GEOVANA OLIVEIRA, JOÃO GABRIEL E TAYGUARA RIBEIRO
BELÉM, PA (FOLHAPRESS)
Os governos do Brasil e da Colômbia estão pressionando os negociadores da COP30 a incluir pela primeira vez uma menção a afrodescendentes na cúpula do clima.
Na tarde desta quinta-feira (13), a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco e a vice-presidente colombiana Francía Márquez confirmaram que vão pautar o reconhecimento dos povos afrodescendentes nas negociações.
O governo colombiano conseguiu incluir o termo no texto da conferência mundial da ONU sobre biodiversidade, que aconteceu no ano passado em Cali. A população afrodescendente também foi reconhecida em 2 de 3 textos das Reuniões Climáticas de Junho em Bonn, na Alemanha, consideradas um termômetro para a COP30.
Apesar de o cenário parecer propício para a menção inédita, negociadores e observadores ligados à pauta afirmam que estão encontrando mais resistência do que esperavam. Eles citam oposição de países do continente africano, além da Rússia.
O tema está em pauta, principalmente, em dois documentos da cúpula do clima. Um deles é o de adaptação, no qual os afrodescendentes nunca foram citados.
Já no texto de gênero o termo é, sim, citado, pelo menos quatro vezes, mas em uma delas com colchetes, o que significa que o trecho ainda não é um consenso entre as partes. Neste caso, segundo um observador que acompanha a pauta, a pressão para retirar a menção vem sobretudo de Rússia e Egito.
A ministra de Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, diz que a principal questão gira em torno do termo usado.
“Especificamente, quando a gente está pensando em populações negras, há uma dificuldade na formulação conceitual. Porque muitas vezes as pessoas não entendem esse conceito de afrodescendente.
Em alguns países se falam palenques, quilombolas, povos originários, povos tribais”, diz Evaristo.
No Brasil, porém, ressalta a ministra, a maioria das pessoas afetadas por alagamentos nas periferias não são conhecidas como quilombolas, mas como afrodescendentes.
Observadores afirmam que alguns países do continente africano, que reconhecem suas tribos como indígenas ou comunidade local, pedem que os afrodescendentes da América Latina façam o mesmo.
Outros negociadores avaliam que a resistência se deve ao receio de que, se o papel dos afrodescendentes for reconhecido, os países africanos terão que partilhar o já escasso recurso que recebem para investimentos relacionados ao clima.
A Citafro, coalizão internacional dos povos afrodescendentes da América Latina e do Caribe, afirma que os afrodescendentes querem ser reconhecidos como um povo étnico, assim como aconteceu com os indígenas na COP21, sediada em Paris.
Na tarde desta quinta-feira (13), representantes da coalizão se reuniram com negociadores do Chile, Brasil, Uruguai e Colômbia para pedirem uma frente unificada da América Latina na pressão pelo reconhecimento.
Foi entregue aos negociadores uma declaração que propõe seis artigos de acordo a serem incluídos formalmente nas negociações. As demandas são para garantir a participação plena e o financiamento direto de ações lideradas pelos povos afrodescendentes, reconhecendo-os como guardiões do clima e da natureza.
“As populações afrodescendentes se autoidentificam como povos, ou seja, coletivos que possuem uma relação ancestral com seus territórios, modos de vida e conhecimentos tradicionais. Elas se autoidentificam como sujeitos coletivos de direitos, possuem consciência de identidade étnica e cultural e preservam tradições e costumes”, diz o texto que justifica a necessidade de reconhecimento.
“Em seus territórios, conservam e preservam conhecimentos tradicionais e práticas socioculturais, cruciais para a ação climática e a conservação da biodiversidade”, completa o documento.