Menu
Economia

Reforma administrativa: Proposta supera a de FHC, mas esbarra em implementação, dizem especialistas

O pacote, que inclui três textos, estabelece uma tabela única de remuneração para todo o serviço público brasileiro

Redação Jornal de Brasília

03/10/2025 6h01

A reforma administrativa na Câmara propõe a maior mudança da história no RH do Estado e supera até mesmo a reforma feita no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, mas esbarra em dificuldades de implementação e organização entre União, Estados e municípios, de acordo com especialistas consultados pelo Estadão.

O pacote, que inclui três textos, antecipado pelo Estadão, estabelece uma tabela única de remuneração para todo o serviço público brasileiro, institui uma medida de avaliação do desempenho dos servidores e restringe o pagamento dos supersalários. Além disso, proíbe férias de 60 dias para juízes, limita cargos comissionados 5% e restringe o gasto do Judiciário e do Legislativo nos Estados e municípios.

“A última reforma estruturante foi a Emenda 19 (em 1998). É extremamente positivo e não é a primeira vez que se tenta estabelecer uma remuneração que tenha por referência o desempenho, mas a implementação é difícil”, diz o professor de Direitos Administrativo da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) Gustavo Justino de Oliveira.

“As carreiras são muito diferentes, são muitas; o governo Lula 3 já tentou avançar em remuneração por tempo e também por mérito, mas ainda assim existem carreiras muito distantes disso”, detalha o especialista.

O texto escrito pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), coordenador do Grupo de Trabalho da reforma na Câmara, mantém a estabilidade dos concursados, mas determina que a subida nas carreiras só ocorrerá por desempenho, e não mais por tempo de serviço apenas. Além disso, os órgãos poderão criar um bônus equivalente a um 14º salário como incentivo.

O desempenho será avaliado de acordo com objetivos e metas institucionais de cada unidade da administração. “Isso é uma grande inovação e uma novidade total no marco legal. Hoje há processos de avaliação disseminados em vários governos, mas eles são muito ligados a critérios como assiduidade e pontualidade. O sistema de progressão ficará amarrado a avaliação de desempenho e metas institucionais”, diz Cibele Franzese: professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e conselheira do Movimento Pessoas à Frente.

Apesar do avanço, há uma lacuna na avaliação de desempenho, reforça Franzese. A reforma aprovada em 1998 instituiu a perda de cargo em caso de desempenho insuficiente, mas a medida nunca evoluiu para os servidores efetivos. A proposta não trata sobre essa possibilidade. “Acabamos não resolvendo o principal impasse do desempenho”, ressalta a especialista, que mesmo assim vê o conteúdo da proposta como um avanço na modernização do Estado. “Nunca existiu nada desse tamanho em termos de gestão de pessoas.”

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) tenta acabar com os chamados supersalários, que são as remunerações pagas acima do teto constitucional equivalente ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). As verbas indenizatórias, que inflam o salário da elite do funcionalismo público com “penduricalhos”, deverão ter natureza reparatória e destinar-se exclusivamente ao pagamento de despesas realmente episódicas, eventuais e transitórias.

Para os especialistas, a medida tem o potencial de acabar com os supersalários e enquadrar os pagamentos feitos atualmente como inconstitucionais. Há dúvidas, porém, sobre o sucesso da proposta, principalmente em função do lobby de juízes e procuradores. Além das verbas, o texto acaba com férias de 60 dias, proíbe aposentadoria compulsória como sanção e prevê que magistrados e promotores poderão ser demitidos por processo administrativo disciplinar.

“Acho que o fim dos privilégios é o eixo mais polêmico da reforma e provavelmente não vai se chegar a tudo nesse campo, mas certamente haverá avanços colocando o tema em debate e saindo com uma moderação desses privilégios, que são muito excessivos”, diz Gustavo Justino de Oliveira.

Ainda há dúvida sobre o potencial da reforma cortar gastos públicos. O fim dos supersalários, a diminuição do número de secretarias, a progressão de carreira condicionada ao desempenho e a revisão de gastos, pontos previstos no pacote, podem gerar economia de recursos, mas não há corte automático nos orçamentos da União, dos Estados e municípios.

“A reforma talvez signifique economia de recursos, mas o que temos no Brasil é uma cultura de leniência. Com a LRF, percebemos que quando os Estados batem os limites de gastos começam os acordos com a União, judicializam, vão para o Supremo e acabam realizando conciliações”, diz o especialista. “A única questão de economia, e que ainda é muito residual, é a redução dos supersalários”, observa Cibele Franzese.

Estadão Conteúdo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado