RAPHAEL DI CUNTO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O Senado Federal aprovou nesta terça-feira (7) o projeto de lei para facilitar e desburocratizar a portabilidade de salários e aposentadorias, permitir o débito automático de cartões emitidos por outras instituições financeiras e tornar mais transparentes mudanças nas taxas de juros.
O item não estava previso inicialmente na pauta do plenário do Senado para esta terça, apenas para quarta-feira (8), mas sua votação foi antecipada pelo presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Agora, segue para sanção do presidente Lula (PT).
O texto prevê que a portabilidade dos salários, aposentadorias e outros rendimentos se tornará automática, com o prazo da operação reduzido de 10 para 2 dias úteis. Além disso, será proibido ao banco original rejeitar a transferência por falta de informações ou inconsistências nos dados sobre o empregador. Bastará o pedido do correntista na nova instituição.
O projeto também determina que as instituições financeiras autorizem o débito automático de cartões de crédito ou empréstimos emitidos pelos concorrentes, informem com clareza o cliente sobre o custo das operações de crédito e avisem, com 30 dias de antecedência, sobre mudanças na taxa de juros.
A intenção é aumentar a transparência para os consumidores e estimular a concorrência. Ao facilitar o pagamento automático dos cartões de crédito e empréstimos emitidos por concorrentes, a proposta busca incitar que a própria instituição financeira oferte um pacote mais vantajoso para seu cliente.
O ponto de maior embate nos bastidores em torno do projeto foi uma disputa entre os maiores bancos do país e as fintechs por causa da portabilidade de salários de trabalhadores da iniciativa privada e principalmente os do serviço público, com a oferta de crédito consignado e outros serviços. Só os estados gastam anualmente R$ 1,8 trilhão com pessoal. Nas capitais, o gasto foi de R$ 439 bilhões em 2024.
A Zetta, associação das fintechs, diz que os bancos criam entraves à liberdade do trabalhador escolher onde receberá seu dinheiro, como rejeitar a operação por falhas no preenchimento do cadastro. Desde 2018, foram 32 milhões de pedidos, dos quais 49,6% foram negados pelas instituições.
Para a Abranet (Associação Brasileira de Internet), o projeto favorece amplamente os clientes, ao obrigar a oferta de mais vantagens para retê-los. “É mais um passo na direção da queda de juros, ao promover mais competição no mercado bancário, que sempre foi e ainda é muito concentrado no Brasil”, afirmou em nota.
Do outro lado, os grandes bancos dizem que gastaram bilhões de reais com a compra da folha de salários, aposentadorias e pensões de órgãos públicos e que esses contratos precisam ser respeitados.
Eles tentaram convencer os políticos a manterem pelo menos cinco dias úteis de prazo para a operação, para dar tempo de que a empresa se mova para reter o cliente, mas a iniciativa foi rejeitada pelos senadores.
Os bancos também buscaram representantes dos estados e municípios em busca de apoio para travar o projeto, com o argumento de que eles perderão essa fonte de receita no futuro. A Bahia, por exemplo, recebeu R$ 1 bilhão no atual contrato, e o estado de São Paulo, R$ 7 bilhões. Minas Gerais, que enfrenta dificuldades financeiras, ganhou R$ 2,4 bilhões em 2021 com o leilão da folhas de seus servidores.
O Bradesco apresentou à CNM (Confederação Nacional dos Municípios) dados de que estados e municípios podem perder R$ 16,5 bilhões anuais. A confederação fez estudo próprio e detectou que as prefeituras recebem cerca de R$ 1,4 bilhão por ano. O Bradesco não quis comentar.
Já o governo federal receberá R$ 7,8 bilhões neste ano por meio da venda da folha do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). O governo federal conseguiu uma alteração no projeto, no entanto, que na avaliação do Executivo preservará os contratos do INSS, ao determinar que as regras para portabilidade deverão atender a critérios do Poder Executivo. Os bancos contrários dizem que isso é insuficiente.
O governo Lula (PT), por meio do Ministério da Fazenda, participou da discussão e apoia o projeto. Há a percepção de que a proposta pode de fato diminuir a arrecadação dos entes públicos, mas que esse gasto bilionário hoje acaba por encarecer os serviços financeiros para toda a população, já que são compensados com tarifas e juros mais altos para os clientes.
Estudo da Zetta mostra que os bancos pagam, em média, R$ 754 por servidor em leilões para assumirem a gestão da folha. Os contratos de Santander, Bradesco, Banco do Brasil, Banrisul e Caixa Econômica Federal somam R$ 29,2 bilhões. O valor, diz a associação, se mantém estável desde 2015, apesar das medidas do Banco Central em 2018 para desburocratizar a portabilidade -que é permitida desde 2006.
A Zetta atuou junto do Banco Central para tentar modificar essas regras novamente, como a redução do prazo para transferência e critérios mais rígidos para negativas aos pedidos. A alteração nas regras, no entanto, caminha para ocorrer por meio de um arranjo político.
O agora presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), apresentou um projeto com esse objetivo ano passado, mas a retirou de tramitação para abafar críticas à parte do texto que permitia aos bancos confiscarem o dinheiro depositado em outra instituição para quitar empréstimos.
A proposta, contudo, continuou em negociações nos bastidores e foi redesenhada com apoio do Ministério da Fazenda. Líder do MDB e aliado de Motta, o deputado Isnaldo Bulhões (AL) protocolou o parecer direto no plenário, dentro de um projeto que tratava de outro assunto, e a Câmara aprovou.
A iniciativa, segundo relato de quatro pessoas ouvidas pela reportagem, tem como ator mais ativo o PicPay, braço financeiro da J&F Participações, grupo que também é dona da JBS.
Chairman da fintech, José Antônio Batista da Costa foi com o tio, Wesley Batista, à festa em que Motta comemorou sua eleição à presidência da Câmara. Foi o único grande banqueiro na comemoração, que reuniu mais de mil pessoas num espaço de eventos em Brasília.
O PicPay disse, em nota, que apoia iniciativas que “promovam a liberdade de escolha do cliente, a descentralização bancária e a melhoria da oferta de crédito e de serviços”. “Por isso, somos favoráveis ao PL 4871/24, que apresenta inúmeros benefícios para os usuários do sistema financeiro do país”, afirmou.
Motta e Bulhões não responderam à reportagem.
PORTABILIDADE SALARIAL E DE APOSENTADORIAS
Como é hoje
- Portabilidade depende de análise dos dados
- Operação costuma ser negada por inconsistência nos dados do empregador
- Dez dias úteis para concluir a operação
Como fica no projeto - Portabilidade será automática
- Proibida a recusa por falta de informações do contratante
- Prazo de dois dias úteis
OUTRAS MEDIDAS DO PROJETO - Débito automático de cartões de crédito ou empréstimos emitidos por instituições diferentes
- Cliente deverá ser informado com clareza sobre o custo total das operações de crédito e dos juros cobrados
- Aumento do limite de crédito e mudança na taxa de juros deverá ser avisado com 30 dias de antecedência
Fonte: Banco Central; PL 4871/24; Zetta.