Por: Por Letícia Jacintho, presidente da Associação De Olho no Material Escolar
Há poucos dias, chamou minha atenção a história de Sarah, uma jovem brasileira que está se destacando em Harvard no curso de Psicologia. Também me impactaram relatos de empresas brasileiras que vêm investindo, com seriedade e visão de longo prazo, na formação educacional de jovens em suas regiões. Esses dois exemplos — vindos da academia e do setor produtivo — mostram que, quando há estímulo, acesso e propósito, o jovem brasileiro responde.
Mas também revelam uma realidade preocupante: esses casos ainda são exceção. O desinteresse de parte dos jovens pelo mercado de trabalho pode ser, em muitos casos, reflexo de um sistema que pouco os escuta, inclui ou prepara mas também pode ser uma consequência de uma desconexão mais ampla, que exige urgentemente que escola, trabalho e sociedade dialoguem entre si de forma mais eficiente.
O Brasil enfrenta um dado preocupante revelado pelo IBGE: cerca de 9 milhões de jovens entre 15 e 29 anos não estão estudando, não trabalham e tampouco procuram emprego. Esse grupo, chamado de “nem-nem”, representa uma parcela crescente da juventude brasileira que está fora das principais vias de desenvolvimento pessoal e profissional. Pela primeira vez, o número de jovens nessa condição ultrapassa o total daqueles que estudam e trabalham ao mesmo tempo, o que escancara a profundidade do desafio social e econômico que o país precisa enfrentar com urgência.
Ao mesmo tempo, o número de inscrições no ENEM, a principal porta de entrada para o ensino superior no Brasil, caiu drasticamente nos últimos anos. Em 2014, o exame registrou 8,7 milhões de inscritos; em 2023, esse número despencou para 3,9 milhões, menos da metade. A queda reflete não apenas o desinteresse crescente dos jovens pela continuidade dos estudos, mas também dificuldades estruturais, como evasão escolar, falta de perspectiva sobre o futuro e o enfraquecimento das políticas públicas de incentivo ao acesso à universidade.
Vivemos em um mundo em constante mutação. O conceito de VUCA volátil, incerto, complexo e ambíguo começa a ser substituído por outras leituras mais atualizadas, como o mundo BANI (frágil, ansioso, não-linear e incompreensível). Ambas revelam o mesmo desafio: as soluções antigas não respondem mais aos dilemas do presente.
É por isso que precisamos ir além do conteúdo. Investir em base educacional é essencial, mas não suficiente. É preciso conectar teoria à realidade, abrir portas para experiências concretas e criar processos que permitam aos jovens, de fato, vivenciar a prática. É nessa travessia entre o saber e o fazer que se constrói o pertencimento, a autoestima, o brilho no olho — sinal de que algo despertou.
Muito tem se discutido sobre os riscos da inteligência artificial, mas talvez a pergunta mais importante não seja o que a IA pode substituir, e sim quem estamos formando para conviver com ela. Em alguns casos, atribui-se à tecnologia de forma equivocada a culpa por uma certa apatia diante de tarefas e compromissos. Mas o problema não está na IA, e sim na falta de estrutura para formar jovens com autonomia, senso de responsabilidade e clareza de propósito.
O setor produtivo precisa reconhecer que estamos diante de uma nova era — e não haverá retrocesso. A tecnologia seguirá avançando, o trabalho seguirá se transformando. O que pode e deve mudar é a capacidade de prepararmos as novas gerações para esse cenário. Isso significa criar estímulos, oferecer pontes, e ajudar a devolver à juventude o que nenhuma máquina pode oferecer: a alegria de realizar, de evoluir, de produzir algo que tenha valor para si, para os seus e para a sociedade.
E o tempo urge. A taxa de fecundidade no Brasil caiu para 1,55 filho por mulher o menor índice da série histórica desde 1940. Segundo estimativas internacionais, o ano de 2064 marcará, pela primeira vez na história moderna, o momento em que o número de mortes no mundo será maior do que o de nascimentos. E o Brasil, que vive agora o fim do seu bônus demográfico, pode atravessar esse marco sem ter transformado sua base educacional, sem garantir mobilidade social real e sem renovar sua força de trabalho.
Nada tira da minha retina a imagem de um jovem se descobrindo útil no campo, no laboratório, num curso técnico, numa apresentação, numa solução. O brilho que aparece no olhar é o maior ativo que temos como sociedade. E o compromisso de manter esse brilho vivo é de todos nós famílias, educadores, empresas e governos. Porque um jovem com propósito não apenas trabalha: ele transforma.