Menu
Economia

Preço do café pode baixar, mas não por causa de Trump; setores de carnes e sucos miram a Ásia

De acordo com o executivo, o café subiu de preço nos últimos anos devido a uma conjuntura envolvendo questões climáticas

Redação Jornal de Brasília

13/07/2025 17h21

cafe

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

DANIELE MADUREIRA

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Na lista dos principais produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, há um seleto grupo de commodities agropecuárias que vêm registrando um avanço de preços no mercado interno: café, carnes e suco de laranja.

De acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nos últimos 12 meses encerrados em junho, na variação medida pelo IPCA, o café moído registrou uma inflação de 77,88%, enquanto o preço das carnes (boi, porco e carneiro) subiu 23,63%. Em suco de frutas, a alta foi menor (7,95%).

A dúvida que fica para o consumidor brasileiro é: se vai ser difícil vender esses produtos nos Estados Unidos a partir de 1º de agosto, por conta da sobretaxa de 50% anunciada pelo governo do presidente Donald Trump ao Brasil, será que os fabricantes vão escoar o excedente para o mercado interno? E isso pode tornar os preços mais baixos para quem paga pelo produto em reais?

Segundo economistas, esta seria a lógica no curto prazo: se o comprador estrangeiro falhou, o produtor redireciona o estoque para o mercado interno, onde ele tem mais facilidade de escoar a produção. Com mais de 211 milhões de habitantes, com uma taxa de desemprego de 6,2% e inflação a 5,35% nos últimos 12 meses, o Brasil é um mercado que importa ser explorado. Com isso, o aumento da oferta poderia puxar os preços para baixo. Mas cada um desses setores da economia tem dinâmicas diferentes, e as contas não são tão simples.

O preço do café, que está nas alturas e já apresentou a maior inflação em toda a história do Plano Real, pode cair nos próximos meses, segundo a Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café). Mas não como efeito do tarifaço de Trump.

“A safra do ano que vem é contratada para ser uma safra recorde, o que será suficiente para recompor os estoques nos países produtores e consumidores”, diz Pavel Cardoso, presidente da Abic. “Os brasileiros vão encontrar menores preços nas prateleiras a partir de outubro e novembro, mas não por conta do motivo relacionado aos Estados Unidos”, afirma.

De acordo com o executivo, o café subiu de preço nos últimos anos devido a uma conjuntura envolvendo questões climáticas, o que gerou quatro anos seguidos de descasamento entre oferta e demanda global.

“A procura pelo produto cresceu, enquanto as safras foram menores do que era esperado”, diz. Fora isso, houve a especulação por parte de fundos de investimentos que apenas operam contratos, não a matéria prima, afirma.

Cardoso reforça que o Brasil é o maior produtor de café do mundo e exporta cerca de 65% do que produz. Os Estados Unidos representam 16% das exportações, são os maiores compradores. “Não tem plantação de café nos EUA”, diz. Em bloco, porém, a Europa é a maior compradora do café brasileiro, respondendo por cerca de 53% das exportações.

IMPOSTO DO CHÁ EM 1773 NOS EUA CAUSOU REVOLUÇÃO E TROCA DO PRODUTO POR CAFÉ

De acordo com o executivo, a ligação dos americanos com o café remonta a quase 300 anos. Em 16 de dezembro de 1773, no episódio que ficou conhecido como “Boston Tea Party” (Festa do Chá de Boston), colonos americanos invadiram navios britânicos e lançaram ao mar centenas de caixas de chá em protesto contra os impostos sobre o produto. “Ironicamente, mais uma vez a sobretaxa pode mudar os rumos do consumo americano”, diz.

Isso porque, desde o episódio, os EUA passaram a dar preferência ao café e o Brasil se tornou o seu principal fornecedor. “O consumo americano ao ano é de 4,9 kg por habitante per capita”, diz. No Brasil, a proporção é maior, da ordem de 6,26 kg per capita. Mas os líderes em consumo individual são os países nórdicos, como Finlândia e Noruega, com médias entre 12 e 13 kg per capita ao ano, diz.

Cardoso reforça ser fundamental acionar a diplomacia dos dois países na tentativa de evitar a sobretaxa.

Mas caso ela se torne inevitável, o excedente da produção já tem destino certo: Ásia. “A China tem grandes redes de cafeteria e o mercado asiático tem tração para ocupar o espaço deixado pelos Estados Unidos”, diz. O Brasil, por sua vez, já é um mercado maduro: 98% dos lares consomem a bebida, afirma.

O mercado de carnes também não depende dos Estados Unidos, segundo a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) e a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal). Do total da produção de carne bovina, cerca de 30% é exportada. Em suínos, 25% do volume é vendido fora do país.

O mercado externo é muito relevante para aves (65% da produção), mas os americanos não compram frango brasileiro, uma vez que são grandes produtores e concorrem com o país no mercado internacional.

