ANDRÉ FONTENELLE
JOANESBURGO, ÁFRICA DO SUL (FOLHAPRESS)
Em discurso neste sábado (22) na abertura do encontro de dois dias dos líderes do G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu que países em desenvolvimento possam abater suas dívidas em troca de iniciativas de combate e adaptação às mudanças climáticas.
“O G20 deve incentivar a adoção de mecanismos inovadores de troca de dívidas por desenvolvimento e por ação climática”, disse Lula em sua fala de sete minutos.
O presidente brasileiro fez uma menção indireta à COP30, em andamento em Belém, ao comparar o peso da dívida externa ao custo das iniciativas em favor do clima.
“O custo do pagamento do serviço da dívida dos países em desenvolvimento aumentou para US$ 1,4 trilhão por ano. É mais do que o valor que o Plano de Ação de Baku a Belém tenta mobilizar para a ação climática”, disse, referindo-se ao plano apresentado na COP29, no ano passado, no Azerbaijão, como base para as discussões deste ano no Brasil.
O tema do clima tem causado polêmica dentro do G20, porque o presidente dos EUA, Donald Trump, afirma não acreditar que o aquecimento global seja causado pela ação humana. Trump boicotou o encontro do G20 deste fim de semana e se posicionou contra a divulgação de um documento final.
O anfitrião do evento, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, fez menção explícita às mudanças climáticas em sua fala inaugural. Ramaphosa também rechaçou de forma indireta, mas clara, o boicote de Trump.
“Não devemos permitir que nada diminua o valor, a estatura e o impacto da primeira presidência africana do G20. Esta cúpula tem a responsabilidade de não permitir que a integridade e a credibilidade do G20 sejam enfraquecidas. Agradecemos a todas as delegações que trabalharam juntas, de boa-fé, para produzir um documento final digno desse encontro histórico”, afirmou.
Em sua fala, Lula declarou apoio à proposta sul-africana de criar um painel independente sobre a desigualdade mundial, nos moldes do painel intergovernamental já existente sobre mudança do clima.
“Esta iniciativa será fundamental para recolocar nos trilhos a implementação dos objetivos do desenvolvimento sustentável”, disse Lula.
No restante da fala, o presidente brasileiro repetiu temas de discursos anteriores: a necessidade de combater a desigualdade, a proposta de taxação dos super-ricos e a importância da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada em 2024, durante a presidência brasileira do G20.
Como anfitrião do G20 anterior, realizado em novembro de 2024 no Rio de Janeiro, Lula foi o segundo a discursar, logo após Ramaphosa.
Embora em princípio apenas o discurso inaugural do presidente sul-africano fosse público, a organização do evento aceitou que fosse aberta uma exceção para que a fala de Lula fosse transmitida online pelo CanalGov, do governo brasileiro. Porém, a captação de imagem e som foi feita pela comitiva brasileira, fora do sistema oficial de transmissão do evento. O próprio Lula teria intercedido junto aos organizadores para viabilizar a transmissão.
Durante sua fala e antes do discurso de Lula, Ramaphosa chegou a brincar com a questão do sigilo da reunião, ao ser alertado por um assessor. “Estão me dizendo que as câmeras ainda estão ligadas. Deviam estar desligadas”, disse, provocando risos no plenário.
Criado em 1999 como um fórum anual para discutir problemas da economia mundial, o G20 reúne atualmente 19 países e dois blocos, a União Europeia e a União Africana. Representa ao todo mais de 80% do produto interno bruto mundial e cerca de metade da população do planeta.
O encontro deste ano foi marcado pelo boicote dos EUA. Outras ausências notáveis foram o líder chinês Xi Jinping e os presidentes da Argentina, Javier Milei, e do México, Claudia Sheinbaum. Os três enviaram representantes.
Também não compareceu o presidente russo, Vladimir Putin, alvo de pedido de prisão do Tribunal Penal Internacional (TPI) sob a acusação de crimes cometidos na guerra da Ucrânia.
Em compensação, Ramaphosa convidou líderes de países que não pertencem ao G20, entre eles a Espanha, representada pelo primeiro-ministro, Pedro Sánchez.
Pela primeira vez em solo africano, o encontro de líderes parou Joanesburgo. Para a passagem dos comboios VIPs, foram fechadas várias ruas de Sandton, bairro nobre da cidade onde estão hospedados os líderes estrangeiros.
O G20 está sendo realizado em um centro de convenções vizinho ao Soccer City, o monumental estádio construído para a Copa do Mundo de 2010. Os líderes foram recebidos em uma espécie de tapete vermelho pelo presidente Ramaphosa. Lula chegou às 9h41 locais (4h41 de Brasília).
Uma hora mais cedo, havia chegado a ex-presidente Dilma Rousseff, que preside o Novo Banco de Desenvolvimento, o “banco do Brics”. Ela foi recebida pelo vice-presidente da África do Sul, Paul Mashatile.