Menu
Economia

Mesmo com diploma, trabalhador aceita vaga menos qualificada

Cerca de um terço dos profissionais graduados ocupam funções no país que não exigem curso superior

Lindauro Gomes

30/09/2019 5h27

Trabalhadores formados que atuam noutra área sem diploma -Renata Claudia Laviola Fotos: arquivo pessoal

Pedro Marra, com a Agência Estado
redacao@grupojbr.com

Formada em Letras, Renata Claudia Laviola, 43 anos, já deu aula para alunos do jardim de infância, turma de concurso e pré-vestibular, em 2007.

Mas não via possibilidade de crescimento na área, com salário baixo no início da carreira. Foi quando ela migrou para a empresa de Recursos Humanos do marido, na área de contabilidade.

O caso de Renata é espelho dos dados do segundo trimestre da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, que mostram que 30%, pouco menos de um terço, dos trabalhadores com ensino superior estavam ocupando funções que não demandam uma formação universitária.

A crise econômica no Brasil fez crescer o número de brasileiros que concluíram a faculdade, mas que hoje ocupam funções que não exigem formação superior. Eles até estão trabalhando, mas o diploma foi parar na gaveta.

“Em 2008, surgiu a oportunidade de eu trabalhar na empresa do meu esposo pela parte financeira. Fiz cursos de especialização na área de Recursos Humanos, e uma pós-graduação também. Hoje, eu ganho dez vezes mais do que antes”, conta.

Na opinião de Renata, o mercado de educação é fechado “porque tem muita gente que contrata pessoas indicadas por quem já está dentro da empresa. Fiz várias entrevistas, fui bem nos processos seletivos, mas não fui contratada. Hoje, consigo ter um lucro bom. Estou bem satisfeita com a minha área atual, embora exija muito da gente”, analisa.

Outra pesquisa, divulgada em agosto pela agência de recrutamento de executivos Robert Half, indica que 92% dos desempregados com graduação aceitariam retornar ao mercado por salário e posição inferiores. A proporção é a mais alta da história do levantamento, que está em sua oitava edição.

Os dados da Pnad Contínua, compilados pela consultoria também apontam que os trabalhadores mais jovens, que costumam ser os mais frágeis nas relações de trabalho, são também os que mais sofrem neste caso.

Entre os trabalhadores com formação superior e idades entre 25 e 34 anos, 34% estavam em funções, formais ou informais, que exigem qualificação mais baixa.

É o caso de João Paulo Souza Teles, 26 anos. Formado em direito desde 2015, ele atuou poucas vezes como advogado de 2016 até hoje. Mas, desde 2018, trabalha como motorista de aplicativos, já tendo atuado em Brasília, apesar de atualmente morar em Goiânia.

“À época, eu trabalhava como advogado Júnior de um escritório e estava insatisfeito com as condições de trabalho e com o salário. O mercado de trabalho para o bacharel em direito é incerto. Há possibilidade de ingresso na carreira, mas isso não depende exclusivamente do profissional, acredito que o mercado de trabalho vem se demonstrado cada vez mais instável e com poucas oportunidades, os salários são na sua maioria desmotivadores”, analisa.

Quando perguntado sobre a renda obtida como advogado e como motorista de aplicativo, João vibra com o trabalho atual. “Como motorista de aplicativo, consigo ganhar mais que o dobro daquilo que ganhava como advogado Júnior”, afirma.

Segundo análise da consultoria iDados, dos 17,6 milhões de trabalhadores formais ou informais graduados, 5,2 milhões estavam em subemprego no trimestre encerrado em junho. Antes da recessão, em 2014, eram 3,2 milhões de graduados, ou 25%.

Analista de banco virou caixa em SP

O exemplo da administradora de empresas Kelly Nascimento, de 43 anos, é radical. Ela foi demitida do cargo de analista sênior de sistemas de um banco, após 15 anos no mercado financeiro. Tentou montar um negócio de bolos com as irmãs, que não foi adiante. No começo do ano, com dívidas e o marido também desempregado, aceitou trabalhar como caixa de um hipermercado em São Paulo. Ganhava R$ 12 mil. Hoje seu salário é de R$ 1,2 mil.

“Não podia esperar. No início fiquei muito triste. Sem desmerecer ninguém e nenhum trabalho, mas eu havia atuado em grandes instituições, tenho graduação e duas pós, coordenava projetos e pessoas. Foi difícil me ver atrás de um caixa”, afirma Kelly, que faz bolos para completar o orçamento.

Para o Brasil conseguir gerar empregos que demandem nível superior, só com a reindustrialização, afirma o economista da Universidade de Brasília (UnB) José Luiz Oreiro. “Uma economia baseada em serviços de baixa produtividade só vai gerar motoristas de Uber.”

“É fundamental que o governo retome as obras de infraestrutura, que aumentariam a demanda por profissionais mais qualificados. Enquanto isso não acontecer, a procura por esses trabalhadores vai continuar deprimida”, diz Oreiro.

É verdade que o desemprego de quem tem formação universitária, de 7% no segundo trimestre, é mais baixo do que o da média da população (12%), mas a situação dos brasileiros com maior qualificação só piorou nos últimos cinco anos. E quanto mais jovem, mais difícil de conseguir uma colocação de nível superior.

A crise acabou matando as melhores vagas, de qualificação mais alta, afirma a pesquisadora da iDAdos, Ana Tereza Pires. “A oferta de trabalho bem remunerado e de maior qualidade caiu e o trabalhador, que tinha acabado de se formar e estava tentando entrar no mercado depois da crise, foi obrigado a competir com os mais experientes que perderam o emprego”, explica a pesquisadora.

Saiba Mais 

Segundo análise da consultoria iDados, dos 17,6 milhões de trabalhadores formais ou informais graduados, 5,2 milhões estavam no subemprego no trimestre encerrado em junho.

Antes da recessão, em 2014, eram 3,2 milhões de graduados, ou 25%. Na sexta-feira, o IBGE divulgou que a informalidade no mercado de trabalho brasileiro bateu recorde no trimestre encerrado em agosto.

Ao todo, foram 38,8 milhões de pessoas nessas condições. São empregados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria, empregadores sem CNPJ e trabalhadores familiares auxiliares. Esse contingente representa 41,4% da população empregada no país, a maior taxa desde que o IBGE passou a calcular esse indicador, em 2016.

Com recorde na informalidade, a taxa de desemprego no país caiu para 11,8% em agosto, contra 12,3% no trimestre encerrado maio. Ao todo, 12,6 milhões de pessoas estão procurando emprego no país. O número representa uma queda de 419 mil pessoas em relação ao trimestre encerrado em maio.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado