Menu
Economia

Plano de Lula para gestão pública: Governo prepara nova lei que mira de Orçamento a estatais e ONGs

O projeto do Executivo promove uma revisão geral no funcionamento de órgãos federais, estatais, transferências para Estados e municípios

Redação Jornal de Brasília

31/10/2025 6h52

reforma administrativa

reforma administrativa

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prepara um projeto com uma nova lei para a gestão pública no País, em meio ao debate em torno da reforma administrativa protocolada na Câmara dos Deputados.

O projeto do Executivo promove uma revisão geral no funcionamento de órgãos federais, estatais, transferências para Estados e municípios, parcerias com organizações não governamentais (ONGs) e execução do Orçamento da União.

O Estadão teve acesso à minuta da proposta em discussão no Poder Executivo. O conteúdo não representa a versão final do projeto, que ainda está em fase de construção. A nova lei se propõe a revisar um decreto de 1967, que até hoje estabelece a organização da administração pública federal.

O projeto foi concebido pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) e pela Advocacia-Geral da União (AGU) com uma comissão de especialistas formada em 2024. Procurados, os dois órgãos não comentaram o projeto. O MGI informou que o texto deve ser entregue em dezembro e detalhes serão dados na apresentação da proposta.

Nos bastidores, o governo discute o momento de apresentar a proposta, que pode servir como alternativa da gestão Lula à reforma administrativa protocolada na Câmara e patrocinada pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).

O governo emplacou medidas que apoia na reforma em tramitação no Congresso, como o fim do supersalários, mas resiste a apoiar a proposta ampla diante da forte oposição de servidores e sindicatos ligados ao PT. O ano pré-eleitoral afasta ainda mais um posicionamento e empenho do governo na direção da proposta.

Projeto obriga eficiência e flexibiliza punição a agentes públicos

O projeto em elaboração pelo Executivo estabelece princípios gerais para a administração pública, como aumentar a efetividade da ação pública, a eficiência, a produtividade e a qualidade do gasto público.

Também há um marco legal de inovação, permitindo que órgãos implementem projetos piloto para testar soluções inovadoras antes de sua adoção em larga escala, sem responsabilização dos agentes públicos sobre o insucesso desses testes.

O projeto também flexibiliza as punições para agentes públicos. Servidores só serão responsabilizados por falhas e desvios se for comprovado o dolo ou a culpa na conduta, ou seja, a intenção deliberada.

Uma mudança na legislação em 2021 já trouxe um dispositivo parecido, mas hoje ainda há insegurança e entendimentos diferentes de tribunais de contas sobre a responsabilização dos atos.

Gastos terão de ser planejados e governo poderá adotar orçamento trianual

A proposta obriga que os gastos da União sejam planejados e acompanhados, na tentativa de estabelecer uma dinâmica que, na prática, nunca funcionou. O texto incorpora uma revisão na Lei de Finanças Públicas, da década de 1960, que chegou a ser formulada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento mas ficou parada.

O projeto estabelece a integração obrigatória entre o Plano Plurianual (PPA), que define as metas do governo para quatro anos, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que traz as regras para o Orçamento de cada ano, e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que estima a receita e define as despesas da União.

O projeto autoriza ainda o governo a adotar um orçamento trianual, válido por três anos, como parte do processo. Dessa forma, uma obra prioritária, por exemplo, seria colocada no PPA, entraria no orçamento trianual, para aumentar o planejamento e o acompanhamento do Poder Executivo, e obrigatoriamente teria que receber recursos no Orçamento da União.

O governo terá de adotar medidas para dar transparência aos recursos alocados e aos resultados esperados, flexibilidade à gestão orçamentária, avaliar a qualidade do gasto público e priorizar investimentos estratégicos de longo prazo.

Projeto tenta resolver ‘bola de neve’ do Orçamento

O projeto tenta resolver uma “bola de neve” acumulada dos chamados restos a pagar, que são recursos do Orçamento não gastos em um ano e que ficam “pendurados” em anos seguintes. Os valores disputam o mesmo espaço de despesas dos anos seguintes e acabam virando um “orçamento paralelo”. Em 2025, o governo herdou R$ 310,5 bilhões de recursos não pagos nos anos anteriores.

Hoje, vários órgãos da administração pública, incluindo de Estados e municípios, tem seus orçamentos aprovados, mas não conseguem executar os projetos, por ausência de planejamento, falta de recursos em caixa, problemas técnicos ou ainda investigações de irregularidades.

É comum nesses casos que os recursos sejam empenhados (liberados e reservados no Orçamento) nos últimos dias do ano para que não sejam perdidos, mas sem nenhuma execução concreta de atividades e obras, e fiquem “pendurados” nos anos seguintes, aumentando a bola de neve do “orçamento paralelo”.

Os recursos poderão ser inscritos em restos a pagar pelo prazo máximo de dois anos. Isso significa que, se uma verba foi destinada no Orçamento da União para a construção de uma escola, por exemplo, mas o projeto não saiu do papel nesse período, o dinheiro será cancelado para dar espaço a outras despesas. A comissão propôs um período de transição de dez anos para liquidar o saldo atual de verbas.

Governo discute criação de novas categorias e novo modelo para estatais para evitar privatização

O governo discute a criação de duas novas categorias de estatais na administração pública por meio do projeto: fundação estatal autônoma e entidade estatal de regime híbrido.

Essas organizações poderão ser criadas por lei e desenvolver atividades de interesse público, segundo a proposta em discussão. Seria um meio-termo entre uma estatal tradicional e uma organização sem fins lucrativos.

As empresas teriam autonomia técnica, podendo contratar funcionários sob o regime CLT, mas com prestação de contas ao governo e controle por resultados, sem privatizar o serviço. A atividade que estatal vai exercer dependerá da lei a ser criada.

O projeto também avança com o contrato de gestão das estatais, que poderá ser assinado por empresas públicas para estabelecer metas de desempenho e indicadores de qualidade e será uma condição para que as companhias recebam recursos do Tesouro Nacional.

Esse instrumento foi usado recentemente para tirar a Telebrás do Orçamento da União, como revelou o Estadão – manobra questionada por especialistas por diminuir a transparência sobre os gastos e abrir espaço fiscal para o governo.

Nova lei facilita parcerias com ONGs e propõe equilíbrio entre transferências para Estados e municípios

A proposta fixa na legislação a possibilidade de parcerias formais do governo com organizações da sociedade civil, prevendo desde convênios até acordos de cooperação para a execução de políticas públicas.

Hoje, o governo já repassa recursos para ONGs mas a ideia é que essas parcerias sejam mais fixas e estruturadas. O governo Lula aumentou os repasses para organizações não governamentais no último ano, como o Estadão mostrou.

A União deverá simplificar os procedimentos de repasse de dinheiro para as organizações, eliminando a burocracia excessiva e impondo um ritmo proporcional à complexidade do projeto ou da obra, o que deve acelerar os repasses.

No caso de Estados e municípios, os repasses deverão ser proporcionais às necessidades e capacidades locais, com equidade na distribuição e alinhamento com as prioridades nacionais, e não para onde o governo quiser livremente.

Isso deve afetar os repasses decididos diretamente pelo Poder Executivo e também as emendas parlamentares, questionadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo próprio Executivo.

Projeto estabelece transição formal entre governos após eleição

O projeto formaliza um processo de transição governamental entre uma eleição e outra. A transição deverá garantir a continuidade administrativa.

O governo que sai deverá transferir informações sobre políticas, programas, projetos em andamento, estado das finanças públicas e os compromissos assumidos ao governo que entra, garantindo a continuidade dos serviços essenciais e protegendo o patrimônio público.

Estadão Conteúdo

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado