O nono dia da invasão russa da Ucrânia viu a retomada dos bombardeios à periferia de Kiev e um avanço que indica o desejo de Vladimir Putin de cortar o acesso do país ao mar Negro.
Não houve, contudo, nenhum grande movimento até o começo da noite (tarde no Brasil) no país. “Essa guerra pode não acabar logo”, disse o secretário de Estado americano, Antony Blinken, uma certa obviedade.
Mas a dinâmica do dia pode ou não ter a ver com as negociações feitas com Comitê Internacional da Cruz Vermelha para ajustar os parâmetros do corredores humanitários.
Acertados na negociação ocorrida na Belarus entre delegações russa e ucraniana na quinta (3), os corredores teoricamente facilitarão a saída de civis de áreas sob bombardeio, o que implica cessar-fogo de forma pontual.
Nada parece definido, mas é de se supor que será ofertado à região de Kharkiv (nordeste) e de Mariupol (sudeste), que estão cercadas e sofrem bombardeios mais pesados de artilharia e mísseis. Se seguir o protocolo de ação na guerra civil da Síria, a Rússia vai aproveitar a retirada para tentar dominar as localidades.
A prefeitura de Mairupol, último ponto de resistência a evitar o estabelecimento de uma ponte terrestre unindo a região de Rostov russa à Crimeia anexada em 2014 por Putin, passando pelos territórios rebeldes pró-Moscou do Donbass, disse em comunicado que a cidade está sendo exterminada.
Há dois dias não há água ou luz, em um cerco clássico para tentar subjugar a população civil. Mas a novidade nesse flanco sul das ações de Putin, do ponto de vista operacional, foi o início do avanço rumo ao mais importante porto ucraniano, Odessa.
Ao longo da sexta, o governo da cidade de Mikolaiv disse que estava sob uma invasão russa, sem maiores detalhes. A cidade fica a oeste de Kherson, centro regional que fora conquistado por Moscou na antevéspera. Dali, são 130 km até Odessa.
Se essa área toda cair, o plano de “fechar” a costa ucraniana, um objetivo secundário presumido da invasão, poderá começar a ganhar corpo. Naturalmente, daí para manter uma ocupação é algo bem diferente, envolvendo muito mais do que os talvez 200 mil homens empregados pelo Kremlin até aqui.
Já a meta primária da campanha, algo sempre hipotético fora do comando russo, Kiev, registrou bombardeios em sua periferia após ter passado um dia sem incidentes mais sérios –na quinta, o problema maior foi para os moradores de Tchernihiv (150 km a nordeste da capital), em um ataque que matou dezenas num bloco residencial.
Houve boatos de que a coluna blindada estacionada a cerca de 25 km da periferia de Kiev estaria se preparando para marchar, mas nada ocorreu durante o dia. Em Borodianka, uma cidadezinha 60 km a noroeste da capital, os Serviços de Emergência da Ucrânia reportaram haver até cem pessoas debaixo dos escombros de um edifício.
A campanha russa assim avança, mas aos olhos de analistas com diversos problemas. Além de erros como a divisão de objetivos e dispersão de forças, uma coisa intriga especialmente: o fato de a Força Aérea da Ucrânia, aparentemente, ainda conseguir lançar ataques.
Segundo o Estado-Maior do país, só na quinta houve bombardeios com aviões de ataque Su-25 contra posições russas perto de Kiev, Sumi e Kharkiv. Já Moscou diz ter controle do espaço aéreo do país, tendo suprimido a maioria de suas defesas e também aeronaves.
A verdade deve estar em algum lugar no meio do caminho, mas o fato é que o Kremlin não tem utilizado de forma ostensiva aviões de combate. Alguns Su-25 e seus primos mais avançados, os Su-34, foram avistados em ação, mas nada mais. O grosso do trabalho pelo ar é feito com mísseis de cruzeiro e balísticos.
As operações de assalto aerotransportado por helicópteros também têm redundado em fracassos, com exceção da tomada do aeroporto de Hostomel, perto de Kiev, para servir de ponta de lança pelos ataques a noroeste da capital. Tentativa de desembarque perto de Lviv (oeste) e Kharkiv redundaram em retiradas.