Por Renata Bueno*
A região de Darfur do Norte, no Sudão, enfrenta uma das piores crises humanitárias da atualidade, com um aumento alarmante da desnutrição infantil. Segundo dados recentes da Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o número de crianças com desnutrição aguda grave (SAM, na sigla em inglês) dobrou em 2025 em relação ao mesmo período do ano anterior.
Mais de 40 mil crianças foram admitidas em programas de tratamento nos primeiros cinco meses deste ano, um crescimento de 46% comparado a 2024. Esses números não são apenas estatísticas: representam vidas em risco e um grito por socorro que ecoa de uma região devastada por conflitos armados, deslocamentos forçados e bloqueios à ajuda humanitária.
A situação em Darfur do Norte é crítica. O conflito armado que se intensificou desde abril de 2025 tem impedido o acesso a hospitais, alimentos e serviços básicos, como água potável e saneamento. Em nove das 13 localidades da região, as taxas de desnutrição já ultrapassaram os níveis de emergência definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Yasin, por exemplo, a taxa de desnutrição aguda global (GAM) atingiu 28%, muito próxima do limiar de 30% que caracteriza uma fome declarada.
A desnutrição aguda grave é a forma mais perigosa de subnutrição infantil. Crianças afetadas por essa condição têm até 11 vezes mais chances de morrer do que aquelas bem nutridas. Sem atendimento médico urgente e alimentação terapêutica adequada, essas crianças correm risco iminente de morte.
O campo de deslocados de Zamzam, que abriga entre 300 mil e 500 mil pessoas, foi declarado em estado de fome em 2024, e a situação só piorou. Em Al Fasher, os estoques de alimentos terapêuticos (RUTF) se esgotaram e unidades de saúde estão fechadas por conta da violência armada.
Como advogada internacional, reforço que as partes envolvidas no conflito têm a obrigação legal e moral de proteger civis, especialmente crianças e de garantir o acesso da ajuda humanitária. A UNICEF estima que são necessários US$ 200 milhões adicionais apenas em 2025 para manter e ampliar os serviços de nutrição. No entanto, mais de 70% das necessidades de financiamento ainda não foram atendidas.
A União Europeia (UE), que historicamente defende os direitos humanos, precisa assumir um papel mais ativo: aumentar o financiamento humanitário, pressionar por um cessar-fogo imediato e garantir corredores seguros para a entrega de ajuda. Também é fundamental responsabilizar os autores de crimes e violações do direito internacional humanitário.
A América Latina, com sua experiência em lidar com crises sociais e de deslocamento, pode oferecer exemplos de resiliência comunitária e cooperação regional, fortalecendo parcerias com a UE para lidar com emergências globais como a de Darfur.
Não podemos permitir que os horrores vividos em Darfur há 20 anos se repitam. O aumento exponencial de crianças desnutridas em 2025 mostra que a indiferença global está custando vidas. Cada criança perdida para a fome representa uma falha coletiva da nossa sociedade internacional.
É hora de agir com recursos, diplomacia e humanidade. A salvação de uma geração depende da nossa capacidade de resposta agora.
