Apesar de considerar a base de apoio ao governo na Câmara Legislativa como “indisciplinada”, sua líder, Arlete Sampaio (PT), registra: todos os projetos de interesse do Buriti, mas todos mesmo, foram votados. “Ao fim, a base cumpre o papel que tem a cumprir, de ajudar o governo a aprovar seus projetos”, disse. Arlete, junto com outros relatores do Plano de Conservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB) dará expediente em janeiro, recesso legislativo, para viabilizar sua votação ainda no primeiro semestre. “Há uma queixa de que, além de propostas pouco discutidas, há no PPCUB termos inapropriados, que suscitam dupla interpretação”.
Que base estranha é essa que dá apoio ao governo na Câmara Legislativa, mas não atende ao apelo da líder e que só aparece às vezes?
Objetivamente, nós conseguimos votar todos os projetos de interesse do governo. Eu diria que a base é um pouco indisciplinada, mas ao fim das contas ela cumpre o papel que ela tem que cumprir, de ajudar o governo a aprovar seus projetos. Tivemos durante todo o ano uma agenda que reservava toda terça-feira para votarmos projetos do governo, coisa que no passado recente talvez não acontecesse. Tivemos na última semana, votações terça, quarta e quinta. Mas obviamente o acúmulo de projetos no último dia foi muito grande. Até porque o Executivo mandou de última hora projetos que só puderam ser apreciados nessa altura.
Mas o governo não recebeu apelos para que mandasse projetos com antecedência?
Pela experiência que eu tenho da Câmara do primeiro e segundo mandato, eu diria que foram poucos os projetos que chegaram de última hora. E houve a preocupação do governo e da parte dos deputados também de que os projetos de última hora não fossem polêmicos.
É necessário ter na base 21 dos 24 deputados?
Também não deve se colocar nesses termos, se é necessário ou não. Concretamente, 21 deputados aderiram à base. Então isso foi uma circunstância, em função da discussão do início do governo. Eu diria que eu prefiro as coisas com mais nitidez política. Entretanto, convivemos com essa realidade: o governo tem o apoio de uma ampla base de partidos. Uma coisa curiosa nessa legislatura é que há vários deputados que representam a si mesmos, ou seja, partidos de um único deputado. Há uma pulverização política muito grande na Câmara e a revoada de deputados para outros partidos não mudou essa realidade. Por exemplo, o PSD não elegeu um só deputado, passou a ter quatro deputados, hoje não tem nenhum e cada um deles foi para um canto diferente. Ao invés de reduzir a pulverização, ela foi ampliada, é uma realidade. O governo dialoga com todo esse conjunto de partidos e toda essa base ampla e pulverizada. Não é uma situação simples, não é fácil trazer para votar um deputado de um partido com único deputado.
No início do governo, se dizia que a relação seria diferente, com partidos e não com os deputados. É possível concluir que o diálogo com partidos não funciona?
É uma questão de como o próprio governador decidiu trabalhar. Ele dialoga mais com os parlamentares, embora haja um conselho político de partidos. Mas se você observar a própria composição do governo e as áreas de interesse dos parlamentares, verá que é muito mais direta a negociação do parlamentar do que com o partido.
Esse diálogo direto não causa um desgaste ao governador?
Acho que não desgasta. A gente vive uma realidade na representação partidária no Brasil que é muito curiosa. Somente uma profunda reforma política vai modificar. Que partidos efetivamente são partidos? Que partidos baseiam sua ação a partir de princípios e valores? O governador, nesse sentido, foi muito pragmático, dialogou principalmente com quem vota. E quando esses parlamentares têm influência no seu partido, também se reflete em apoio. É uma opção política. Talvez não fosse a minha se fosse governadora, mas é a do governador. Nesse aspecto ele foi muito eficiente de ter à disposição 21 deputados que a seu pedido, com as suas intervenções, trabalhem para a aprovação dos projetos de interesse do governo.
Qual seria sua forma de diálogo?
Analisando a política latino-americana, acho que há dois exemplos muito importantes que deveriam ser a opção do PT, não do governo. A Frente Ampla no Uruguai e a Concertação no Chile, para mim, parecem o caminho ideal. Você organiza uma frente partidária de centro-esquerda que dá a marca de esquerda do governo. Eu preferiria fazer uma aliança desse tipo se fosse governadora, mas talvez por isso não seja governadora.
O governador está com aprovação de 9%. É possível reverter isso até a eleição?
Isso veremos. Eu acho que o governo Agnelo hoje possui um legado enorme de realizações. O investimento feito por esse governo em 2013 é o maior da história do DF, R$ 2,3 bilhões. Então, onde você vai há obras do governo. Há realizações na área de saúde, embora a gente não tenha conseguido mudar a cara da saúde. Um dado que me parece muito significativo é que havia 213 leitos de UTI quando Agnelo assumiu. Em dois anos e meio, criou 231 leitos novos. Mas nós não sabemos comunicar, nossa comunicação tem sido ruim com a população. E há uma carga pesadíssima da oposição contra a pessoa do governador. Dependendo da maneira como a campanha se desenvolver, dos adversários que teremos pela frente e das alianças que eles forem capazes de fazer, nós temos chances, sim. Na verdade, não há uma rejeição gigantesca, há uma reprovação. É diferente. Rejeição é algo muito mais consolidado. No caso do Agnelo, o que é grande é a reprovação e talvez muito mais por desinformação. Costumo dizer que o governo é muito melhor do que parece.
Em diversas ocasiões, o PPCUB foi considerado prioridade,mas acabou não sendo votado em nenhuma delas. A votação acontecerá ainda neste governo?
Sem dúvida. Vai ser votado e nós não vamos descansar no mês de janeiro. Vamos trabalhar intensamente para que a gente possa melhorar o máximo possível o PPCUB, a ponto de poder votar sem resistência como as que nós estamos vendo por aí. Temos de compreender que parte das resistências são sinceras, no sentido de defender Brasília como patrimônio cultural da humanidade, e parte das resistências são uma construção político-partidária, já visando a disputa de 2014. Tem gente que quer derrotar o Agnelo para daí fazer inferências de que o PPCUB fazia isso e aquilo. O PPCUB não é uma coisa absurda. Contém imperfeições, imprecisões, mas não tem nada que agrida Brasília como patrimônio cultural. Pelo contrário, ele reafirma Brasília. E foi esse o sentido da retirada da primeira para o retorno agora, para que ele ficasse mais explícito como sendo um plano de preservação.
A senhora teme que votar o projeto com reprovação da população possa trazer prejuízo à imagem dos deputados e do governo?
Concordo com a posição que a presidenta do Iphan expressou no debate no Senado, ao dizer que Brasília precisa, sim, de um plano de preservação do conjunto urbanístico para que seja o documento balizador das ações fiscalizatórias do Iphan. Acho que Brasília precisa do PPCUB. Se não, não estaria entre as recomendações da Unesco que nós aprovássemos o PPCUB e um instrumento de gestão do patrimônio de Brasília. Realmente é uma deficiência séria que temos de superar.
A supressão dos pontos considerados polêmicos, por si só, viabiliza a aprovação do PPCUB?
Na verdade, o que os urbanistas se queixam é que não basta retirar, mas tem que ver o que pode se colocar no lugar. É esse o tipo de trabalho que nós vamos fazer agora em janeiro, para chegar a fevereiro em condições de já começar o processo de deliberação sobre o processo na Câmara, ou seja, nas comissões e no plenário.
As manifestações de junho foram um recado para os governos federal, estadual, do DF e também para o PT?