Os Estados Unidos são o destino de 12% das exportações de carne vermelha, bem atrás da China (44%). “O primeiro grande mercado para o Brasil é o próprio país, que consome 70% da produção”, diz Roberto Perosa, presidente da Abiec. Segundo ele, o país exporta cortes que o brasileiro não consome com frequência, como partes dianteiras do boi e miúdos.

“Os miúdos vão para a Ásia, onde são usados em ensopados e preparações típicas. Já o dianteiro vai para os Estados Unidos, usado na produção de hambúrgueres”, diz. Segundo ele, 68% da carne bovina consumida nos Estados Unidos é em forma de hambúrguer.

“O mercado brasileiro não teria capacidade de absorver todo o volume de dianteiros e miúdos produzidos. Vislumbramos a produção do excedente americano para outros países, reforçando as parcerias existentes”, diz. “Os EUA demandam muito do nosso produto, mais de 20% da carne consumida no país é importada do Brasil. Eles serão os maiores prejudicados, porque temos preço, entrega e qualidade.”

De acordo com a ABPA, em carne suína, os Estados Unidos estão em 12º lugar entre os compradores estrangeiros. Os americanos são os principais compradores de ovos do Brasil, mas o volume exportado é muito restrito: menos de 1% da produção nacional vai para fora do país.

“Por não responder por um consumo relevante, e haver outros mercados compradores, uma eventual suspensão de exportações de carne para os EUA dificilmente vai representar aumento da oferta no mercado local, a ponto de mexer nos preços”, diz Ricardo Santin, presidente da ABPA. Ainda assim, o executivo defende que representantes de ambos os países levem as negociações a sério. “Economia não combina com ideologia.”

SUCO DE LARANJA BRASILEIRO DEPENDE DO CONSUMO AMERICANO

Já o setor de sucos cítricos, especialmente o de laranja, tem motivos para se preocupar com o tarifaço.

Cerca de 95% da produção é exportada. Os Estados Unidos são o maior mercado individual, respondendo por 42% das exportações do Brasil. A Europa é o destino de 52% das exportações, com destaque para Alemanha, França e Reino Unido.

“Se a sobretaxa for adotada, o imposto vai responder por 70% do valor da tonelada: serão US$ 2.500 de US$ 3.500 negociados. Ou seja, vão sobrar US$ 1.000 para remunerar toda a cadeia de produção, o que torna inviável a venda para os EUA”, diz Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR (Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos).

Segundo ele, a Europa não tem condições de absorver todo o volume exportado para os EUA. Embora mercados asiáticos venham crescendo, em especial China e Coreia do Sul, não são suficientes para comprar o excedente americano. “A Índia tem grande potencial, por conta da classe média gigantesca, mas as negociações levam tempo”, diz.

Não há possibilidade de o Brasil arcar com o excedente americano. “A indústria cítrica foi organizada para exportação e demanda capital intensivo “, diz. “O produto viaja a granel, de navio-tanque, o envase é feito localmente. Não dá para reverter a produção ao mercado interno, pois isso demandaria um trabalho de envase, marketing, distribuição. E como um país tropical, a população está acostumada a consumir sucos naturais”, afirma.

Para André Braz, economista do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), a chacoalhada promovida pelo tarifaço de Trump é uma oportunidade de o Brasil olhar para frente e estabelecer novas parcerias comerciais o mais rápido possível. “O mundo está disposto a mostrar ao presidente americano que os Estados Unidos não são uma ilha e os países precisam negociar, pois têm necessidades complementares”, diz.

O economista André Perfeito, sócio da consultoria APCE, concorda. “O mundo vai precisar achar uma saída para o Trump”, diz. “O encontro dos Brics [grupo formado por Brasil, China, Índia e Rússia, entre outros países] o deixou irritado, porque ele teme que o dólar perca relevância no cenário internacional”, diz. Mas menos vendas aos Estados Unidos significam menos dólares circulando no Brasil, o que pode elevar o câmbio.

Maria Andréia Parente Lameiras, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) também teme esse efeito colateral. “A nossa moeda fica mais volátil e o dólar sobe”, diz. “Isso traz complicações para a economia como um todo”. Além disso, afirma, se uma empresa não consegue redirecionar sua produção a outro mercado, ou escoar internamente, vai ajustar a sua operação, cortando pessoal para reduzir custos.

Para Ladislau Dowbor, professor titular de Economia e Administração na pós-graduação da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), o tarifaço de Trump tem impacto limitado, uma vez que os EUA são destino de apenas 12% das exportações brasileiras. “Podemos sim ampliar a orientação dos produtos alimentícios ao mercado interno, algo estruturalmente positivo, o que poderia baixar preços e sobretudo acabar com o absurdo da fome e da insegurança alimentar em um país que só de grãos produz mais de quatro quilos por pessoa ao dia”, diz o economista, ex-consultor de diversas agências das Nações Unidas.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado