Por Renata Bueno*
Os últimos dados populacionais divulgados na Itália mostram um cenário silencioso, porém gravíssimo: o chamado “inverno demográfico” que está se intensificando de forma constante.
As projeções indicam que o país poderá perder mais de 4 milhões de habitantes até 2050, com a população atual de cerca de 59 milhões caindo para 54,7 milhões.
Trata-se de uma tendência que não apenas desafia o futuro econômico do país, mas que também compromete sua estabilidade social, cultural e identitária.
Esse declínio populacional é, sobretudo, reflexo direto da queda acentuada na taxa de natalidade. Em 2024, nasceram apenas 370 mil crianças, o número mais baixo já registrado na história italiana, representando uma queda de 2,6% em relação ao ano anterior. A taxa de fecundidade também despencou, atingindo 1,18 filhos por mulher, muito distante dos 2,1 necessários para garantir a renovação da população.
A crise, no entanto, não é recente. Desde 2008, os nascimentos diminuíram 34,3%, enquanto a idade média das mães no primeiro parto subiu para 32,6 anos. São números que revelam uma sociedade que posterga ou até abdica da maternidade, muitas vezes por sentir-se desamparada diante da precariedade econômica, da falta de políticas públicas eficazes e dos altos custos para criar uma família.
O impacto direto se reflete na força de trabalho. A população economicamente ativa, entre 15 e 64 anos, está em rota de queda: projeta-se que passará dos atuais 37,4 milhões para 29,7 milhões em 25 anos. Essa redução representa uma ameaça concreta à sustentabilidade dos sistemas de previdência e saúde, que dependem da contribuição de trabalhadores para financiar os benefícios de uma população cada vez mais envelhecida.
E não é apenas a baixa natalidade que acelera o esvaziamento populacional. A emigração também segue em alta. Em 2024, mais de 190 mil pessoas deixaram o país, um salto de 20,5% em comparação ao ano anterior. Quando se observa apenas os cidadãos italianos, esse número cresce ainda mais: 36,5% de aumento em um ano. Esse movimento, impulsionado principalmente por jovens em busca de melhores oportunidades no exterior, fragiliza ainda mais a base produtiva do país.
A estrutura das famílias também está mudando. Estima-se que, até 2050, 41,1% dos lares italianos serão unipessoais, um crescimento em relação aos atuais 36,8%. Esse dado revela não apenas um reflexo da queda na natalidade, mas também transformações profundas nos vínculos sociais, no envelhecimento populacional e nas novas formas de viver em sociedade.
Com mais idosos vivendo sozinhos e um número crescente de centenários, cresce também a pressão por políticas públicas voltadas ao cuidado e à proteção social.
Em meio a esse panorama desafiador, é impossível ignorar o papel que a imigração e, sobretudo, o reconhecimento da cidadania por descendência poderiam desempenhar como resposta estratégica.
A população estrangeira residente na Itália aumentou 3,2% em 2024, somando agora mais de 5,4 milhões de pessoas, cerca de 9,2% da população total. Ainda assim, persistem barreiras burocráticas que tornam o processo de obtenção da cidadania italiana por direito de sangue (iure sanguinis) cada vez mais lento e difícil.
Milhões de descendentes de italianos espalhados pelo mundo, especialmente na América Latina, desejam contribuir com a Itália, trazendo sua força de trabalho, sua juventude e seu vínculo afetivo e cultural com o país. São pessoas dispostas a viver, trabalhar, empreender e formar família em solo italiano. Porém, em vez de facilitar essa integração, o Estado impõe exigências excessivas, processos demorados e mudanças legislativas que afastam justamente aqueles que poderiam ajudar a preencher o vazio demográfico.
A imigração, quando bem gerida, representa uma solução de curto e médio prazo para o problema. Principalmente porque a maioria dos imigrantes chega em idade reprodutiva, com capacidade de dinamizar o mercado de trabalho e contribuir diretamente para os sistemas previdenciários.
No entanto, a integração cultural e social dessas populações é um desafio, e por isso a cidadania por descendência se apresenta como uma solução mais harmônica, afinal, esses indivíduos já compartilham valores, história e raízes com a Itália.
Acredito firmemente que estamos diante de um momento que exige ação estratégica, diálogo e visão de futuro. É urgente que o Estado implemente políticas públicas voltadas ao incentivo da natalidade, como subsídios para famílias, expansão da rede de creches, incentivos fiscais e apoio à conciliação entre maternidade e vida profissional.
Mais do que isso, é hora de revisitar com seriedade as políticas migratórias e de cidadania. A simplificação dos processos para reconhecimento da cidadania iure sanguinis é uma medida inteligente e necessária.
Não se trata apenas de uma reparação histórica, mas de uma decisão pragmática frente ao cenário que se desenha: uma redução de mais de 11 milhões de habitantes até 2070, ou seja, 20% da população em menos de meio século.
O inverno demográfico italiano é mais do que uma questão estatística. É uma crise que ameaça o coração pulsante de uma cultura, economia e da continuidade enquanto nação.
Facilitar a chegada de quem deseja fazer parte da Itália, acolher quem compartilha dessa herança e apoiar quem deseja construir um futuro no país, são passos essenciais. O futuro da Itália não pode esperar, ele começa nas decisões do agora.
