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Economia

Proposta de calamidade pode abrir caminho para governo desonerar combustíveis sem compensação

A proposta pode atender os interesses do governo no corte de tributos sobre combustíveis

Redação Jornal de Brasília

24/02/2021 10h46

Foto: Divulgação

Fábio Pupo e Daniel Carvalho
Brasília, DF

O Congresso discute a criação de uma cláusula de calamidade pública na Constituição que, caso acionada, dispensaria Executivo e Legislativo de apresentarem compensações orçamentárias ao criarem medidas que impactem as contas públicas.

A liberação valeria tanto para iniciativas que aumentam despesas como as que reduzem receitas, como o corte de tributos sobre combustíveis anunciado recentemente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A dispensa está na PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, relatada por Marcio Bittar (MDB-AC) e protocolada por ele nesta terça-feira (23) no Senado. O texto promove mudanças nas regras orçamentárias.

Além de criar um dispositivo de calamidade para flexibilizar regras fiscais em situações de emergência, o texto extingue definitivamente o piso de recursos públicos para saúde e educação, libera o auxílio emergencial em 2021 e promove ajustes de médio e longo prazo em situações de aperto fiscal.

A proposta pode atender os interesses do governo no corte de tributos sobre combustíveis. Bolsonaro tem tentado acenar a caminhoneiros para arrefecer insatisfações com os preços nos postos de gasolina.

Na quinta-feira (18), Bolsonaro chamou o aumento de preços de abusivo.

Ele ainda disse que, em reunião com o ministro Paulo Guedes (Economia), decidiu zerar por dois meses, o PIS/Cofins que incide sobre o diesel.

“O que é que foi decidido hoje? A partir de 1º de março também não haverá qualquer imposto federal no diesel por dois meses. Então, por dois meses, não haverá qualquer imposto federal em cima do diesel”, afirmou.

“Por que por dois meses? Por que nestes dois meses nós vamos estudar uma maneira definitiva de buscar zerar este imposto no diesel. Até para ajudar a contrabalançar este aumento, no meu entender, excessivo da Petrobras”, disse.

A obrigação de compensar cortes de receita está no artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Ao criar uma renúncia não prevista no Orçamento, a medida deve ser compensada por criação ou elevação de impostos ou ampliação da base de cálculo (com mais contribuintes, por exemplo).

A PEC em discussão flexibiliza a regra em caso de calamidade pública ao afirmar que a proposta legislativa ou o ato do Executivo que gere novas despesas ou renúncia de receitas “ficam dispensados da observância das limitações legais”.

As condições impostas pela PEC são de que a medida não tenha efeito continuado e que tenha como propósito exclusivo enfrentar a calamidade e suas consequências sociais e econômicas.

O Ministério da Economia defende a LRF e chegou a mencionar nos bastidores que buscaria medidas compensatórias para o corte do diesel. Mas Bolsonaro já disse neste mês que analisava implementar o corte de tributos sem a compensação.

“Eu quero ver se no caso que nós vivemos, já que muita gente fala que, situação crítica que vivemos, em parte eu considero, se eu posso reduzir, por exemplo, o PIS/Cofins no combustível e sem a compensação”, disse Bolsonaro na ocasião.

O presidente argumentou que, para cada R$ 0,01 reduzido de PIS/Cofins, são necessários cerca de R$ 700 milhões como compensação.

“Atualmente o diesel está em R$ 0,33, vezes 700, dá uns R$ 23,24 bilhões. Vou tirar da onde? Tem que aumentar imposto onde? Inventar uma CPMF? Não dá. Trocar seis por meia dúzia? Cobrir um santo e descobrir o outro?”, disse Bolsonaro.

No começo do mês, Bolsonaro disse em entrevista sobre medidas para combustíveis que as pautas econômicas têm respaldo de Guedes -a não ser em caso de uma “questão social gravíssima”.

“Tenho determinado ao Guedes, eu sempre converso com ele porque as decisões que tratam de economia obrigatoriamente têm que passar por ele.

Jamais darei palpite na economia. A palavra final, eu sou o presidente, mas é dele. A não ser que apareça uma questão social gravíssima. Daí nós voltaremos a conversar com mais ministros para falar sobre essa política econômica”, disse Bolsonaro.

Técnicos do governo não descartam que o instrumento seja usado. Até agora, o Ministério da Economia não se pronunciou oficialmente de forma clara sobre se vai buscar as compensações para o corte de tributos a ser aplicado para o diesel.

Apesar da brecha aberta pela PEC, a não compensação ainda precisaria cumprir algumas exigências para poder entrar em vigor.

Os técnicos lembram que, primeiro, a proposta teria que ser aprovada no Congresso e, depois, a cláusula de calamidade pública teria que estar acionada -o que não é o caso hoje.

O presidente da República pode propor a situação de calamidade pública de âmbito nacional ao Congresso, que terá a prerrogativa exclusiva de decidir se decreta ou não.

Seria difícil cumprir todo esse rito até 1º de março, data anunciada por Bolsonaro para o corte de tributos sobre combustíveis. A proposta tem previsão de votação nesta semana apenas no Senado e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem sinalizado que ela deve ser apreciada na Casa apenas no mês que vem.

A PEC não chega a especificar que critérios serão considerados para decretar calamidade pública. Nem se bastaria maioria simples (mais da metade dos presentes) ou se seria necessária maioria qualificada (mais da metade dos congressistas) para a cláusula ser acionada.

Além disso, para ser encaixado no texto da PEC, o corte sobre combustíveis ainda teria que estar ligado à pandemia e suas consequências sociais e econômicas -algo que o texto da proposta também não especifica o que seria.

De qualquer forma, o TCU (Tribunal de Contas da União) pode acompanhar de perto o assunto. No ano passado, o órgão rechaçou propostas que demandavam verbas para obras dizendo que elas não tinham ligação direta com a pandemia.

As informações são da FolhaPress

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