Menu
Economia

Novos limites para o vale-alimentação são ilegais, dizem advogados

Segundo o decreto 10.854, publicado no Diário Oficial da União por Bolsonaro, as empresas terão direito de abater até 4% dos valores

FolhaPress

30/11/2021 18h06

Foto: reprodução – Instituto Oncofísio

FLAVIA KUROTORI
SÃO PAULO, SP

As novas regras do vale-alimentação, que estabelecem limites para as empresas deduzirem os valores pagos a seus funcionários, são avaliadas por advogados como ilegais e contrárias aos princípios do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador).

Segundo o decreto 10.854, publicado no Diário Oficial da União em 11 de novembro pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), as empresas terão direito de abater até 4% dos valores, mas apenas dos benefícios pagos a trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos (R$ 5.500 em 2021). Atualmente, o percentual é de 4%, mas não há essa limitação na renda dos funcionários.

“Hoje, a regra é que os trabalhadores com rendas mais elevadas podem ser incluídos no PAT desde que [a empresa] garanta a cobertura de todos os trabalhadores. Essa [nova] regra desvirtua a própria natureza do programa, que é incentivar as empresas a investir e garantir uma alimentação de qualidade aos seus funcionários”, afirma Erika Regina Ferraciolli, advogada tributarista do Orizzo Marques Advogados.

Mais uma mudança é que o valor empregado no pagamento do vale-alimentação de um funcionário para que a empresa possa deduzir do IRPJ ficaria limitado a um salário mínimo (R$ 1.100 em 2021), ou seja, para ter direito ao incentivo fiscal, o empregador poderia gastar até R$ 1.100 no benefício alimentar por funcionário. Não existe um limite hoje.

Mayara Mariano, advogada especialista em direito empresarial do escritório Mariano Santana Sociedade de Advogados, afirma que, de acordo com o decreto, a única possibilidade de o PAT englobar todos os trabalhadores de uma empresa é por meio do fornecimento de serviço próprio de refeições ou da distribuição de alimentos por meio de entidades fornecedoras de alimentação coletiva.

“É possível considerar que o decreto extrapolou seu papel e é ilegal, ao instituir restrições severas na perspectiva de dedução tributária e no próprio alcance da política pública de alimentação dos trabalhadores. Este tema merece maior amadurecimento”, avalia advogado Marco Aurélio Serau Junior, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná).
O especialista destaca a importância do PAT para melhorar a perspectiva alimentar dos funcionários, “o que ganha relevância se considerarmos que essa política pública se destina especialmente aos trabalhadores de baixa renda”.

“Na prática as empresas tendem a ter uma redução do seu benefício fiscal, o que pode desestimular a participação no PAT”, afirma Geraldo Korpaliski Filho, sócio da área trabalhista do Souto Correa Advogados.

Ainda falta regulamentação

Além de ferir os princípios do PAT os especialistas assinalam que o artigo viola o princípio da anterioridade anual –período de espera do exercício financeiro seguinte ao da publicação de um texto. Vale lembrar que, atualmente, as previsões do decreto estão em fase de regulamentação pelo Ministério do Trabalho e Previdência.

“Na linha do entendimento do STF [Supremo Tribunal Federal], a revogação ou restrição de incentivos fiscais que acabem implicando o aumento da tributação devem obedecer ao princípio da anterioridade. Me parece ser este o contexto das restrições, ou seja, a aplicação das regras antes de 2022 viola a regra da anterioridade”, esclarece Erika, do Orizzo Marques Advogados.

“O STJ [Superior Tribunal de Justiça] já analisou situações em que se fez alterações nas regras do benefício fiscal relativo ao PAT por meio de decreto e entendeu que tais alterações seriam ilegais”, adiciona Augusto Bercht, sócio da área tributária do Souto Correa Advogados.

Por outro lado, o advogado trabalhista Danilo Pieri Pereira, do Baraldi Melega Advogados, não vê ilegalidade neste trecho do decreto. “Na verdade, o decreto apenas regulamenta e atualiza o PAT, que já existe”, defende. Em nota, o Ministério do Trabalho e Previdência afirma que o programa passou a privilegiar o trabalhador com menor renda, “tendo em vista que limita a dedução no imposto de renda pessoa jurídica das despesas de custeio com o programa apenas aos trabalhadores que ganham até cinco salários-mínimos”.

“A alteração também vai ao encontro de recomendações de relatório de auditoria da CGU [Controladoria-Geral da União], de que a alocação do benefício apresenta distorções, com baixa atratividade ao público-alvo, especialmente aos trabalhadores de menor renda”, diz o comunicado.

Por fim, a pasta garante que a legalidade de toda a norma, inclusive do artigo que discorre sobre os limites para dedução ligados ao PAT, foi avaliada pelas Procuradorias-Gerais da Fazenda Nacional e pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República, não sendo apontados óbices.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado