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Dez anos após fim da política de filho único, ‘sonho chinês’ de nação rejuvenescida ainda não se realizou

Lançado pelo líder do regime, Xi Jinping, em 2012, o “sonho chinês” defende que uma nação mais jovem é o caminho para a prosperidade

Redação Jornal de Brasília

31/12/2025 10h59

Foto: AFP

VICTORIA DAMASCENO
PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS)

Por mais de 35 anos os casais chineses só podiam, por lei, ter um filho, até uma diretriz entrar em vigor em 1º de janeiro de 2016 e autorizá-los, naquele momento, a ter dois. Hoje, dez anos após o fim da Política do Filho Único, a China ainda colhe os efeitos de décadas de restrição e enfrenta uma crise demográfica que dificulta a realização do chamado “sonho chinês”.


Se, em 1979, quando foi criada, a política buscava conter um crescimento populacional visto como ameaça ao desenvolvimento social e econômico do país, hoje as lideranças do Partido Comunista batem cabeça para estimular o rejuvenescimento da população e garantir que a força produtiva continue sustentando o crescimento econômico.


Lançado pelo líder do regime, Xi Jinping, em 2012, o “sonho chinês” defende que uma nação mais jovem é o caminho para a prosperidade —o que significa, nas entrelinhas, manter o status de potência e avançar ainda mais economicamente, sobretudo em relação ao Ocidente. O conceito também se opõe ao sonho americano, ao subordinar a realização individual ao sucesso coletivo e à liderança do PC.


“A história demonstra que o futuro e o destino de cada um de nós estão intimamente ligados aos de nosso país e de nossa nação. Só podemos prosperar quando nosso país e nossa nação prosperarem. Alcançar o rejuvenescimento da nação chinesa é uma missão gloriosa e árdua, que exige o esforço dedicado do povo chinês, geração após geração”, disse Xi em discurso naquele ano. “Agora estamos mais próximos desse objetivo e mais confiantes e capazes de alcançá-lo do que em qualquer outro momento da história.”


Mais de uma década depois, em outubro deste ano, durante as comemorações do aniversário de fundação da República Popular da China, o dirigente afirmou que “alcançar o grande rejuvenescimento da nação chinesa é uma causa sem precedentes”, indicando que atingir o objetivo ainda está distante.


Desde que assumiu o cargo, Xi anunciou medidas para enfrentar a crise demográfica. Além de encerrar a política do filho único, em 2021 ampliou para três o número de filhos permitidos por casal. Outros incentivos, como subsídios nacionais para o cuidado de crianças pequenas e a redução dos custos associados à gravidez, também foram implementados.


Apesar dos esforços, a natalidade na China segue em queda, apontando para uma população cada vez mais envelhecida e para uma sobrecarga econômica associada ao fenômeno.


Quando a política foi criada, em 1979, nasciam mais pessoas do que morriam. Eram registrados 17,8 nascimentos e 6,2 mortes por mil habitantes, o que levou o regime a considerar urgente a contenção do crescimento populacional. Já os dados mais recentes, de 2024, mostram que essa relação se inverteu, com a mortalidade chegando a 7,8 por mil, superando a taxa de nascimentos, de 6,8.


Na prática, a China passou de um crescimento natural positivo de 11,6 por mil para um declínio populacional de cerca de –1, consolidando uma tendência que já se arrasta há anos.


Para Yi Fuxian, pesquisador da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) e autor de “Big Country with an Empty Nest” (País Grande com um Ninho Vazio, em português), a China enfrenta uma crise demográfica e civilizacional sem precedentes. “Se esta crise não for resolvida, o chamado ‘sonho chinês’ não será um sonho de grande rejuvenescimento da nação chinesa, mas um pesadelo de colapso demográfico e civilizacional”, afirma.


Um relatório de 2024 do Banco Mundial atribui parte da desaceleração da economia chinesa ao envelhecimento da população, apontando que, de 2003 a 2012, o crescimento médio anual foi de 10,5%, enquanto de 2013 a 2022 caiu para 6,2%.


“Sem políticas e ajustes comportamentais que mitiguem esses efeitos, o envelhecimento pode reduzir ainda mais o tamanho da força de trabalho, diminuir a poupança das famílias —o que pode reduzir os recursos disponíveis para investimento e para o reequilíbrio da economia—, pressionar as finanças do governo e afetar negativamente a produtividade”, diz o documento.


Remédios como reforma previdenciária, estímulo à participação feminina no mercado de trabalho e automação de processos industriais vêm sendo administrados. Ainda assim, as medidas têm se mostrado insuficientes para conter a crise e transformar o “sonho chinês” em realidade.


O status da China como potência, para Yi, decorre de sua grande população. Em 1800, o país respondia por cerca de 34% da população mundial, segundo o projeto Our World in Data, uma parceria da Universidade de Oxford com a organização Global Change Data Lab. De 1950 a 1980, essa proporção permaneceu estável, em torno de 22%.


Em 2025, porém, a China representa cerca de 17% da população global, segundo estimativas do Worldometer. O cenário é considerado desfavorável às ambições do PC.


“Se a China tiver a sorte de estabilizar sua taxa de fecundidade em 0,8, sua população total cairá para 1 bilhão em 2050 e para 320 milhões em 2100, o que representaria, respectivamente, 11% e 3% da população mundial”, diz o pesquisador.

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