FÁBIO PUPO
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)
A sessão inaugural das negociações da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), nesta segunda-feira (10), contou com uma objeção da China nas discussões sobre o chamado artigo 9.1, que trata das obrigações de países desenvolvidos em fornecer recursos financeiros a nações em desenvolvimento.
A manifestação chinesa interrompeu temporariamente a discussão dos chamados órgãos subsidiários da COP, que reúnem a parte técnica do evento, e deixou explícito o nível de atenção com o tema durante os debates climáticos.
A discussão em torno do artigo 9.1 do Acordo de Paris é um dos pontos mais sensíveis das negociações climáticas, pois trata diretamente da obrigação legal dos países desenvolvidos de fornecer recursos financeiros aos países em desenvolvimento.
Ele diz que os países mais ricos devem ajudar o resto do mundo nos esforços de mitigação e adaptação, seguindo o princípio das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”.
A ideia desse trecho do Acordo de Paris é reconhecer que os países ricos têm uma dívida histórica no aquecimento global, pois foram os que mais emitiram gases de efeito estufa ao longo dos séculos, e por isso devem financiar os esforços climáticos das nações em desenvolvimento.
Mas países desenvolvidos (como Estados Unidos, os membros da União Europeia e Japão) tentam reinterpretar o artigo como uma obrigação coletiva e voluntária, defendendo que outros países emergentes ricos -como China, Arábia Saudita ou Coreia do Sul- também contribuam financeiramente.
De acordo com a delegação chinesa, o assunto é de suma importância, mas o tópico foi incluído na pauta sem aviso com antecedência, em um momento em que representantes da área financeira dos países estavam envolvidos em outros compromissos.
“Há um grande número de delegados que não contam com especialistas financeiros nesta reunião para garantir que haja um debate detalhado. Por isso, sugerimos que seja realizada outra discussão temática, com notificação prévia a todas as partes, de modo que todos possam se preparar adequadamente”, afirmou um dos representantes chineses no encontro.
A Arábia Saudita endossou a posição da China, dizendo que seus negociadores também estavam em outras sessões e não haviam sido informados de antemão de que o tema seria tratado na reunião inaugural.
A chefe do SBI (em português, sigla para Órgão Subsidiário de Implementação), Julia Gardiner, reconheceu que o assunto não havia sido comunicado com tanta antecedência, mas ressaltou que agora ele está disponível para consulta. Com as objeções, o assunto deve ser tratado em outro momento ainda não definido.
Em outro ponto das discussões técnicas, a Ucrânia defendeu que a COP30 faça uma ressalva nos relatórios apresentados pela Rússia e por territórios ocupados. O país, liderado por Vladimir Putin, considera desde 2014 como suas partes anexados do território ucraniano -como a Crimeia. A Rússia, que tinha representantes na discussão, não se manifestou.
Olha Yushkevych, representante ucraniana, afirmou à Folha que a prática de fazer a ressalva foi adotada pela Ucrânia em debates internacionais como forma de reforçar que o domínio russo sobre esses territórios é temporário -evitando, assim, consolidar a visão nos fóruns internacionais de que a Rússia tem plenos poderes sobre essas partes.
O começo das discussões técnicas também contou com a união de países latino-americanos em torno do Comitê de Adaptação, o principal órgão técnico das Nações Unidas para mudanças climáticas.
Endossaram os trabalhos do grupo Uruguai, Colômbia e Argentina. A União Europeia também expressou apoio.
De modo geral, países em desenvolvimento (especialmente os mais vulneráveis, como os africanos e insulares) veem o Comitê de Adaptação como um espaço essencial para garantir voz e recursos à agenda de adaptação e garantir recursos par aos menos desenvolvidos, enquanto países ricos em geral tendem a tratá-lo com menor prioridade política e orçamentária. Por isso, parte dos delegados afirma que apoiar o comitê é um posicionamento importante para os países em desenvolvimento.
O Brasil não se manifestou em nenhum dos momentos. Conforme mostrou a Folha, a orientação do Itamaraty é usar a presidência da COP para exercer um papel de líder no debate climático, mas querendo evitar ser visto como alguém interessado em um dos lados da discussão. O governo quer tirar de sua agenda discursos polarizadores e planeja demonstrar a imagem de um ator confiável em busca de consensos.
O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, orientou o corpo diplomático a evitar o tom reivindicatório nas discussões ambientais e a exercer, em vez disso, uma liderança moderada. O objetivo é desempenhar mais o papel de um juiz em busca de acordos do que o de um jogador com interesses isolados.