) – 2
- Manoel Victorino Pereira (Partido Republicano Federal) – 3
- Prudente José de Moraes Barros (Partido Republicano Federal) – 7
- Floriano Vieira Peixoto (nenhum) – 15
- Manoel Deodoro da Fonseca (nenhum) – 15
Estadão Conteúdo