DIOGO BACHEGA
FOLHAPRESS
Ao saber que o escritor e economista Paulo Valente é filho de Clarice Lispector, é de se esperar que ela seja a grande influência por trás de seus livros. Mas ele diz não ser o caso -as histórias de seu pai, o diplomata Maury Gurgel Valente, estão por trás do interesse por intrigas internacionais que o levou a escrever a trilogia de ficção histórica que começou com “A Morte do Embaixador Russo” e segue agora com “Heróis por Acaso”.
Em conversa com a Folha, ele diz lembrar, por exemplo, quando o telefone tocou na sala de sua casa em uma tarde da infância. Seu pai era secretário-adjunto para assuntos americanos do Itamaraty, e queriam seus conselhos para decidir a posição do Brasil na Guerra das Malvinas, que opôs Argentina e Inglaterra.
“As pessoas acham que a espionagem é coisa de filme americano, da Alemanha ou Rússia, mas isso aconteceu no Brasil”, afirma.
O novo livro de Valente, que sai pela Record, tem duas partes. A primeira delas é uma versão repaginada do material que havia sido publicado como “Lealdade a Si Próprio”, em 2014, pela editora Rocco.
São relatos de pessoas comuns, descendentes de alemães, italianos e japoneses que vieram ao Brasil, divididos entre a fidelidade aos seus países de origem e à terra que os acolheu, com anedotas que conectam o Brasil à Segunda Guerra Mundial.
Valente escreve, por exemplo, sobre os afundamentos de navios brasileiros durante o conflito. Ele afirma ter descoberto a existência de um rádio amador que transmitia para os nazistas, a partir do Rio de Janeiro, as rotas de embarcações brasileiras. Dezenas foram bombardeadas por submarinos alemães, matando centenas de pessoas -isso porque o país fornecia itens importantes para a manutenção dos Estados Unidos na guerra.
“O Brasil exportava algodão, que era indispensável para fazer as fardas; café, essencial para deixar os soldados acordados; e cacau, para fazer chocolate, um alimento que você pode deixar no bolso, e ele não estraga”, ele afirma. “Os corpos chegaram boiando nas praias.”
A segunda parte do livro conta a história de Felix Becker, filho e neto de alemães que vivia no Brasil. Na trama, quando seu avô está para morrer, o jovem vai visitá-lo na Alemanha e é convocado a cumprir seu dever com o Exército. Míope, vai trabalhar na cozinha, posto que o leva a presenciar a Conferência de Wannsee, reunião inicial da pior fase do genocídio nazista.
“Os nazistas descobriram que uma bala para matar uma pessoa custava muito caro. Eles precisavam inventar um procedimento para matar em grande massa, que foi a câmara de gás”, diz o escritor.
“Heróis por Acaso” conta com uma tradução inédita para o português da ata completa desta conferência, feita por Alessandra Bonrruquer para a edição do livro de Valente.
Algumas invenções literárias facilitam a costura dos dados históricos, coletados principalmente de edições antigas de jornais, como a Folha e o New York Times.
A tese declarada da trilogia ficcional é que a história não se repete, mas continua. O escritor vê em conflitos de hoje, por exemplo, ecos da luta nazista pelo “espaço vital”, que justificava o domínio de terras que possuíam recursos importantes para o crescimento da Alemanha.
“O que é a invasão da Ucrânia pela Rússia? A Rússia quer evitar que a Ucrânia, muito rica em recursos, entre no pacto da Otan” -isto é, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar em vigor desde 1949 e criada para enfrentar os soviéticos.
Valente é também autor de cinco livros de economia e três infantis. Seu terceiro romance para o público adulto já está com a editora, e deve sair no ano que vem com o título “Niles Bond: O Emissário de Kennedy que Derrubou o Jânio Quadros”.
Apesar de o nome do protagonista evocar imediatamente James Bond, ele é uma pessoa real, enviada pelo governo americano ao Brasil em 1961 para tentar convencer o então presidente Jânio Quadros a deixar de lado suas afinidades por Cuba e por Che Guevara e começar a apoiar os Estados Unidos.
HERÓIS POR ACASO
Preço R$74,90 (352 págs.), R$39,90 (ebook)
Autoria Paulo Valente
Editora Record