JORGE ABREU
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)
O indígena já nasce ativista. Este mote dos povos originários reflete a foto de um bebê munduruku nos braços do embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, a conferência sobre mudanças climáticas das Nações Unidas, durante uma manifestação em Belém (PA).
A imagem que circulou o mundo marca um dos momentos de maior tensão da conferência. No dia 14, ainda na primeira semana, o povo munduruku bloqueou a entrada principal do evento em ato contra o plano de hidrovias do governo Lula (PT) na região conhecida como Baixo Tapajós (PA).
O protesto reivindicou o futuro das crianças ali presentes, ameaçadas pelo empreendimento. Esse ato resultou em uma reunião entre os mundurukus e as ministras Sonia Guajajara (Povos Indígenas) e Marina Silva (Meio Ambiente), que garantiram consulta prévia sobre a implementação das hidrovias.
Ao longo da COP30, realizada entre 10 e 22 de novembro na capital paraense, crianças estiveram em várias atividades internas e externas. Uma dessa crianças foi Yará Sataré Mawé, 10, do Amazonas. Ela pediu autorização na escola para faltar às aulas e participar do evento global, onde levou a voz de quem precisa de um futuro verde.
“Eu achei a COP muito importante porque lá pessoas falam sobre como proteger a natureza. E nós, povos indígenas, já cuidamos da natureza há muito tempo. A natureza é a nossa casa e quando ela sofre, nós também sofremos juntos”, disse.
A pequena ativista indígena faz parte dos 1.118 participantes com menos de 16 anos que foram registrados na zona azul, espaço diplomático da COP30, segundo dados da UNFCCC (o braço climático da ONU). A entidade aponta que o número é maior do que na COP29 e na COP28.
Yará, apesar da pouca idade, já tem experiência de luta. No dia 8 de abril deste ano, ela relatou como as mudanças climáticas afetam a infância na Câmara dos Deputados, em Brasília, durante programação do Acampamento Terra Livre, a maior manifestação indígena da América do Sul.
“A natureza é a nossa mãe. E se eu não lutar hoje, amanhã não vai ter ninguém pra limpar os rios e não vai ter ninguém pra cuidar dos peixes. E talvez, quando eu crescer, não vai ter floresta para brincar e viver.”
Na Marcha Global do Clima as crianças indígenas também protagonizaram a luta pelo futuro. No dia 15, elas se juntaram ao público de 70 mil pessoas, segundo organizadores, para pedir o fim do petróleo e gás na amazônia.
Outro evento que voltou à programação da COP foi o Fridays for Future (sextas-feiras pelo futuro), movimento criado pela ativista sueca Greta Thunberg, quando tinha 15 anos, e expandido por jovens ativistas no mundo todo.
Para o instituto socioambiental Alana, voltado para crianças e adolescentes, a COP30 ficou marcada na história com a inclusão da infância de forma transversal na lista de prioridades da diplomacia climática internacional.
De acordo com o instituto, as crianças e os adolescentes participaram, antes e durante o evento, de consultas e escutas, debates, painéis e outras atividades oficiais, o que representa uma mudança estrutural e exponencial no formato da conferência.
Nas primeiras 16 edições da cúpula do clima, apenas duas menções a crianças apareceram nos documentos oficiais, segundo o instituto Alana. Já nas últimas seis COPs, foram 77 menções, um crescimento atribuído à pressão global voltada ao tema.
“A COP30 foi uma oportunidade única para nós, crianças e adolescentes indígenas, de falar nossas opiniões e discutir assuntos. É muito importante quando nossa voz é escutada de verdade”, disse Vicente Baré, 13.
“Essa luta não começou hoje. Ela vem dos nossos pais, dos nossos avós, que sempre nos ensinaram sobre as mudanças do clima, sobre a poluição dos rios, sobre a importância de proteger e demarcar nossos territórios”, diz.
Philip McMaster, do Canadá, se fantasia de Papai Noel “da Sustentabilidade” e recolhe pedidos de crianças e adolescentes em cartas e desenhos sobre suas expectativas de futuro. Em sua décima participação em COPs, ele espera colaborar para pressionar por uma mudança nas decisões sobre o clima.
“Eu apresento os pedidos das crianças e adolescentes para os líderes da COP, nesse caso Marina Silva e Lula. Nós perguntamos: o que vocês estão fazendo pelo futuro? Por que estamos aqui? Qual é o propósito disso?”, questionou.