Cézar Feitoza
Brasília, DF
Apesar da resistência demonstrada pelo Brasil, os ministros da Defesa dos países das Américas aprovaram nesta quinta-feira (28) um documento em que repudiam os ataques da Rússia contra a Ucrânia. O texto, intitulado Declaração de Brasília, foi assinado por 21 países no encerramento da 15ª Conferência de Ministros de Defesa das Américas.
“Os conflitos presentes em todo o mundo, como a invasão da Ucrânia e os atos de violência exercidos por grupos armados que terrorizam a população no Haiti, não são os meios legítimos para resolver as disputas, de modo que os Estados-Membros da CMDA (Conferência de Ministros de Defesa das Américas) esperam uma solução pacífica tão pronto seja possível”, diz o segundo parágrafo da declaração.
Brasil, Argentina e México apresentaram ressalvas à declaração. Os dois primeiros por considerarem que a ONU é o “foro com mandato adequado para tratar do conflito na Ucrânia”; o Ministério da Defesa mexicano, por sua vez, disse que o trecho “não corresponde ao âmbito da CMDA, visto que, em base à compatibilidade dos princípios de política exterior do México, não é possível aderir seu conhecimento”.
A posição do Brasil já era esperada, já que, em minuta de declaração enviada antes do evento, as autoridades do país não haviam incluído nenhum repúdio à invasão russa. Em reuniões prévias, os representantes do Ministério da Defesa afirmaram que o tema não deveria ser tratado no âmbito da conferência, citando organismos internacionais “mais apropriados para a tratativa de assuntos afetos a esse conflito”.
A ressalva segue decisão do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do Itamaraty de manter o país em uma posição vista como neutra durante a guerra –o que rendeu críticas recentes do ucraniano Volodimir Zelenski. No entendimento do Planalto, o posicionamento reduz possíveis crises comerciais, visto que o Brasil depende de fertilizantes importados da Rússia.
A defesa para que a Declaração de Brasília incluísse um repúdio à Rússia foi feita pela ministra de Defesa do Canadá, Anita Anand. Na manhã de quarta-feira (27), antes das reuniões bilaterais, ela disse ao jornal Folha de S.Paulo que faria um esforço no encontro com os demais ministros para convencê-los.
“Nós vamos conversar e ver como será a posição. Acho que será tranquilo.”
Em nota, o Ministério da Defesa disse à Folha de S.Paulo que o “Brasil já tem posição firmada em fóruns internacionais, por meio de sua diplomacia, como no Conselho de Segurança da ONU” sobre a guerra.
A Declaração de Brasília também passou por discussões sobre dois temas relevantes para os EUA. As autoridades americanas conseguiram convencer os demais países a retirar do texto um pedido para que os países-membros da OEA (Organização dos Estados Americanos) apoiassem “maior aporte orçamentário” para a Junta Interamericana de Defesa.
A JID é uma organização militar internacional que presta assessoramento técnico sobre defesa a países do hemisfério americano.
Ainda foi discutida pelos ministros da Defesa uma sugestão do grupo de trabalho sobre ciberdefesa para que os países das Américas melhorassem sua legislação sobre o assunto.
O grupo, presidido pela Colômbia, concluiu que um dos principais desafios à ciberdefesa e cibersegurança é a utilização de perfis falsos nas redes sociais.
O Brasil não defendeu a inclusão do trecho na Declaração de Brasília e preferiu deixar a sugestão somente nas conclusões do grupo de trabalho, tirando peso à sugestão, segundo duas fontes militares ouvidas pela reportagem.
A 15ª Conferência de Ministros de Defesa das Américas começou na segunda-feira (25), em Brasília, e termina oficialmente nesta quinta, com a assinatura da declaração. Durante os quatro dias de evento, o ministro Paulo Sérgio Nogueira participou de dez reuniões bilaterais.
Na principal delas, na quarta (27), o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, afirmou ao general que o governo Joe Biden espera que o Brasil realize eleições justas e transparentes neste ano. No encontro, de cerca de 40 minutos, Austin falou rapidamente sobre o pleito, de acordo com três fontes ouvidas pela reportagem com conhecimento do que foi discutido.
A declaração foi entendida pelo lado brasileiro como uma tentativa de Washington de reafirmar que tem acompanhado com preocupação a retórica golpista de Bolsonaro, que envolve questionamentos ao sistema eleitoral e ataques às urnas eletrônicas.
Segundo os relatos, Nogueira defendeu a atuação das Forças Armadas junto ao TSE, lembrou que elas foram convidadas para participar do processo e disse que os militares têm trabalhado para garantir que o pleito seja livre e transparente.
Na cúpula das Forças Armadas, a avaliação é que o envolvimento da instituição no processo eleitoral foi politizado tanto por Bolsonaro quanto pela oposição. A Defesa tem defendido que as urnas eletrônicas não estão seguras contra ameaças internas e sugere aperfeiçoamento em testes de integridade –esse trabalho é usado pelo presidente para atacar ministros do TSE e questionar o resultado de eleições.
Um dia antes da reunião bilateral, Austin defendeu, no discurso inicial do evento, que as Forças Armadas dos países da América devem estar sob “firme controle civil”.