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Decisão da ONU ignora risco de contágio por Covid, alertam especialistas

A ONU determinou medidas de distanciamento social e restrição de público, mas não exigirá comprovante de vacinação

FolhaPress

19/09/2021 14h26

Foto: Divulgação

Rafael Balago

Pela primeira vez desde o começo da pandemia, mais de cem líderes e delegações de vários países irão se reunir em um mesmo espaço físico, na Assembleia-Geral da ONU, cuja etapa de alto nível será realizada a partir de terça (21).

As medidas adotadas pela ONU, como a restrição de público, ajudam a reduzir riscos de contágio, mas não há como evitá-los por completo, avaliam especialistas ouvidos pela reportagem. “Mesmo que se adotem protocolos, não há como garantir que não haja uma situação temerária. Na condição atual, eventos internacionais desse porte deveriam ser evitados de modo presencial”, avalia Bernardino Souto, professor de medicina da UFSCar e especialista em epidemiologia

“Um encontro assim vai juntar pessoas de países e estados que estão em momentos diferentes da pandemia. Se fossem pessoas de um mesmo local, com exigência de vacinação, como em eventos que estão sendo feitos nos EUA, os riscos seriam menores” considera Alberto Chebabo, infectologista da UFRJ.

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) embarcou neste domingo (19) para o evento em Nova York. Na segunda-feira (20), vai se reunir com o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, no primeiro encontro bilateral entre os dois.

A ONU determinou medidas de distanciamento social e restrição de público, mas não exigirá comprovante de vacinação. Poderão comparecer apenas funcionários da entidade e jornalistas que já trabalham no quartel-general e possuem um escritório ali. Não haverá plateia, e cada líder estrangeiro poderá levar uma delegação de seis pessoas às dependências, sendo quatro ao salão da assembleia. O uso de máscara será exigido o tempo todo, exceto enquanto a pessoa estiver falando em reuniões.

“Se todas as medidas forem seguidas, como os líderes manterem distância entre si, o risco de contágio na reunião em si é baixo. Mas é preciso atenção com a chegada e a circulação dos viajantes pelo país”, avalia Eliseu Waldman, professor do Departamento de Infectologia da USP.

Ao chegar ao evento, os participantes terão de atestar que não tiveram sintomas ou diagnóstico de Covid nos últimos 14 dias nem contato com pessoas que tiveram a doença. E, caso apresentem algum sintoma durante o evento, a orientação é que deixem de comparecer presencialmente.

“Este critério de olhar sintomas não quer dizer nada, pois muitas vezes a pessoa está assintomática e nem sabe que tem a doença”, pondera Chebabo. “O ideal seria exigir que todos estivessem vacinados e fizessem testes.”
Newsletter Lá fora Na newsletter de Mundo, semanalmente, as análises sobre os principais fatos do globo, explicados de forma leve e interessante. * Os protocolos adotados pela ONU são mais brandos do que os das Olimpíadas de Tóquio, por exemplo, que mantiveram os atletas em uma espécie de bolha e exigiram que tanto eles quanto os jornalistas cumprissem um período de isolamento anterior ao evento.

Nos jogos, houve poucos casos entre os atletas, embora o país tenha enfrentado uma alta da Covid no mesmo período. “O Japão já estava com elevação de casos antes da Olimpíada, e a alta seguiu depois. Não dá para dizer que o evento gerou a alta”, considera Chebabo.

O professor da UFRJ também avalia que o risco de contágio será baixo entre os participantes da Assembleia Geral em si, mas que há mais risco para a cidade, já que encontros assim acabam trazendo delegações grandes, que circularão pelas ruas, além de outros viajantes.

A comitiva oficial brasileira prevê 18 pessoas além do presidente Jair Bolsonaro, sendo oito ministros: Carlos França (Relações Exteriores), Anderson Torres (Justiça), Paulo Guedes (Economia), Marcelo Queiroga (Saúde), Joaquim Leite (Meio Ambiente), Guimarães Neto (Turismo), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral), e Augusto Heleno (Seg. Institucional). Além deles, irão o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a primeira-dama Michelle Bolsonaro, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, e três tradutores.

Antes do evento, a prefeitura de Nova York tentou exigir que os frequentadores da Assembleia-Geral apresentassem comprovantes de vacina. Desde agosto, eventos com público em lugares fechados na cidade, além de restaurantes, precisam aferir se os visitantes tomaram ao menos uma dose de vacina da Covid.

Na terça, a ONU indicou que atenderia ao pedido e recomendou aos viajantes estrangeiros que viessem vacinados. No entanto, após críticas da Rússia, a entidade mudou de posicionamento. O secretário-geral, António Guterres, disse que não teria como impedir líderes estrangeiros não imunizados de irem ao encontro, e a decisão foi formalizada na quinta (16).

Se tivesse sido mantida, a medida poderia impedir a entrada do presidente Bolsonaro. Ele já afirmou diversas vezes que não se vacinou contra a Covid, que já matou 4,7 milhões de pessoas pelo mundo. Em transmissão por redes sociais nesta quinta (16), repetiu a fala. “Depois que todo mundo tomar [a vacina] eu vou decidir o meu futuro aí”, afirmou.

O prefeito de Nova York, Bill de Blasio, afirmou que a prefeitura vai fornecer de graça testes para a Covid-19 e doses da vacina da Janssen (de dose única) do lado de fora da sede da ONU. No entanto, a imunização só é considerada efetiva duas semanas após a aplicação.

Na cidade, o uso de máscaras é obrigatório em escolas, no transporte público, em ambientes hospitalares e abrigos de idosos, entre outros locais. Em comércios e outros espaços públicos fechados, o uso é apenas recomendado, e cada estabelecimento pode decidir exigi-lo ou não.

Nova York tem 60% dos moradores plenamente vacinados, e 67,7% com a primeira dose. O percentual é maior do que nos EUA como um todo, onde 54,9% estão com a imunização completa. Houve alta de casos no município a partir de julho, mas os números se mantêm em um platô estável desde então, na faixa de 2.000 novos casos diários. Já o número de mortes segue baixo, em torno de 15 mortes por dia, desde maio.

A sede da ONU em Nova York tem status de território internacional e não está sob jurisdição das autoridades dos Estados Unidos. A exceção foi definida em um acordo de 1947. O documento determina que as leis locais e nacionais dos EUA devem ser observadas ali, mas se houver conflito entre as leis americanas e as determinações da ONU, as regras da entidade prevalecem.

O tratado também determina que agentes da lei dos EUA só podem entrar no território do quartel-general com autorização da ONU. Com isso, policiais americanos não poderiam ir lá fiscalizar se os participantes de um evento estão vacinados, por exemplo.

O acordo de 1947 prevê que os Estados Unidos não podem impedir o trânsito de pessoas que estejam a caminho da sede da ONU, sejam autoridades, jornalistas, especialistas ou demais convidados da entidade.

Assim, mesmo pessoas que não poderiam entrar no país, por estarem em listas como as de sanções econômicas e de veto de entrada, conseguem participar de eventos como a Assembleia-Geral. Usando este direito, líderes cubanos como Fidel Castro (1926-2016) e Che Guevara (1928-1967) puderam ir até Nova York discursar em defesa do socialismo, modelo combatido pelo governo americano, no auge da Guerra Fria.

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