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Mundo

Trump recorre à IA para criar factoides e tirar foco do apagão do governo

Material divulgado na Truth Social mostra o presidente tocando para diretor orçamentário vestido como a Morte

Redação Jornal de Brasília

08/10/2025 12h58

Foto: Reprodução/X

Foto: Reprodução/X

PEDRO S. TEIXEIRA
FOLHAPRESS

A paralisação do governo americano causada pela falta de consenso no Congresso sobre o orçamento federal já afeta os serviços do governo dos EUA, mas foi por outro ângulo que Trump ganhou espaço na mídia na última sexta (3): um vídeo feito com inteligência artificial no qual exalta a atuação de um de seus mais altos funcionários.

O material foi publicado na Truth Social, rede social do mandatário americano, na qual não há regras sobre a divulgação de materiais produzidos com IA.

O deepfake -um vídeo gerado com IA copiando a aparência de alguém (o próprio Trump no caso)- mostra o presidente americano tocando percussão para Russ Vought, o diretor do escritório de gestão e orçamento dos EU, que, vestido como a Morte, corta gastos com uma foice.

O post de Trump é um corte de vídeo feito, pelo influenciador Brenden Dilley, o líder do Dilley Meme Team, uma autodeclarada milícia online de Trump formada por 21 contas espalhadas entre X, Rumble e Truth Social. Subiu primeiro na rede social Rumble, que não impõe moderação.

O discurso oficial da Casa Branca, assinado por Vought, é que o fechamento da máquina pública é uma oportunidade para demitir servidores públicos culpando os democratas por não aceitarem o orçamento. Ao mesmo tempo, um levantamento da YouGov encomendado pela Economist mostra que a maioria da população americana liga a piora dos serviços à atuação do Partido Republicano, de Trump.

Em vez de tratar do assunto, o presidente americano publicou uma sequência de vídeos de IA, da qual o vídeo de Vought foi o primeiro. Depois, apareceu com as vestes jedi de Star Wars em frente a um precipício e, na sequência, arremessando bonés na cabeça de apoiadores no salão oval da Casa Branca -tudo era artificial.

O episódio não é inédito, uma vez que Trump divulgou montagens de democratas vestindo sombreiros mexicanos depois de ter sua proposta de orçamento recusada e publicou um vídeo de IA de uma suposta “riviera Palestina” com homens árabes vestidos de dançarinas do ventre.

Para a fundadora da agência de checagem Lupa, Cristina Tardáguila, Trump usa esse material que beira o ofensivo como uma tática diversionista para ditar a pauta dos veículos de comunicação.

Segundo a plataforma de monitoramento Palver, os vídeos repercutem mais na imprensa do que nas redes sociais. Uma busca que relacionava Vought ao meme “Reaper” (o “Ceifador”, personagem que representa a morte) na plataforma Palver retornou 406 artigos noticiosos e zero menções em grupos de WhatsApp e Telegram brasileiros monitorados -o número também é zero entre contas brasileiras relevantes no X (ex-Twitter) e no Instagram.

Uma busca do vídeo no X mostra que a maior repercussão do vídeo, além da republicação por Trump, foi em uma parcela da bolha trumpista. No TikTok, tampouco houve grande repercussão. Ao mesmo tempo, o assunto foi tema de episódio do podcast diário do New York Times, o Daily.

Tardáguila compara essa operação aos factoides criados pelo ex-prefeito carioca Cesar Maia, que proibiu videogames violentos e criticou o horário de verão durante momentos de crise. Na era das redes sociais, essa tática recebe o nome de “trolling”, em referência a “troll”, monstro nórdico conhecido por ser traiçoeiro. O troll é o usuário de internet que publica material ofensivo para chamar atenção.

Dilley, o autor original do vídeo, se identifica como um “mestre troll”.

Na imprensa, sobretudo americana, o vídeo de Vought chocou por usar uma paródia feita com IA de uma famosa música americana protegida por direitos autorais -“(Don’t Fear) the Reaper” da banda Blue Öyster Cult.

Em sua página oficial no Facebook, a banda disse que não foi notificada do uso da própria música, que foi base da paródia feita com IA divulgada por Trump. “Os direitos autorais da música pertencem 100% à Sony Music, e a banda Blue Oyster Cult não tem direito algum sobre o uso da faixa.”

Procurada, a Sony não quis comentar o caso.

No YouTube, por exemplo, onde há regras rígidas contra reprodução de imagens e sons protegidos por direitos autorais, o vídeo seria derrubado pela moderação.

O videocast de Dilley também está online no Spotify desde o dia 3 de outubro. A plataforma de streaming de música, que implementou regras para impedir que artistas tenham a voz copiada em músicas geradas com IA, não respondeu aos questionamentos da Folha.

Os 21 membros da autodeclarada milícia digital Dilley Meme Team produzem memes, divulgam-nos de forma organizada na rede e, de acordo com a descrição de sua página, levam com frequência suas criações às contas do presidente Trump e até a comícios presidenciais.

Ainda segundo Dilley, o grupo consegue dinheiro nas redes com publicidade programática e venda direta de anúncios e direciona parte das receitas ao diretório do presidente americano. Na corrida presidencial de 2024, uma empresa em nome do influenciador doou US$ 7.000 à campanha de Trump.

Dilley disse em podcast que já recebeu intimações por usar músicas sem autorização, mas nunca teve de retirar nada do ar. “Vou limpar o traseiro com as intimações”, afirmou. Procurado pela Folha nas redes sociais e via email, ele não respondeu.

Segundo o ativista, as músicas são feitas com trilha sonora de karaokê e a letra e a canção são feitas com ferramentas de IA -ele não mencionou quais. O uso de trilhas sonoras de karaokê para fazer paródias é permitido na jurisprudência dos Estados Unidos.

Porém, segundo Dilley, a maior proteção desse conteúdo é o próprio Trump: “Depois que o presidente posta, quero ver pedirem que remova o vídeo”, disse.

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