VICTORIA DAMASCENO
PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS)
O regime chinês subiu o tom com o Japão nos últimos dias ao dizer que está fora da agenda do premiê Li Qiang um encontro com a primeira-ministra Sanae Takaichi na cúpula do G20, aprofundando a crise diplomática que se arrasta nas últimas duas semanas.
Em entrevista coletiva na sede do Ministério das Relações Exteriores nesta segunda-feira (18), a porta-voz Mao Ning fez a declaração, dizendo ainda que as falas da líder japonesa causam “danos fundamentais” às relações entre os países.
“Instamos o Japão a abordar a história e as relações com a China de forma responsável, a parar de ultrapassar os limites e de brincar com fogo, a retratar-se das declarações errôneas e a agir seriamente para honrar o compromisso do Japão com a China”, afirmou Mao.
O estopim da crise foram as falas feitas por Takaichi em resposta à pergunta de um parlamentar da oposição sobre em que situações ela poderia acionar uma lei que permite ao premiê utilizar as Forças de Autodefesa do Japão. Na ocasião, Takaichi afirmou que uma tentativa do regime chinês de submeter Taiwan ao seu domínio por meio da força militar seria um exemplo. Isso porque um ataque a navios de guerra americanos usados para romper um bloqueio chinês poderia exigir que Tóquio se envolvesse para defender os EUA, seu aliado e defensor da soberania da ilha.
Para a China, o envolvimento de países na questão de Taiwan viola a soberania chinesa, uma vez que o país vê o assunto como doméstico. Pequim afirma que a ilha, formalmente chamada de República da China e com presidente democraticamente eleito, é parte de seu território e não descarta utilizar força militar para uma reunificação.
Desde a fala de Takaichi, os países vivem em fogo cruzado, mantido principalmente a nível de discurso, mas com ações militares ostensivas. Na segunda-feira (17), o Japão mobilizou sua Força Aérea após detectar um suposto drone chinês entre Taiwan e Yonaguni, uma ilha japonesa.
A China, por meio de uma formação de navios costeiros, intensificou as patrulhas ao redor das Ilhas Senkaku, território do Japão. Segundo Tóquio, Pequim também enviou um navio de mísseis da marinha para navegar próximo a uma província japonesa.
Parte da ação chinesa tem ocorrido por meio de declarações direcionadas às autoridades japonesas, subindo o tom nas manifestações. Uma semana depois do estopim, por exemplo, um porta-voz do Ministério da Defesa de Pequim afirmou que Tóquio sofreria uma “derrota esmagadora” caso se arriscasse na questão de Taiwan, segundo a mídia estatal Xinhua.
Em um movimento raro, Pequim também convocou o embaixador do Japão na China, Kenji Kanasugi, para apresentar pessoalmente os protestos do regime em relação às falas da primeira-ministra.
“A causa principal [da convocação] reside nas declarações extremamente errôneas, perigosas e provocativas da primeira-ministra japonesa, Sanae Takaichi, sobre Taiwan, e em sua recusa em mudar de posição e retratar-se do que havia dito. Isso interfere gravemente nos assuntos internos da China, viola o direito internacional e as normas básicas das relações internacionais”, disse outro porta-voz do regime, Lin Jian, em coletiva de imprensa.
Em outro desdobramento, o Ministério das Relações Exteriores chinês aconselhou seus cidadãos a evitarem viagens ao Japão, levando companhias aéreas como a Air China, a permitir reembolsos e alterações nos voos para o Japão sem custos. Enquanto isso, Tóquio avisou japoneses que vivem na China a tomar precauções de segurança, como interagir com cuidado com moradores locais.
Não é a primeira vez que os países emitem alertas a seus cidadãos. A conturbada relação diplomática entre eles, com raízes em diversos conflitos, faz com que as autoridades deem instruções em momentos de relações diplomáticas instáveis.
Em setembro deste ano, por exemplo, Tóquio pediu cuidado aos seus cidadãos na China devido a um sentimento “anti-japonês” que poderia ser intensificado com as comemorações da vitória chinesa sobre o Japão na Segunda Guerra Mundial. Nas celebrações, que envolveram um grande desfile militar, Pequim reiteradamente falou sobre as mortes causadas no país pelo Exército imperial, como o massacre de Nanjing.
Para o professor Edward Vickers, docente na Universidade de Kyushu (Japão) e pesquisador da relação entre os países, há uma forte ligação entre a resposta chinesa e a história entre as nações.
“A franqueza do Japão sobre a questão de Taiwan é vista como particularmente ultrajante na China, devido ao histórico do Japão como o ‘agressor estrangeiro’ que separou Taiwan da China e a governou como colônia por cinquenta anos”, disse ele.
Agora, o Japão tenta acalmar os ânimos com o envio do diretor-geral do Departamento de Assuntos Asiáticos e da Oceania do Ministério de Relações Exteriores do Japão, Masaaki Kanai, que teve uma reunião com seu homólogo chinês, Liu Jinsong.
Na ocasião, a China instou o Japão a retirar as “declarações equivocadas e parar de criar problemas”, segundo a mídia estatal de Pequim.