DOUGLAS GAVRAS
BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS)
Referência de estabilidade e desenvolvimento na região, o Chile que vai às urnas neste domingo (16) para escolher o próximo ocupante do Palácio de La Moneda é um país com medo. Enquanto vizinhos elegeram seus últimos presidentes em busca de respostas para a economia, os chilenos viveram uma campanha eleitoral centrada no aumento da criminalidade e da imigração irregular.
Os favoritos na disputa são a administradora pública e advogada Jeannette Jara, ex-ministra do Trabalho do presidente Gabriel Boric e filiada ao Partido Comunista, e José Antonio Kast, um advogado de ultradireita, líder do Partido Republicano e que defende o ditador Augusto Pinochet.
A ex-ministra, de 51 anos, promete aumentar o número de policiais e determinar um censo sobre estrangeiros, enquanto Kast, 59, fala em construir um muro e enviar militares para as fronteiras com o objetivo de conter a entrada de imigrantes. Ele também defende o endurecimento das penas para crimes.
Ao longo da campanha, Kast relacionou a vinda de estrangeiros ao fortalecimento de cartéis de tráfico de drogas operando em território chileno e sugeriu um plano de deportação.
Em duas décadas e meia, o número de pedidos de residência feitos por estrangeiros aumentou 11 vezes no Chile, chegando a 136,8 mil no ano passado. A grave crise econômica e política em seu país fez com que os venezuelanos liderassem as solicitações no período (30%), seguidos por peruanos (19%), colombianos e haitianos (12% cada um), segundo dados do serviço chileno de imigração.
O aumento da violência no país, que viu homicídios triplicarem na última década, leva a população a pedir mais segurança. Os chilenos dizem temer sequestros e roubos, ainda que vivam em um dos locais mais seguros da região.
Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, o número de ocorrências policiais de todo o tipo registradas no país era de 1,3 milhão no ano passado, o maior patamar em dez anos. Além disso, 9 em cada 10 chilenos dizem acreditar que a criminalidade aumentou, e mais de 261 mil pessoas foram presas em 2024.
Para Mauro Basaure, sociólogo e professor titular da Universidade Andrés Bello, a sociedade chilena enfrenta uma mudança nos tipos de crime –homicídios mais letais, sequestros com extorsão e violência ostensiva característica do crime organizado– e a espetacularização desses eventos, gerando uma percepção que transcende as estatísticas e se torna uma forma de ansiedade coletiva.
“O Chile tem níveis de criminalidade relativamente moderados, mas o tipo de violência está se tornando excepcionalmente chocante. Negar qualquer um desses aspectos é um erro: a realidade objetiva do crime está mudando, e essa mudança alimenta um regime subjetivo de medo que remodela a política, desloca as prioridades públicas e produz uma governança baseada no medo.”
A preocupação com a segurança tem se mostrado mais premente entre os eleitores que a histórica demanda por reformas sociais que ampliem o acesso a direitos universais, saúde e educação gratuitas, conforme ficou evidenciado na rejeição à nova Constituição proposta por Boric há dois anos.
Caso a tendência apontada pelas pesquisas se confirme e nenhum candidato consiga 50% dos votos, Jara e Kast (que tenta a Presidência pela terceira vez) voltam a se enfrentar, em um segundo turno, no dia 14 de dezembro.
As pesquisas sugerem que Jara pode liderar o primeiro turno, mas analistas acreditam que Kast poderá ganhar no segundo turno ao aglutinar os votos de outros dois candidatos da direita, o também radical Johannes Kaiser (Partido Nacional Libertário) e a representante da direita tradicional, Evelyn Matthei (UDI).
Um agregador de pesquisas elaborado pelo Celag Data mostra que Jara lidera desde o fim de junho, com 32,5% ante 23,5% de Kast e 15,9% de Matthei; nas primeiras semanas de novembro, segundo uma média de pesquisas, Jara tinha 28,2%, Kast aparecia com 21,5%, e Matthei registrava 13,5%. Parte dos levantamentos dão Kaiser tirando o terceiro lugar de Matthei.
Também concorrem Franco Parisi (Partido do Povo) e os independentes Marco Enríquez-Ominami, Eduardo Artés e Harold Mayne-Nicholls.
A decisão deste domingo pode representar uma mudança significativa no cenário político chileno, especialmente com a ascensão da extrema direita nos últimos anos, que é vista como parte de um fenômeno global.
Pelas regras do país, Boric não poderia tentar um novo mandato consecutivo. O ex-líder estudantil, que gerou entusiasmo ao chegar ao governo, deixará o poder com aprovação na casa dos 30%.
O próximo presidente herdará um legado desconexo de Boric, avalia Basaure, entre as expectativas de transformação que sua eleição gerou e a capacidade de gestão efetiva.
“Embora tenha alcançado alguns avanços específicos –salário mínimo, jornada de trabalho de 40 horas semanais, políticas de assistência social–, esses marcos carecem de profundidade estratégica diante do fracasso das reformas estruturais e, sobretudo, do colapso do projeto de reforma constitucional.”
“Em vez de consolidar um horizonte progressista, Boric deixa para trás uma esquerda desgastada e na defensiva, sem credibilidade transformadora, enquanto a população se inclina para soluções radicais. Se o próximo presidente for da extrema direita, não será por acaso, mas sim o culminar de um ciclo que este governo, por meio de ações e omissões, pavimentou.”
Cerca de 15,6 milhões de eleitores estão aptos para votar, e a participação se tornou obrigatória no país, com multa para quem não comparecer. Além de escolherem o próximo presidente, os chilenos vão renovar a Câmara dos Deputados e metade do Senado.
Atualmente, há um maior equilíbrio entre representantes de esquerda e direita. Para a próxima legislatura, a DecideChile projeta que a coalizão de esquerda Unidade pelo Chile (mais aliados) perca cadeiras e que a união dos blocos de direita Chile Grande e Unido e Mudança pelo Chile (com aliados) supere a maioria, de 78 deputados. No Senado, a direita também poderia alcançar a maioria, de 26.