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Mundo

Campanha de Trump para dominar mídia dos EUA avança por meio de aliados

Redação Jornal de Brasília

24/10/2025 9h33

Foto: Greg Nash/POOL/AFP

Foto: Greg Nash/POOL/AFP

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

A campanha de Donald Trump para tentar dominar a mídia dos Estados Unidos tem avançado com rapidez. Boa parte das redes sociais e dos veículos de imprensa americanos pode parar nas mãos de aliados do presidente em breve.


Já estão alinhados ao movimento Maga (acrônimo em inglês para “faça a América grandiosa novamente”) a Fox News, principal TV a cabo do país; a histórica emissora CBS, agora sob comando de David Ellison; e o X, de Elon Musk. Em breve, trumpistas podem assumir o controle da CNN, da HBO e do TikTok.


David, 42, é filho de Larry Ellison, 81, fundador da empresa de software e bancos de dados Oracle. Os dois despontam como os novos magnatas da mídia. Larry é o segundo homem mais rico do mundo, dono de uma fortuna pessoal de US$ 345 bilhões.


Ele e Rupert Murdoch estão no grupo seleto de empresários escolhidos por Trump para comprar o TikTok nos EUA, após acordo costurado pela Casa Branca com o regime chinês. Tudo indica que os aliados do republicano vão levar o aplicativo por uma pechincha —o preço em discussão, de US$ 14 bilhões, está bem abaixo do valor estimado por analistas. Além disso, a Oracle será responsável por retreinar o algoritmo do aplicativo com dados de usuários americanos.


O mais recente capítulo da saga dos Ellisons rumo ao Olimpo midiático americano foi uma oferta de compra à Warner Bros. Discovery (WBD), dona da CNN e da HBO, neste mês. O presidente da WBD, David Zaslav, rechaçou a proposta de David, mas este não desistiu, e não está claro até que ponto Zaslav poderá resistir diante da pressão dos acionistas. Nesta terça-feira (21), a WBD anunciou que começou a avaliar a venda após receber “interesse não solicitado” de “múltiplas partes”, sem citar os Ellisons.


Larry é bem próximo de Trump. Estava ao lado do republicano no Salão Oval quando o presidente anunciou, no segundo dia de seu segundo mandato, o projeto Stargate. Trata-se de uma parceria entre a Oracle, OpenAI e SoftBank que prevê investimento de US$ 500 bilhões na construção de datacenters nos EUA para alimentar modelos de inteligência artificial.


Em agosto, David comprou a Paramount, ao fundi-la com seu estúdio, o Skydance. Com a fusão, o Ellison filho passou a controlar a veneranda CBS, que já abrigou ícones do jornalismo como o âncora Walter Cronkite (1916-2009), “o homem mais confiável da América”.


Para chefiar a CBS, David escolheu a jornalista Bari Weiss, que já iniciou a “deswokização” da emissora —processo de afastar pautas progressistas ligadas à diversidade, à equidade racial e à identidade de gênero. Ela ficou famosa ao se demitir da seção de opinião do jornal The New York Times sob o argumento de ter sofrido bullying de seus colegas por suas visões de centro-direita.


Trump deixou claro que faz muito gosto no casamento Ellisons-CBS. “Larry Ellison é ótimo, e seu filho, David, é ótimo. São meus amigos e meus grandes apoiadores meus. E eles farão a coisa certa. Vão fazer com que a CBS, esperamos que eles….” disse Trump a repórteres, sem completar o raciocínio.


Para Jeffrey Chester, diretor-executivo do Centro para Democracia Digital, “está em curso um golpe na mídia”. “Vão silenciar quem não apoia a agenda Maga. É uma mudança radical no sistema de mídia para fortalecer os conservadores, com pouca resistência”, diz


Em artigo na revista Columbia Journalism Review, Emily Bell, professora da Universidade Columbia, escreveu que “essa concentração de propriedade de veículos de mídia sob David Ellison é um exemplo preocupante de integração vertical na era da IA”.


“A Oracle é uma empresa de tecnologia, não de mídia, mas seus serviços de hospedagem, processamento e nuvem estão profundamente incorporados na cadeia de propriedade da mídia”, opinou Bell. “A captura da mídia deixa a comunicação em massa vulnerável à manipulação por interesses.”


Esta é a segunda parte da estratégia Maga de controle do ecossistema de informações. Na primeira fase, o presidente “normalizou” influenciadores de ultradireita ao incorporá-los e priorizá-los na cobertura da Casa Branca, enquanto deixava a mídia profissional de escanteio.


Ele vem reduzindo cada vez mais o acesso dos veículos independentes, como fez com a Associated Press. Recentemente, o Pentágono publicou uma nova diretriz na qual prevê cassação das credenciais de jornalistas que não se comprometerem a não usar informações que não tiverem sido aprovadas pelo secretário Pete Hegseth. A maioria dos repórteres se recusou e se retirou da cobertura in loco do departamento.


À mercê de Trump ainda há o grupo de veículos e plataformas que não são geridos por apoiadores ferrenhos do Maga, mas dão sinais de cooptação. Os donos do jornal The Washington Post, da TV ABC e da Meta (dona do Facebook e do Instagram, entre outros) têm se desdobrado para agradar ao presidente e, assim, garantir que o governo não atrapalhe seus negócios mais lucrativos.


Ao praticamente entregar nacos do sistema de informações a empresários alinhados e instrumentalizar a FCC, a agência de regulação do setor, Trump segue o roteiro do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Na Hungria, os efeitos dessa política foram impressionantes. Desde que Orbán reassumiu em 2010, ele desmantelou a mídia crítica e, hoje, cerca de 80% dos veículos húngaros são governistas, segundo a Repórteres sem Fronteiras.


CONTROLE DA COMISSÃO DE LICENÇAS DE MÍDIA


Para concretizar seu plano de captura da mídia, Trump precisa de aprovação da FCC (Comissão Federal de Comunicações), encarregada de dar sinal verde a fusões e concessões de radiodifusão. Liderada por Brendan Carr, chamado por Trump de “guerreiro da liberdade de expressão”, a agência não deve ser um impedimento.


Carr acusou a CBS de ter feito “distorção de notícias” na edição de uma entrevista de Kamala Harris, a candidata democrata à Presidência derrotada por Trump, em setembro do ano passado, no programa 60 Minutes. Ele disse que o episódio poderia influenciar a análise da FCC sobre a fusão entre a Paramount, controladora da CBS, e a Skydance.


Os controladores da Paramount entenderam o recado. A empresa foi processada por Trump e fechou um acordo com pagamento de US$ 15 milhões. Analistas acreditavam que a companhia não precisasse ter feito o acordo, pois ganharia facilmente a causa na Justiça. Em agosto, a agência aprovou a fusão.


No mês passado, Carr ameaçou retaliar estações de TV que não cancelassem a transmissão do programa de Jimmy Kimmel. A atração do comediante foi suspensa pela emissora ABC depois de ele fazer comentários sobre o assassinato do conservador Charlie Kirk, dando a entender que o assassino seria apoiador de Trump.


Poucas horas depois da entrevista, a Nexstar Media (que tem uma fusão sob avaliação pela FCC) e a Sinclair, que juntas possuem dezenas de afiliadas da ABC, suspenderam o programa de Kimmel.

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