Sem dúvida. Acho que as manifestações foram uma puxada de orelha em todos nós. A gente tinha um discurso um tanto ufanista. Quando a gente analisa os programas sociais e afirma que foram tiradas da extrema pobreza 37 milhões de brasileiros, isso é um dado impressionante. Quando a gente afirma que a mortalidade infantil já ultrapassou as exigências dos objetivos de desenvolvimento do milênio, também é fantástico. Mas vamos botar o pé no chão e entender que isso não basta. A população está exigindo de nós muito mais do que isso. Está exigindo a qualidade dos serviços públicos, que a vida da população que mora nas áreas urbanas melhore, sobretudo na questão da mobilidade urbana. É inadmissível que a pessoa gaste duas horas para ir trabalhar e duas horas para voltar. É o inferno. A presidenta Dilma foi muito feliz quando foi para a televisão e fez aquela proposta dos pactos. O primeiro pacto, que foi colocado na gaveta pelo Congresso, é o centro do que nós deveríamos estar defendendo hoje no Brasil: a necessidade de um congresso constituinte para fazer uma reforma política. Esse Congresso Nacional não vai fazer reforma política, pelo menos a que é necessária, porque o foco é a perspectiva de reprodução dos mandatos atuais. Não há interesse de mudar as regras do jogo. E acho que o presidencialismo de coalizão não tem mais sentido nesse País.
A senhora chegou a anunciar que seria candidata à presidência do PT local.
Sim, mas desisti da candidatura porque não tenho mais idade para marcar posição. Eu seria candidata se tivesse a chance real de ganhar a disputa aqui em Brasília. Quando eu percebi que as forças que anunciaram que me apoiariam desistiram de me apoiar, eu retirei minha candidatura. Acho que nós temos muitos problemas no PT. O PT precisa de muita atualização programática e em Brasília precisa mudar algumas coisas. Eu defendia como candidata que partido é uma coisa, governo é outra coisa. O partido tem que ter alguma autonomia em relação ao governo, porque tem que ser o ponto crítico do governo. É isso que eu acho que tem que ser feito aqui no PT. Nessa próxima eleição já estamos com a chapa definida, Agnelo governador, Filippelli vice-governador. E temos a possibilidade de indicar um candidato a senador. O partido tem que indicar candidato próprio. Eu acho que o nome ideal aqui em Brasília é o do deputado Chico Leite. Porque ele acrescenta à chapa. Ele é importante para o partido e é importante para a chapa Agnelo-Filippelli ter uma pessoa do perfil do Chico Leite como candidato a senador.
A senhora se candidata no ano que vem?
Olha, eu sou partidária da renovação geracional. Acho que não tem sentido a gente ficar eternamente disputando eleições. Eu disputo eleições em Brasília desde 1986, quando fui candidata a senadora, antes mesmo da gente conquistar o direito de eleger governador. Fui candidata em todas as eleições, desde então. Fico pensando, vale a pena ser candidata a deputada distrital de novo, depois de ter sido por três mandatos? Nessa estrutura eleitoral do Brasil, tem como financiar uma campanha para deputada federal? Não tem. A minha opção agora é me dedicar à formação política de jovens e minha primeira apostila vai ser sobre o marxismo.
A senhora ainda acredita que o PT é um partido de esquerda?
Tenho absoluta convicção que sim. Agora, como todo ser vivo, ele não está parado no tempo, é dinâmico. Então, o PT nos seus primórdios foi um partido plural, até pela sua construção. As diversas vertentes que formaram o PT — a igreja progressista, o movimento sindical autônomo, as organizações de esquerda, os intelectuais comprometidos — construíram um partido que tinha que ser democrático e aberto. O PT nos seus primórdios tinha uma bandeira central, que era a conquista das liberdades democráticas e isso unificava o partido. Depois o partido começou a crescer na sua vida institucional e talvez isso tenha trazido algumas situações novas que nós temos como trabalhar. De repente, um parlamentar não era mais um filiado igual a outro filiado que não tinha cargo e partia para a ampliação da filiação partidária, não para o partido ficar mais forte, mas para que seu mandato possa ser reproduzido. A despeito disso, acho que o PT é o maior partido de esquerda do mundo e é uma referência para o movimento de esquerda do mundo inteiro.
Mesmo a Marina ou o PSOL?
Hoje eu vejo a Marina começar a defender algumas teses que são neo-liberais. Ela critica a política econômica do atual governo não pela esquerda, mas pela direita. Não há um partido mais à esquerda que o PT. Até alguns podem se dizer mais de esquerda, mas acho que é justamente uma esquerda doutrinária e voluntarista até, que acha que a vontade da gente acaba determinando a realidade. Aprendi muito tempo atrás que não é assim que funciona.